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Neste fragmento, estão em jogo três posicionamentos: dois contrários e um favorável ao sistema de cotas raciais. O primeiro posicionamento é endereçado a um outro genérico. Em seguida, aparece uma resposta direta a estas afirmações, que constrói uma argumentação favorável ao sistema de cotas através de uma crítica aos argumentos empregados para sustentar a posição contrária. O último comentário retoma os argumentos do primeiro, retirando parte de sua potência destes argumentos. Em seguida reforça a posição contrária através da desqualificação da pessoa do interlocutor em defesa das cotas através de uma crítica às suas posições políticas e ao governo do país, alinhado com esta ideologia. Este seria um governo mal intencionado e ignorante, que poderia, certamente, ter comprado a decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como já fez no episódio que ficou conhecido como “mensalão”.

No primeiro comentário, a unanimidade da decisão do Supremo Tribunal Federal em aprovar um sistema de cotas "RACIAIS" (em caixa alta), é caracterizada como uma brincadeira de mau gosto para com "todos os brasileiros bem intencionados.". O problema fundamental é a legitimação dos critérios raciais ao invés dos critérios sociais. Aquilo que chamou de "lógica racial" é construído aqui como algo que teria um efeito excludente e estigmatizante para os "afrodescendentes" que não concordam com o sistema de cotas raciais, incentivando-os à voltar para a África, tal como, supostamente, já se fala dos "imigrantes árabes e seus descendentes e compatriotas da mesma religião".

Caracteriza a categoria raça como instrumento ineficaz na definição de quem é rico e quem é pobre, não servindo então como uma medida de promoção de justiça social. Esta categoria só tem sentido nos "livros de história", já que há exemplos suficientes de pessoas negras que tiveram sucesso na vida, "vide os jogadores de futebol". Este seria um exemplo concreto de que a sociedade brasileira não é racista. Do lugar de onde se coloca para construir sua posição contrária, TwitterSushi Kawaii não vê a necessidade de um sistema que beneficