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O sistema interamericano de proteção aos direitos humanos: análise do caso fazenda Brasil verde

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GRANDE DO SUL

NADINE VIVIANE DREXLER

O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS: ANÁLISE DO CASO FAZENDA BRASIL VERDE

Três Passos (RS) 2017

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NADINE VIVIANE DREXLER

O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS: ANÁLISE DO CASO FAZENDA BRASIL VERDE

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientadora: MSc. Eliete Vanessa Schneider

Três Passos (RS) 2017

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Dedico este trabalho à minha família e ao meu amor, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, a qual é impossível descrever o quanto amo, obrigada por nunca medirem esforços para me ajudar, assim como sempre estiveram me apoiando em cada momento até aqui, vocês são tudo para mim, são meus exemplos e são a quem devo tudo o que sou e serei daqui em diante.

À minha orientadora Eliete, a qual sempre foi muito prestativa, sempre ajudando da melhor forma possível, obrigada por todo o carinho e por ter me concedido a honra de ser a sua orientanda.

Ao meu amor Paulo, que inúmeras vezes me deu ânimo para continuar, obrigada pelas cobranças, obrigada pelos dias que você deixou de fazer algo porque eu tinha que estudar, obrigada por todo amor, carinho e café, que com certeza foram essenciais para que eu chegasse até aqui.

Agradeço também aos meus amigos e amigas, que permaneceram comigo até agora, aqueles que estiveram comigo nos piores e melhores momentos até aqui, aqueles que me deram força quando precisei, aqueles que sabem que tem um lugar especial no meu coração, estando eles aqui ou em memória.

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“A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos. ”- Hannah Arendt

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O presente trabalho de conclusão de curso tem como principal objetivo fazer uma análise de caso, onde o Estado brasileiro é réu perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Através dessa análise, será possível destacar a importância e eficiência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Para que se tenha um entendimento melhor, também será apresentado todo o processo de construção desse sistema de proteção, em âmbito global e regional, assim como seu principais documentos e particularidades de cada sistema. O caso da Fazenda Brasil verde, refere-se a escravidão contemporânea, desse modo, será possível visualizar um contexto histórico de todo período de escravidão no Brasil colônia e também a escravidão no Brasil contemporâneo.

Palavras-Chave: Direitos humanos. Escravidão. Fazenda Brasil Verde. Sistema interamericano de proteção.

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The main objective of this present work is to make a case analysis, where the Brazilian State is guilty before the Inter-American Court of Human Rights, through this analysis, it will be possible to highlight the importance and efficiency of the Inter-American Human Rights System. In order to have a better understanding, it will also be presented the whole process of construction of this protection system, at global and regional level, as well as its main documents and particularities of each system. The case of Brazil Green Farm, refers to contemporary slavery, in this way, it will be possible to visualize a historical context of every period of slavery in Brazil colony and also the slavery in contemporary Brazil.

Keywords: Human rights. Slavery. Brazil Green Farm. Inter-American system of protection.

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INTRODUÇÃO ... 9

1 INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ... 11

1.1 Fatos históricos marcantes ... 11

1.2 Documentos internacionais ... 16

1.3 Formação dos sistemas global e regionais ... 19

2 O SISTEMA INTERAMEICANO E O CASO FAZENDA BRASIL VERDE ...26

2.1 A adesão do Brasil ao Sistema...26

2.2 A escravidão no Brasil...29

2.3 Análise do caso Fazenda Brasil Verde...37

CONCLUSÃO...41

REFERÊNCIAS...43

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INTRODUÇÃO

Pretende-se apresentar todo o contexto histórico que contribuiu para que a dignidade da pessoa humana passasse a ser respeitada. Desse modo, será feito um estudo sobre o processo de internacionalização dos direitos humanos, a partir da Primeira Guerra Mundial, onde passou-se a ter consciência de que alguma providência devia ser tomada para que não ocorresse uma segunda.

O presente trabalho tem por objetivo apresentar os sistemas de proteção aos direitos humanos e fazer uma análise do caso da Fazenda Brasil Verde, caso de escravidão contemporânea que foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2016.

Para a construção da pesquisa, serão utilizadas diversas fontes bibliográficas, físicas e virtuais, documentos e artigos.

Para que se chegue à uma conclusão quanto ao problema proposto, o tipo de pesquisa se dará de forma expositiva e também o método analítico-sintético ao se explorar os documentos e textos que servirão de base para conclusões, trazendo casos históricos, dados e conceitos acerca do tema.

A formação de um sistema internacional dos direitos humanos foi feita através de vários processos, muita luta, muita deliberação, onde aos poucos foi se chegando aos sistemas presentes na atualidade.

No primeiro capítulo, a partir da pesquisa acerca da formação dos sistemas de proteção, serão apresentados individualmente o sistema global de proteção, bem

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como os sistemas regionais de proteção. Seus procedimentos, seus acordos, documentos importantes e demais aspectos que contribuem para a garantia da dignidade da pessoa humana.

A pesquisa terá como foco principal um desses sistemas de proteção, o Sistema Interamericano de proteção aos Direitos Humanos, do qual o Brasil é parte. Nesse viés o processo de adesão ao sistema será apresentado no segundo capítulo para que se possa fazer, enfim, a análise do caso da Fazenda Brasil Verde.

Quanto a Fazenda Brasil Verde, é válido antecipar que a mesma se constitui no local onde milhares de pessoas foram submetidas ao trabalho escravo, melhor dizendo, ao trabalho escravo contemporâneo, que também será objeto dessa pesquisa. Por esse fato, o Brasil foi submetido a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que proferiu sentença condenatória contra o Estado.

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1 INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Na atualidade, falar sobre os direitos humanos abre um leque de pontos de vista. Em uma sociedade que já passou por fatos catastróficos no que diz respeito ao esquecimento da dignidade da pessoa humana, é impossível deixar de indagar como ainda há pessoas que deixam a “humanidade” de lado, seja em troca de favores, dinheiro ou por puro prazer.

A história dos direitos Humanos é, sem dúvidas, um emaranhado de desvalorização da dignidade humana. Apesar de hoje ser claro o significado de dignidade, muito foi preciso para entendê-lo, uma vez que a sociedade passou por inúmeros acontecimentos os quais aos poucos foram construindo os direitos básicos que o ser humano precisa para viver.

Neste capítulo, será abordado o contexto histórico dos direitos humanos, todo o caminho que foi percorrido para que a sociedade pudesse ser protegida, pudesse ter seus direitos protegidos pelo Estado tanto no âmbito internacional quanto regional. Serão abordados também todos os documentos importantes, que trazem em si os direitos e carregam o peso histórico, que por sinal é de grande importância, que os direitos e garantias fundamentais possuem.

Seguindo essa linha de pensamento, se faz necessária uma análise da construção e reconstrução dos Direitos Humanos ao longo da história, bem como sua proteção. Desse modo, é imprescindível que se retome casos, acordos, tratados e conceitos referentes a esse tema tão abrangente e importante para toda a sociedade.

1.1 Fatos históricos marcantes

A construção dos Direitos Humanos deu-se através de muitos séculos, desde os primórdios da humanidade, onde foi preciso muito raciocínio, muitos pensadores, fatos, divergências, para se chegar ao entendimento sobre a igualdade e liberdade que há entre os homens. Segundo Fábio Konder Comparato (2001, p. 47-48):

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O artigo I da Declaração que "o bom povo da Virgínia” tornou pública, em 16 de junho de 1776, constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na História. E o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos. [...] Treze anos depois, no ato de abertura da Revolução Francesa, a mesma ideia de liberdade e igualdade dos seres humanos é reafirmada e reforçada: "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos". (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, art. 1º)

Tem-se um breve entendimento sobre a essência dos direitos humanos através do pensamento do juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Antônio Augusto Cançado Trindade, no livro da jurista Flávia Piovesan “Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional” (2013, p. 57):

é o direito de proteção dos mais fracos e vulneráveis, cujos avanços em sua evolução histórica se têm devido em grande parte à mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de dominação, exclusão e repressão. Neste domínio de proteção, as normas jurídicas são interpretadas e aplicadas tendo sempre presentes as necessidades prementes de proteção das supostas vítimas.

O caminho para chegar ao direito a possuir direitos, por mais básicos que sejam, não foi uma tarefa fácil, muito pelo contrário, deu-se através de muita guerra, sofrimento, mutilações e, às vezes, até mesmo a própria dignidade humana foi deixada de lado.

para que os direitos humanos se internacionalizassem, foi necessário redefinir o âmbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a fim de permitir o advento dos direitos humanos como questão de legítimo interesse internacional. Foi ainda necessário redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de Direito Internacional. (PIOVESAN, 2013, p. 188).

O processo de internacionalização dos direitos humanos teve grande contribuição na segunda metade do século XIX, com a Convenção de Genebra de 1864, que visava diminuir o sofrimento daqueles que estavam nas guerras, tanto soldados, prisioneiros, doentes, feridos, quanto civis que eram atingidos pelos conflitos bélicos da época. A partir de então, fundou-se a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, em 1880, que tinha como objetivo dar assistência àqueles que se encontravam desamparados em meio aos conflitos. Em 1907 a Convenção foi

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revista, criando outros documentos importantes, como a Convenção de Haia, estendendo os princípios aos conflitos marítimos (COMPARATO, 2001, p. 52-53).

Nesse sentido, o Direito Humanitário foi o primeiro esboço referente à proteção da dignidade humana, “foi a primeira expressão de que, no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na hipótese de conflito armado” (PIOVESAN, 2013, p. 189). Seguindo essa linha, no ano de 1920, após a Primeira Guerra Mundial, criou-se a Liga das Nações Unidas, que tinha por objetivo promover a cooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e a independência política dos seus membros, visava também evitar uma Segunda Guerra Mundial (PIOVESAN, 2013).

Vê-se então, que foi necessária uma guerra para que fosse dado um passo mais largo em direção à internacionalização dos direitos humanos. O Estado passa a se preocupar mais com seus membros, garantindo condições mais justas de sobrevivência.

Desse modo, verifica-se a valorização das pessoas humanas no plano internacional, sendo consideradas como sujeitos do direito internacional público. Tal evolução é notada após as duas grandes guerras mundiais. As pessoas humanas passam a ser dotadas de capacidade ativa e passiva no plano internacional, ou seja, podem pleitear direitos em órgãos internacionais (Comissões ou Cortes) e podem ser responsabilizadas (réus no Tribunal Penal Internacional). (OLIVEIRA, 2012, p. 38)

Juntamente com o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a situação que as pessoas se encontravam à época, houve também a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que também contribuiu para a internacionalização dos direitos humanos. Foi criada depois da Primeira Guerra Mundial objetivando promover padrões internacionais quanto às condições trabalhistas e o bem-estar dos trabalhadores (PIOVESAN, 2013).

A Organização Internacional do Trabalho foi criada pela Conferência de Paz após a I Guerra Mundial. A sua Constituição converteu-se na Parte XIII do Tratado de Versalhes (1919). Em 1944, à luz dos efeitos da Grande Depressão e da II Guerra Mundial, a Organização Internacional do Trabalho adotou a Declaração da Filadélfia como anexo da sua Constituição. A

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Declaração antecipou e serviu de modelo para a Carta das Nações Unidas e para a Declaração Universal dos Direitos Humanos. (OLIVEIRA, 2012 p.35).

Desse modo, apresentado o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho, Flávia Piovesan (2013, p. 190) conclui que:

tais institutos, cada qual ao seu modo, contribuíram para o processo de internacionalização dos direitos humanos. Seja ao assegurar parâmetros globais mínimos para as condições de trabalho no plano mundial, seja ao fixar como objetivos internacionais a manutenção da paz e segurança internacional, seja ainda ao proteger direitos fundamentais em situações de conflito armado, tais institutos se assemelham na medida em que projetam o tema dos direitos humanos na ordem internacional.

A maneira como cada Estado trata seus cidadãos, não é mais competência sua, mas passa a ser tema de interesse internacional. Sendo assim, a busca por melhorias no âmbito internacional pela proteção dos direitos humanos tornou-se prioridade, visando também impedir que aconteçam atos desastrosos, que permitissem o desrespeito à pessoa humana. Infelizmente, a Liga das Nações não atingiu seu objetivo, no momento em que houve o início da Segunda Guerra Mundial, dando-se procedência a um verdadeiro esquecimento da dignidade humana.

E mais uma vez, porém de uma maneira muito pior, a guerra foi uma espécie de início. Onde milhões de pessoas morreram, a maioria delas sem um porquê, sem motivo algum, apenas pelo fato de o ser humano ter retomado seu pior instinto, por ter esquecido o respeito ao próximo, a compaixão, por ter esquecido todos os anos, desde os primórdios da humanidade, em que pessoas lutaram para simplesmente entender o que é a dignidade, o que é a solidariedade, o que é o respeito. Muito mais que conceitos, mas virtudes, que passaram despercebidas ao longo dos intermináveis seis anos de guerra.

Nesse viés, o pós-guerra foi um período de reconstrução dos direitos humanos, um período em que foi preciso reestabelecer a essência da dignidade humana, através de convenções, tratados, organizações, para impor limites às atrocidades que ocorreram no período da guerra. Havendo então como reflexo a valorização da pessoa e da dignidade da pessoa humana em âmbito internacional, a

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limitação da soberania nacional, o reconhecimento de direitos inerentes à existência dos indivíduos, preocupação com o ser humano não na qualidade de minorias, mas de maneira geral e a disseminação da ideia de que a proteção dos Direitos Humanos não termina nos Estados (PIOVESAN, 2013).

A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos. (PIOVESAN, 2013, p. 192).

Em 26 de junho de 1945, assinada na cidade de São Francisco (EUA), foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), que contava no início com 50 Estados, sendo sua sede na cidade de Nova York. O objetivo era manter a paz e segurança nacional, sendo uma entidade política de alcance mundial pela cooperação e resolução dos conflitos. A Criação da ONU foi a consolidação do movimento da internacionalização dos Direitos Humanos. Por meio dela, os países se comprometeram com determinados padrões de comportamento que corroboram a proteção a esses direitos (PIOVESAN, 2013).

Os objetivos principais da Organização das Nações Unidas são: a cooperação internacional para a solução de problemas mundiais de ordem social, económica e cultural, incentivando o respeito pelos direitos e liberdades individuais; e a manutenção da paz e segurança internacionais, entre outras ações em defesa dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. A Carta das Nações Unidas não descreve o que são os "direitos humanos e liberdades fundamentais”, mas contribui para o início da formação do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. (OLIVEIRA, 2012, p. 65).

Após a criação da ONU, prosseguiu a busca pelos direitos essenciais da pessoa humana, sendo criada no ano de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela aprovação de 48 Estados, com 8 abstenções.

retomando os ideais da Revolução Francesa, representou a manifestação histórica de que se formara, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens. (COMPARATO, 2001, p. 226).

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Era enfim uma declaração que atingiria a todos, independentemente de sua raça, cor, sexo ou religião. Uma declaração universal, cujo único requisito para fazer parte é o de ser humano, com o objetivo de manter a ordem mundial, fundada sob o respeito à dignidade humana e as necessidades básicas de sobrevivência.

A Declaração Universal de 1948 não estabelece os mecanismos para fazer valer os direitos nela previstos. A Declaração conclama os povos a lutarem para a promoção e respeito aos direitos nela previstos, a promoverem medidas progressivas de âmbito nacional e internacional que objetivem a amplitude universal de seus direitos. Reitera a importância da dignidade da pessoa humana no plano interno e externo. (OLIVEIRA, 2012, p. 66)

Após a Declaração de 1948, outros tratados visando a proteção dos Direitos Humanos continuaram sendo criados. Entre eles, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e culturais de 1966. Todos esses documentos conformam o sistema “global” de proteção aos Direitos Humanos, o qual será tratado no item 1.3 da presente pesquisa.

1.2 Documentos internacionais

É imprescindível que sejam citados os documentos internacionais, uma vez que eles são o “norte” para que a proteção dos direitos humanos seja assegurada no âmbito global. Assim como a Carta da Nações Unidas de 1945, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, já referidas anteriormente, há outros documentos que são importantes para a composição da proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana.

considerando a ausência de força jurídica vinculante da Declaração, após a sua adoção, em 1948, instaurou-se larga discussão sobre qual seria a maneira mais eficaz de assegurar o reconhecimento e a observância universal dos direitos nela previstos. Prevaleceu, então, o entendimento de que a Declaração deveria ser “juridicizada” sob a forma de tratado internacional, que fosse juridicamente obrigatório e vinculante no âmbito do Direito Internacional. (PIOVESAN, 2013, p. 239-240).

Nesse viés, foi necessário que se pensasse em outros documentos que assegurassem, com vínculo de lei, a proteção à pessoa humana. Sendo assim, no ano de 1949 iniciou-se esse processo de “juridicização” da Declaração, findando apenas no ano de 1966, após a elaboração de dois tratados internacionais distintos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos

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Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esses dois tratados simbolizaram uma significativa expressão da internacionalização dos direitos humanos, “apresentando central importância para o sistema de proteção em sua globalidade” (PIOVESAN, 2013).

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, bem como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, apesar de terem sido aprovados no ano e 1966, entraram em vigor apenas dez anos depois, devido ao fato de apenas nessa data alcançar o número de ratificações necessárias para tanto (PIOVESAN, 2013).

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos pode ser assim dividido: 1) autodeterminação dos povos e livre disposição de seus recursos naturais e riquezas (art. l.°); 2) compromisso dos Estados de garantir os direitos previstos e hipóteses de derrogação de certos direitos (arts. 2.° a 5. °); 3) direitos efetivamente reconhecidos (arts. 6.° a 27); 4) mecanismos de supervisão e controle desses direitos (arts. 28 a 45); 5) integração e interação com a Organização das Nações Unidas (arts. 46 e 47); e 6) ratificação e entrada em vigor (arts. 48 a 53). (OLIVEIRA, 2012, p. 68).

Desse modo, o pacto possui direitos e garantias que nem mesmo na Declaração haviam sido abordados, como por exemplo, o direito de não ser preso em razão de descumprimento de obrigação contratual (art. 11); o direito da criança ao nome e à nacionalidade (art. 24); a proteção dos direitos de minorias à identidade cultural, religiosa e linguística (art. 27); a proibição da propaganda de guerra ou de incitamento a intolerância étnica ou racial (art. 20); o direito à autodeterminação (art. 1º), dentre outros. Somados ainda com a vedação da pena de morte, instituída pelo Segundo Protocolo ao Pacto, adotado em 1989. Em dezembro de 2012, contava com 75 Estados-partes, tendo o Brasil ratificado apenas em setembro de 2009 (PIOVESAN, 2013).

Inicialmente, estavam previstos os relatórios e as comunicações interestatais como mecanismos de monitoramento dos direitos humanos. Posteriormente, com o Protocolo Adicional Facultativo ao PIDCP (1966) foi permitido ao cidadão peticionar para a ONU (sede em Nova Iorque), pleiteando indenização. Desse modo, são mecanismos de monitoramento do Pacto: relatórios - o Estado, uma vez por ano, relata voluntariamente a situação dos direitos humanos no seu território; comunicações interestatais - o Estado comunica o descumprimento de direitos humanos realizado por outro Estado; petições individuais - as próprias vítimas das violações dos

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direitos humanos peticionam para as cortes internacionais, reclamando a salvaguarda de seus direitos. (OLIVEIRA, 2012, p. 69).

Um ponto importante referente ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, é em relação ao sistema de petições individuais, que permite aos indivíduos apresentarem petições denunciando violações de direitos.

a importância do Protocolo está em habilitar o Comitê de Direitos Humanos a receber e examinar petições encaminhadas por indivíduos, que aleguem ser vítimas de violação de direitos enunciados pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos. Até dezembro de 2012, cento e catorze Estados haviam ratificado o Protocolo Facultativo ao Pacto dos Direitos Civis e Políticos. (PIOVESAN, 2013, p. 247).

A petição deve respeitar determinados requisitos de admissibilidade previstos pelo art. 5º do Protocolo, como esgotamento prévio dos recursos internos, salvo quando a aplicação desses recursos se mostrar muito prolongada. Recebida a comunicação pelo Comitê, o Estado possui 6 meses para dar esclarecimentos ao Comitê sobre o caso.

O Comitê, assim, considerando todas as informações colhidas, proferirá uma decisão, pelo voto da maioria dos membros presentes, embora esforços sejam empenhados no sentido de alcançar votação unânime. Essa decisão será publicada no relatório anual do Comitê à Assembleia Geral. Ao decidir, o Comitê não se atém apenas a declarar, por exemplo, que resta caracterizada a alegada violação a direito previsto no Pacto. Por vezes, o Comitê determina a obrigação do Estado em reparar a violação cometida e em adotar medidas necessárias a prover a estrita observância do Pacto. (PIOVESAN, 2013, p. 249).

Assim como há o procedimento do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, também há o do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os quais são semelhantes.

A distinção mais importante entre os direitos económicos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos está na sua aplicabilidade. Enquanto os direitos políticos individuais se caracterizam pelo exercício imediato e a efetividade de instrumentos que assegurem a sua plena realização, os direitos sociais, económicos e culturais caracterizam-se pela ausência de efetividade material, ou seja, são dependentes de regulamentação pelos Estados, também conhecida por eficácia programática ou diferida.[...] Para monitorar e implementar tais direitos, o tratado prevê que o Estado deve encaminhar relatórios que serão analisados pelo Conselho Económico e Social, contendo medidas adotadas e obstáculos enfrentados (arts. 16 e 17). Em que pesem tais medidas, a implementação de tais direitos dependerá da vontade dos governantes dos Estados. (OLIVEIRA, 2012, p. 71).

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A partir da elaboração desses dois pactos se forma a Carta Internacional dos Direitos Humanos, inaugurando-se então, o sistema global de proteção desses direitos. É sabido também que existem outros inúmeros tratados e convenções que auxiliam e asseguram a proteção dos direitos humanos, sendo válido citar alguns deles nas palavras de Piovesan (2013, p. 483):

O sistema global, por sua vez, viria a ser ampliado com o advento de diversos tratados multilaterais de direitos humanos, pertinentes a determinadas e específicas violações de direitos, como o genocídio, a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, a violação dos direitos das crianças, entre outras formas específicas de violação. Daí a adoção da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, da Convenção sobre os Direitos da Criança, entre outras.

Desse modo, a partir da criação desses documentos importantes o sistema global de proteção é formado e a partir dele, os sistemas regionais, que se utilizam de procedimentos para amparar os indivíduos dos Estados, bem como fiscalizar e garantir que a proteção aos direitos humanos seja realmente efetiva.

Além do sistema global de proteção, houve também a formação dos sistemas regionais de proteção, que são imprescindíveis para garantir o funcionamento do sistema global e os quais serão abordados no item a seguir.

1.3 Formação dos sistemas global e regionais

A construção de um sistema de proteção aos direitos humanos foi um processo lento, com inúmeros fatos marcantes, já tratados anteriormente, que foram importantes para a concretização dos sistemas global e regionais de proteção, que estão vigentes na atualidade.

O sistema global de proteção dos direitos humanos foi iniciado a partir da criação da Carta Internacional dos Direitos Humanos, após a criação dos Pactos de 1966 que “judicializaram” a Declaração Universal de Direitos Humanos. Esses Pactos trazem em seu bojo uma série de obrigações as quais os Estados-partes

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devem cumprir, bem como os procedimentos que devem ser seguidos caso o Estado descumpra algum dever, como mencionado no item anterior.

Insta ressaltar que o sistema global visa garantir que estejam sendo cumpridas as obrigações dos Estados para com seus indivíduos, que os direitos garantidos pelas diversas convenções e tratados sejam aplicados de forma igual para todos.

O sistema global de proteção a direitos humanos compreende, portanto, mecanismos convencionais e não convencionais, que apresentam características consideravelmente diversas. Essas características podem ser usadas, como já foi ressaltado, na escolha do melhor instrumento internacional para cada caso específico, levando em consideração ser ou não o Estado-violador parte de uma convenção determinada, haver ou não suficiente pressão política para sensibilizar órgãos de proteção essencialmente políticos, existir ou não o interesse em construir precedentes normativos. (PIOVESAN, 2013, p. 304).

Ao lado desse sistema global de proteção aos Direitos Humanos, estão os sistemas regionais de proteção: o Sistema Europeu de proteção aos Direitos Humanos, o sistema Interamericano, o sistema Africano e Árabe/Islâmico (PIOVESAN, 2014).

Os sistemas possuem seus próprios documentos e procedimentos norteadores. O sistema interamericano tem como principal instrumento a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, que estabelece a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana. O sistema europeu, por sua vez, possui a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, em princípio possuía a Comissão e a Corte Europeia de Direitos Humanos para que fossem recebidas e saneadas as denúncias. Com o Protocolo n. 11 houve a fusão da Comissão com a Corte. O sistema africano apresenta como principal instrumento a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981, com um sistema semelhante ao interamericano, composto pela Comissão e pela Corte (PIOVESAN, 2013).

O Sistema Europeu se deu através de uma convenção celebrada em Roma, no dia 4 de janeiro de 1950. A convenção é o tratado regente do sistema europeu, que entrou em vigor no ano de 1953 após a sua ratificação dada por 10 Estados. A

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Convenção tem por finalidade estabelecer padrões mínimos de proteção – compromissos dos Estados Partes de não adotarem disposições de direito interno contrárias às normas da Convenção (COMPARATO, 2001). Ainda de acordo com o Comparato (2001, p. 268):

a grande contribuição da Convenção Europeia para a proteção da pessoa humana foi, de um lado, a instituição de órgão incumbidos de fiscalizar o respeito aos direitos nela declarados e julgar as suas eventuais violações pelos Estados signatários; de outro, o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito internacional, no que tange à proteção dos direitos humanos.

Havia um órgão intermediário, a Comissão de Direitos Humanos, no qual se fazia uma triagem das denúncias que seriam destinadas à Corte, verificando os fatos e da violação ou não dos direitos humanos. As denúncias contra um Estado-Parte na Convenção podiam ser feitas por qualquer pessoa, organização não governamental ou grupo de indivíduos (COMPARATO, 2001).

Após a inserção do Protocolo n. 11 à Convenção, todos os Estados-Partes deveriam se submeter obrigatoriamente às decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. E também, extinguiu a Comissão Europeia de Direitos Humanos, transferindo grande parte de suas atribuições ao Tribunal, tornando o processo lento, sobrecarregado e sem condições de desemprenha a contento as suas atribuições (COMPARATO, 2001).

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos foi criado no ano de 1969, a partir da aprovação da Convenção Americana de Direitos Humanos na Conferência de São José da Costa Rica. Com um modelo aproximado da Convenção Europeia, “a Convenção reproduz a maior parte das declarações de direitos constantes do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos” (COMPARATO, 2001, p. 364). Nas palavras de Hélio Bicudo (2003, p. 231) a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, enquanto órgão do Sistema Interamericano:

tem como função principal promover a observância, a defesa e a promoção dos Direitos Humanos e servir como órgão consultivo da OEA sobre a matéria. Ela se compõe de sete membros, eleitos a título pessoal, para um mandato de quatro anos, renovável por mais quatro, pela Assembleia Geral da Organização, dentre pessoas de alta autoridade moral, que se tenham destacado na área do conhecimento dos direitos humanos. A Corte é

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composta também por sete membros com as mesmas qualificações, com um mandato de seis anos (renovável por mais seis).

Em relação aos órgãos de fiscalização e julgamento, a Convenção segue o modelo Europeu, conforme Comparato (2001, p. 369) explica:

Com efeito, ela criou, além de uma Comissão encarregada de investigar fatos de violação de suas normas, também um tribunal especial para julgar os litígios daí decorrentes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Cuja jurisdição, no entanto, só é obrigatória para os Estados-Partes que a aceitem expressamente (art. 62, 1º).

Através desse sistema, a Comissão recebe as denúncias, as quais serão encaminhadas ou não para o julgamento da Corte. Assim, a Corte só passa a decidir sobre os casos que lhe são apresentados pela Comissão ou por um Estado-parte (BICUDO, 2013, p. 231).

Diferentemente do Sistema Europeu, a Convenção admite que as denúncias sejam feitas por qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) (COMPARATO, 2001).

A competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos alcança todos os Estados-partes da Convenção Americana, em relação aos direitos humanos nela consagrados. Alcança ainda todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos, em relação aos direitos consagrados na Declaração Americana de 1948. Quanto a sua composição, a Comissão é integrada por sete membros “de alta autoridade moral e reconhecido saber em matéria de direitos humanos”, que podem ser nacionais de qualquer Estado-membro da Organização dos Estados Americanos. Os membros da Comissão são eleitos, a título pessoal, pela Assembleia Geral por um período de quatro anos, podendo ser reeleitos apenas uma vez. (PIOVESAN, 2013, p. 345).

A Comissão tem como função principal promover a observância e a proteção dos direitos humanos na América. Para isso, a Comissão faz recomendações aos governos dos Estados-partes, prepara relatórios, solicita ao governo informações relativas às medidas adotadas para a efetiva aplicação da Convenção e submeter um relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (PIOVESAN, 2013).

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É também da competência da Comissão examinar as comunicações, encaminhadas por indivíduo ou grupos de indivíduos, ou ainda entidade não governamental, que contenham denúncia de violação a direito consagrado pela Convenção, por Estado que dela seja parte, nos termos dos arts. 44 e 41. O Estado, ao se tornar parte da Convenção, aceita automática e obrigatoriamente a competência da Comissão para examinar essas comunicações, não sendo necessário elaborar declaração expressa e específica para tal fim. (PIOVESAN, 2013, p. 346).

Quanto à Corte Interamericana, órgão jurisdicional do sistema regional, é composta por sete juízes nacionais de Estados membros da OEA, eleitos a título pessoal pelos Estados partes da Convenção. Possuindo competência consultiva e contenciosa, a Corte pode dar pareceres a qualquer membro da OEA. “No exercício de sua competência consultiva, a Corte Interamericana tem desenvolvido análises aprofundadas a respeito do alcance e do impacto dos dispositivos da Convenção Americana” (PIOVESAN, 2013).

Note-se que a decisão da Corte tem força jurídica vinculante e obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimento. Se a Corte fixar uma compensação à vítima, a decisão valerá como título executivo, em conformidade com os procedimentos internos relativos à execução de sentença desfavorável ao Estado. (PIOVESAN, 2013, p. 354).

Por fim, vale ressaltar que o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos recebe destaque pela sua eficiência, nas palavras de Flávia Piovesan (2013, p. 367-368):

o sistema interamericano tem assumido extraordinária relevância, como especial locus para a proteção de direitos humanos. O sistema interamericano salvou e continua salvando muitas vidas; tem contribuído de forma decisiva para a consolidação do Estado de Direito e das democracias na região; tem combatido a impunidade; e tem assegurado às vítimas o direito à esperança de que a justiça seja feita e os direitos humanos sejam respeitados. [...] O sistema interamericano tem revelado, sobretudo, uma dupla vocação: impedir retrocessos e fomentar avanços no regime de proteção dos direitos humanos, sob a inspiração de uma ordem centrada no valor da absoluta prevalência da dignidade humana.

Assemelhando-se ao Sistema Interamericano, o Sistema Africano também possui dois órgãos, a Comissão e a Corte Africana.

O Sistema Africano de Proteção ao

s Direitos Humanos foi criado através da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, no ano de 1981, em Nairóbi, no Quênia. Ela afirma que os

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povos são também titulares de direitos humanos, tanto regional quanto internacionalmente (COMPARATO, 2001, p. 393).

A proteção dos direitos do homem no continente africano decorre de circunstâncias históricas específicas, relacionadas com a descolonização e o direito à autodeterminação dos povos, que dominaram os trabalhos da Organização de Unidade Africana, desde 1963 (data da sua criação) até ao final da década de 70. Com efeito, a questão dos direitos do homem apenas surge formalmente no Preâmbulo da Carta da OUA, nas referências à adesão aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao direito dos povos a disporem do seu próprio destino, bem como a cooperação em matéria de respeito pelos direitos do homem. Tratava-se de uma abordagem “avara” 1 e “tímida” 2, que resultava mais da interpretação dos seus princípios gerais do que da letra do respectivo articulado. (PIRES, 1999).

No ano de 1981, em Nairobi, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos foi aprovada. Possuindo a particularidade de afirmar que os povos são também titulares de direitos humanos, tanto no plano regional quanto internacional (COMPARATO, 2001).

A enunciação dos deveres revela-se também uma das originalidades da Carta de Banjul. A referência aos deveres tinha já surgido num instrumento jurídico não vinculativo – a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 – mas a Carta Africana revela-se o único tratado relativo a direitos do homem que consagra, de forma desenvolvida, a noção de deveres individuais não só em relação ao próximo, mas também em função da comunidade, na linha da tradição africana. (PIRES, 1999).

E por fim, há o Sistema Árabe/Islâmico de proteção aos Direitos Humanos. “Em 1994, as Ligas dos Estados Árabes adotaram a Carta Árabe de Direitos Humanos, que reflete a islâmica lei da Sharia e outras tradições religiosas” (OLIVEIRA, 2012, p. 103).

Embora tenha uma cultura que guarde bastante divergências com o ocidente, há garantia categórica do direito à propriedade em todos os documentos firmados entre os países árabes e islâmicos [...]. A Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos, de 1981, assegura no artigo XV, alínea “c”, que “toda a pessoa tem o direito à propriedade privada ou em associação com outras”. Há, ainda, no artigo XVI a garantia do direito de proteção à propriedade, consequentemente, indisponível. Posteriormente, em 1990, foi adotada a Declaração do Cairo sobre Direitos Humanos no Islã, com garantia do direito à propriedade em seu artigo 15º. (WERMUTH, 2015, p. 186).

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Ainda há o que se aprimorar para que o Sistema Árabe seja mais efetivo, considerando a grande diversidade cultural e a forte influência da religião nos países árabes e islâmicos, alguns direitos são postos em dúvida frente aos textos da legislação vigente nos países. Porém, independente das diferenças existentes entre os povos, discutir sobre elas é um caminho a ser seguido para que encontrem amparo internacional no que tange a proteção dos direitos humanos.

Apresentados os sistemas regionais, percebe-se o quão importante são para que o sistema global tenha eficácia também. Essa divisão contribui para que todos os indivíduos se sintam protegidos, para que todos tenham seus direitos assegurados, mesmo que cada sistema possua suas particularidades, é visto que de um modo geral a única e exclusiva preocupação é com o bem-estar social de seus indivíduos, é para que todos possuam uma vida digna, após tanta luta para que os direitos humanos fossem postos em prática.

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2 O SISTEMA INTERAMERICANO E O CASO FAZENDA BRASIL VERDE

Após fazer uma análise histórica sobre o processo de implementação, discussão, fatos relevantes, documentos importantes referentes ao Direitos Humanos, é cabível uma pesquisa mais aprofundada sobre o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, adotado pelo Brasil.

Também será apresentado o processo de adesão do Brasil nesse sistema, que é de muita importância para que seja assegurada a proteção dos cidadãos brasileiros no âmbito internacional. E como exemplo prático do procedimento adotado pelo sistema, nada mais apropriado que analisar o caso da Fazenda Brasil Verde, no qual o Estado foi réu e que a Corte emitiu sentença em 2016.

2.1 A adesão do Brasil ao Sistema

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, assim como os outros sistemas, tem a função de garantir a proteção dos direitos humanos na esfera internacional. Como já mencionado no capítulo anterior, ele foi idealizado através de uma Convenção elaborada em 1969, a qual possui dois entes que a garantem, a Comissão, que é encarregada de manter o controle dos Estados-parte, aos quais pode endereçar recomendações e a Corte, a quem a Comissão encaminha casos persistentes de violação da Convenção pelos Estados.

Após os anos 70, quando houve o regime ditatorial no Brasil, a política de Direitos Humanos passou a ser melhor desenvolvida no país. Depois de 21 anos vivendo sob grande violência, desrespeito às garantias individuais e dignidade das pessoas que passaram por essa época horrível do país, foi retomada a democracia no Brasil, no ano de 1985. Ainda que tenha passado vários anos após a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela primeira vez o Brasil colocou os Direitos Humanos em sua política nacional (GOMES; MAZZUOLI, [s/d], p. 6).

Que não sejam esquecidas ocasiões como a IX Conferência Internacional Interamericana, de 1948, na qual o Brasil propôs a criação de um órgão judicial internacional que promovesse os direitos humanos no continente; ou

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da ousada tese que esposou, em 1954, na X Conferência Interamericana, em Caracas, em favor do reconhecimento da personalidade jurídica do indivíduo no plano internacional. Porém, nas décadas seguintes, o regime ditatorial então vigente (1964-1985) impingiu um grave retrocesso às posições brasileiras. (VENTURA; CETRA, 2012, p. 1).

O Brasil faz parte da Organização dos Estados Americanos, o qual passou a fazer parte em abril de 1948, tendo ratificado o Pacto em 25 de setembro de 1992, aderindo a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1998. Desse modo, desde setembro de 1992 o Brasil está submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos no tocante à Convenção interamericana, e desde dezembro de 1998 reconhece a jurisdição da Corte (GASPAROTO; GASPAROTO; VIEIRA, 2010, p. 60).

O Brasil, como já se viu, é signatário dos mais importantes tratados internacionais de Direitos Humanos, tanto na esfera da Organização das Nações Unidas (ONU), como na da Organização dos Estados Americanos (OEA), entre os quais estão o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. Todos estes instrumentos foram incorporados sem qualquer reserva por parte do Estado brasileiro. (GOMES; MAZZUOLI, [s/d] p. 7).

O início do processo de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos pelo direito brasileiro foi a ratificação, em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Como se sabe, o Brasil passou pelo período da ditadura, onde os direitos humanos foram esquecidos, semelhante as duas grandes guerras mundiais, porém em escala menor. A partir disso, foi dada sequência a ratificação de inúmeros e importantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos (PIOVESAN, 2012, p. 31).

No que diz respeito ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o Brasil é parte de quase todos os tratados existentes, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), o Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos referente à Abolição da Pena de Morte (1990), a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura

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(1985), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (1994) e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999) (GOMES; MAZZUOLLI, [s/d] apud GOMES; PIOVESAN, 2000).

Quanto a hierarquia existente entre a norma constitucional brasileira e o tratado internacional, já houveram muitas discussões. O art. 5º, § 2º da Constituição Federal dispõe: “ Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por eles adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Desse modo, ” o Supremo Tribunal Federal entende que os tratados internacionais devem ser incorporados ao direito brasileiro como normas ordinárias” (GASPAROTO; GASPAROTO; VIEIRA, 2010 p. 61).

Seguindo o entendimento do princípio da primazia da norma mais favorável, conclui-se que sempre será adotada a norma que for mais favorável ao indivíduo, desse modo, óbvio é que a pessoa humana e sua dignidade deve ser posta em primeiro lugar, independente se for norma de direito nacional ou internacional. Sendo assim, havendo conflito entre normas nacionais e internacionais, o Brasil deveria optar pela mais favorável ao indivíduo (GASPAROTO; GASPAROTO; VIEIRA, 2010, p. 62).

A partir dessa discussão, em dezembro de 2004 foi publicada a Emenda Constitucional nº 45, incluindo no artigo 5º da Constituição o parágrafo 3º, o qual dispõe que: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (BRASIL, Constituição, 1988).

Sendo assim, pode-se afirmar que o Brasil conheceu três momentos de evolução no que diz respeito aos direitos humanos na Comissão, levando em conta ainda a atuação do Brasil na Comissão de Direitos Humanos da ONU: o primeiro foi de 1977, quando o Chanceler Azeredo da Silveira, abordou o tema de maneira

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abrangente, até o ano de 1984; o segundo foi de 1985, quando José Sarney anuncia a adesão do Brasil aos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, até 1990, tendo sido, neste intermédio de tempo, promulgada a Carta de 1988, cujo art. 4.º, II, previu a prevalência dos Direitos Humanos como princípio a reger o Brasil no cenário internacional; e o terceiro vai de 1991, com a efetiva redemocratização, até os dias atuais (GOMES; MAZZUOLI, [s/d], p. 6).

O período de autoritarismo em que se encontrava o Brasil, serviu como impulso para que o país aderisse a importantes tratados internacionais, como símbolo da preocupação acerca da proteção dos direitos humanos, interna e externamente, passando a ratificar os vários tratados. Porém, ainda que o Brasil tenha participado ativamente nos tratados internacionais de direitos humanos, ainda continuaram existindo graves casos contra o Brasil que chegaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, um deles será analisado posteriormente na presente pesquisa.

2.2 A escravidão no Brasil

Como é sabido, o Brasil vem de um longo período de escravidão, que infelizmente, ainda possui resquícios na atualidade e que será parte do estudo do Caso Fazenda Brasil Verde. Neste tópico, será feita uma breve passagem nos principais fatos referentes a escravidão no país, desde os primórdios do descobrimento até a contemporaneidade.

Nesse sentido, conforme Vanise M. Ribeiro e Carla M. J. Anastasia (2015, p.217):

Na base da sociedade colonial, nos três primeiros séculos de colonização, estavam as pessoas escravizadas. Eram essas pessoas que davam conta de todo o trabalho pesado, fosse na lavoura ou na produção do açúcar, fosse nas casas de fazenda ou nas vilas e, posteriormente, cidades. Mesmo depois de extinta a escravidão, na base da pirâmide social brasileira, eram os ex-escravizados e seus descendentes que compunham a maioria da população pobre brasileira.

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A primeira mão de obra escrava utilizada pelos colonizadores foi a dos índios que já habitavam as terras brasileiras. Porém, com o passar do tempo, as razões da opção pelo trabalho escravo africano foram muitas.

A escravização do índio chocou-se com uma série de inconvenientes[...]. Não eram vadios ou preguiçosos. Apenas faziam o necessário para garantir sua subsistência, o que não era difícil em uma época de peixes abundantes, frutas e animais [...]. As noções de trabalho contínuo ou do que hoje chamaríamos de produtividade eram totalmente estranhas a eles. (FAUSTO, 2000, p. 49).

Os indígenas eram capturados por traficantes e vendidos aos senhores de engenho. Para tentar fugir da escravização, os indígenas começaram a ir para o interior ou passaram a viver em aldeias administradas por missionários religiosos (RIBEIRO; ANASTASIA, 2015, p. 218).

A dificuldade em escravizar os índios se tornou muito maior pelo fato de, ao contrário dos africanos, os índios estarem em casa, conhecendo o lugar em que se encontravam, facilitando então as fugas, por exemplo. Outro fator que colaborou para a sua resistência à escravidão, se deu pelos padres jesuítas os catequizarem, ensinando-lhes a forma “europeia” de trabalho e os tornando um pouco civilizados, ainda que nem os padres acreditassem que os índios fossem humanos, mas sim cães, eles os defenderam perante os colonos que queriam a sua mão de obra, surgindo então inúmeros atritos entre colonos e padres. E ainda, após o contato com os brancos, uma grande catástrofe demográfica que ocorreu entre os anos de 1562 e 1563, fez com que milhares de índios morressem em consequência de contrair doenças como sarampo, varíola, gripe, as quais não possuíam defesa biológica (FAUSTO, 2000).

A partir da década de 1570 incentivou-se a importação de africanos, e a Coroa começou a tomar medidas através de várias leis “para tentar impedir o morticínio e a escravização desenfreada dos índios”. No século XV, os portugueses haviam começado o tráfico de africanos. Nas últimas décadas do século XVI, não só o comércio negreiro estava razoavelmente montado como vinha demonstrando sua lucratividade. Os africanos tinham uma capacidade produtiva muito superior à dos índios (FAUSTO, 2000).

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O historiador americano Stuart Schwatz calcula que, durante a primeira metade do século XVII, nos anos de apogeu da economia do açúcar, o custo de aquisição de um escravo negro era amortizado entre treze dezesseis meses de trabalho e, mesmo depois de uma forte alta nos preços de compra de cativos após 1700, um escravo se pagava em trinta meses. (FAUSTO, 2000, p. 51).

Estima-se que entre os anos de 1550 e 1855 entraram nos portos brasileiros cerca de 4 milhões de escravos, na maioria eram jovens e homens. Os negros que traziam para o Brasil eram de muitas tribos ou reinos, “por exemplo: os iorubas, jejes, tapas, hauçás, entre os sudaneses; e os angolas, bengalas, monjolos, moçambiques, entre os bantos. ” Salvador e Rio de Janeiro foram os principais centros importadores de escravos (FAUSTO, 2000).

Porém, não é pelo fato de a escravização dos índios ter sido menos acessível que a dos negros tenha sido fácil. Houveram inúmeras fugas individuais e em massa, agressões contra senhores entre outras formas de resistência. Os negros que escapavam, passaram a formar os conhecidos Quilombos, que era o lugar onde se instalava, e recompunham sua organização social semelhante à sua sociedade de origem. Apesar de todas as resistências, não foram suficientes para desestabilizar o trabalho compulsório. Os escravos viram-se obrigados a “adaptar-se”, por bem ou por mal, à escravidão. Ressaltando ainda, que diferentemente dos índios, nem a Igreja se opôs ao trabalho escravo negro (FAUSTO, 2000).

Quando um escravizado era capturado após uma tentativa de fuga, recebia açoites no tronco (de 50 a 100 chibatadas), e era condenado a usar uma corrente de ferro no pescoço (gargalheira) para impedir novas fugas. Em casos de assassinato ou outro tipo de agressão aos feitores, senhores e seus parentes, o escravizado responsável recebia a pena de morte por enforcamento. (RIBEIRO; ANASTASIA, 2015, p. 222).

O negro era considerado bicho, uma “coisa” sem inteligência, somente pelo tamanho de seu crânio ou estatura corporal. Não possuíam direito algum, não eram dignos de nada, nem alimentação decente, quem dirá moradia.

A escravidão sempre teve relação com a violência, uma vez que se os escravos não seguiam as regras dos senhores, eram castigados. Durante o período

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colonial, castigar fisicamente o escravizado era visto como um direito dos senhores, possuindo apoio estatal e religioso para o feito. Somente se recomendava que os castigos não causassem a perda do escravizado, uma vez que ele era visto como patrimônio (RIBEIRO; ANASTASIA, 2015).

Em meados de 1773, foi criada uma carta-lei, a qual acabou com a distinção entre cristãos novos e antigos. Antes disso, havia o princípio de pureza de sangue, que distinguia e excluía determinadas categorias sociais. “Impuros eram os cristãos-novos, os negros, mesmo quando livres, os índios em certa medida e as várias espécies de mestiços. Eles não podiam ocupar cargos de governo, receber títulos de nobreza, participar de irmandades de prestígio etc.” (FAUSTO, 2000, p. 65). Porém, é óbvio, que por mais que tenha sido acabada com a distinção social, o preconceito ainda prevaleceria por muito tempo.

A condição de livre ou de escravo estava muito ligada à etnia e à cor, pois escravos eram, em primeiro lugar negros, depois, índios e mestiços. Toda uma nomenclatura se aplicava aos mestiços, distinguindo-se os mulatos, os mamelucos, curibocas ou caboclos, nascidos da união entre branco e índio; os cafuzos, resultantes da união entre negro e índio. (FAUSTO, p.65, 2000).

Havia distinção entre a escravidão indígena e negra. Desde o início da colonização até o fim da escravidão, houveram índios cativos e os chamados administrados, que eram os índios capturados e postos sob tutela dos colonizadores. Como dito antes, os índios possuíam um tipo de proteção da Igreja, desse modo, a Coroa chegou até a criar uma política menos discriminatória. Um alvará, criado em 1755 que estimulava casamentos mistos entre índios e brancos. Diferentemente de casamentos entre índios e negros, como exemplo, o ocorrido com um índio que era capitão-mor e o vice-rei do Brasil mandou dar baixa em seu posto por ter casado com uma negra, porque “se mostrara de tão baixos sentimentos que casou com uma preta, manchando seu sangue com esta aliança tornando-se assim indigno de exercer o referido posto” (FAUSTO, 2000, p. 68).

As relações escravistas envolviam também terceiros, não sendo apenas entre senhor e escravo. Havia cativos alugados para prestação de serviços nos centros urbanos, erma os “escravos de ganho”. “Os senhores permitiam que os escravos fizessem seu ganho”, prestando serviços ou vendendo mercadorias e cobravam

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deles, em troca, uma quantia fixa paga por dia ou por semana”. Desse modo, vê-se que entre os escravos existia distinções, algumas se referiam ao trabalho que exerciam, à nacionalidade, ao tempo de permanência no país ou à cor da pele (FAUSTO, 2000).

A escravidão foi uma instituição nacional. Penetrou toda a sociedade, condicionando se modo de agir e de pensar. O desejo de ser dono de escravos, o esforço para obtê-los ia da classe dominante ao modesto artesão branco das cidades. Houve senhores de engenho e proprietários de minas com centenas de escravos, pequenos lavradores com dois ou três, lares domésticos, nas cidades, com apenas um escravo. O preconceito conta o negro ultrapassou o fim da escravidão e chegou modificado a nossos dias. Até pelo menos a introdução em massa de trabalhadores europeus no centro-sul do Brasil, o trabalho manual foi socialmente desprezado como “coisa de negro”. (FAUSTO, 2000, p. 69).

No ano de 1826, implantou no Brasil um tratado que, após três anos da sua ratificação, o tráfico de escravos para o Brasil, de qualquer proveniência, seria declarado ilegal. E assim, em 1831 uma lei tentou pôr em andamento, prevendo punições severas a quem praticasse o tráfico e que todos os cativos que entrassem no Brasil após a data da ratificação, seriam declarados livres. A lei foi aprovada pois havia diminuído o fluxo de escravos, porém, um tempo depois, o fluxo aumentos e com ele o tráfico, desse modo, a lei praticamente não foi aplicada. Os júris absolviam quem praticava o delito, e a lei passou a ser vista como uma lei “para inglês ver”, indicando uma atitude que é mera aparência e não para valer (FAUSTO, 2000).

Em setembro de 1848, partiu do Ministério da Justiça um projeto de lei, retomando e reforçando as medidas da lei de 1831. O projeto tornou-se lei em setembro de 1850 e dessa vez funcionou, diminuindo de 54 mil cativos que entravam no país em 1849, para 3.300 no ano de 1851, praticamente desaparecendo o tráfico negreiro. Iniciava então, o processo do fim da escravidão (FAUSTO, 2000).

A escravatura se encaminhava por etapas até o final, em 1888. Uma das principais leis antes da abolição da escravatura foi a Lei do Ventre Livre, em 1871, que declarava livres os filhos de mulher escrava nascidos após a lei, os quais ficariam em poder dos senhores de suas mães até a idade de oito anos. A partir

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dessa idade, os senhores optavam entre receber do Estado uma indenização ou utilizar os serviços do menor até completar 21 anos (FAUSTO, 2000).

Essa lei produziu poucos efeitos, pois os senhores não entregavam os meninos maiores de 21 anos, porém, a partir do ano de 1880 o movimento abolicionista ganhou força através de associações, jornais e com o avanço da propaganda, ajudando na eficácia dessa lei. Ainda em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários, que “concedia liberdade aos cativos maiores de sessenta anos e estabelecia normas para a libertação gradual de todos os escravos, mediante indenização. A lei foi pensada como forma de se deter o abolicionismo radical e não alcançou seu objetivo ” (FAUSTO, 2000, p. 219).

E então, após tantos altos e baixos, sofrimento, desigualdade, total descaso com os escravos, enfim, a “abolição sem restrições, [...], foi aprovada por grande maioria parlamentar, sancionada em 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel, que se encontrava na regência do trono” (FAUSTO, 2000, p. 220).

Apesar da abolição legal, a pobreza e a concentração da propriedade das terras foram causas estruturais que provocaram a continuidade do trabalho escravo no Brasil. Por não terem propriedade nem condições de adquirir uma, em meio a falta de opção de emprego, muitos viam-se obrigados ao trabalho forçado, sem que pudessem ter uma vida digna. Durante as décadas de 1960 e 1970, o trabalho escravo no Brasil aumentou devido à expansão de técnicas mais modernas de trabalho rural, que se fazia necessário um maior número de trabalhadores (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 27).

No século XX, “intensificou-se a industrialização na região amazônica, e o fenômeno de posse ilegal e adjudicação descontrolada de terras públicas foi favorecido, propiciando com isso a consolidação de práticas de trabalho escravo em fazendas de empresas privadas ou empresas familiares possuidoras de amplas extensões de terra. ” Nesse meio, o Estado perdeu o controle sobre a fiscalização desse tipo de trabalho no norte do Brasil e ainda, algumas autoridades regionais aliaram-se aos fazendeiros. “No ano de 1995, o Estado começou a reconhecer oficialmente a existência de trabalho escravo no Brasil. Segundo a OIT, em 2010

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existiam no mundo 12.3 milhões de pessoas submetidas a trabalho forçado, 25.000 das quais estariam no Brasil” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 27).

Sendo assim, é possível verificar que em pleno século XXI ainda se depara com a escravidão, apesar de ocorrer toda a modernização que ocorreu entre o início da escravidão no Brasil e os dias atuais, apesar do trabalho escravo contemporâneo ser diferente do antigo, descrito anteriormente, fere da mesma forma os direitos humanos daqueles que são submetidos a ele.

Segundo o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 149, trabalho em condição análoga ao de escravo se caracteriza por “reduzir alguém, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto” (BRASIL, Código Penal Brasileiro, 1940).

A característica mais marcante da escravização contemporânea no Brasil é que as pessoas exploradas são pobres e em sua maioria negras. “O Brasil escraviza o seu próprio povo, por meio da exclusão social estruturalmente integrada à cultura nacional”. A partir do momento em que o tráfico internacional de pessoas foi proibido, o tráfico interno se intensificou, sendo uma forma mais lucrativa para os proprietários de fazenda, que conseguem mão-de-obra submetendo seus “peões” a condições miseráveis (JESUS, 2005, p. 65).

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, organização pioneira em apontar para a existência do trabalho escravo no Brasil, em 1984 foi confirmada a primeira grande denúncia de trabalho escravo, no sul do Pará (JESUS, 2005).

Relendo a sua própria experiência de vida no combate ao trabalho escravo, enquanto participante da Comissão Pastoral da Terra, Figueira (2004) reforça a existência do caráter migratório, sócio-econômico e de gênero do fluxo de trabalhadores escravizados (segundo o autor, 96,3% dos escravizados são homens), ou seja, pessoas são aliciadas pelos “gatos”, intermediários nesse tráfico de seres humanos, para se deslocarem de suas precárias condições de vida por uma falsa impressão de melhorias nas condições econômicas. (JESUS, 2005, p. 66 apud FIGUEIRA, 2004).

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Os casos de trabalho escravo no Brasil, em sua maioria, se baseiam em servidão por dívida, “na qual os fazendeiros atribuem aos trabalhadores gastos indevidos relacionados a transporte, alimentação e uso dos equipamentos de trabalho, para que os mesmos fiquem presos à atividade para a qual foram contratados, impossibilitados de cobrir a suposta dívida”, submetendo-os a condições completamente indignas, tendo até que caçar a própria comida para que possam se alimentar (JESUS, 2005).

Os escravocratas são latifundiários, atuando na condução da sociedade brasileira como políticos e empresários, que empregam intermediários, denominados “gatos”, para aliciar trabalhadores pouco instruídos e sem proteção de qualquer rede social, obtendo grandes lucros com a exploração do trabalho alheio. Os gatos têm como uma de suas principais atribuições manter a ordem no local de trabalho, especialmente por meio de ameaças, agressões e, em alguns casos, assassinato, portanto, sempre portam e exibem aos 73 trabalhadores suas armas, às vezes de grosso calibre, com as quais podem matá-los a qualquer momento, ao seu alvedrio. (JESUS, 2005, p. 72-73).

A partir de 1995 o Brasil passou a reconhecer a existência do trabalho escravo no Brasil, então promulgou o Decreto número 1.538, através do qual criou o Grupo Interministerial para Erradicar o Trabalho Forçado (GERTRAF), composto por diversos ministérios e coordenado pelo Ministério do Trabalho, com a participação de várias entidades, instituições e da própria Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além disso, foi criado o “Grupo Especial de Fiscalização Móvel”, com atribuições para atuar em zonas rurais e investigar denúncias de trabalho escravo expropriadas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 30).

Em 2002 promulgou a Lei número 10608/2002, relativa ao seguro desemprego de trabalhadores resgatados sob o regime de trabalho forçado ou condição análoga à de escravo. Nos anos seguintes, o Estado promulgou leis que garantissem a proteção de pessoas submetidas ao trabalho escravo, maior fiscalização no território nacional, tudo em prol do combate a escravidão no país. Em 5 de junho de 2014, aprovou a Emenda Constitucional número 81, que em seu artigo 243 determinou que as propriedades urbanas e rurais de qualquer região do país

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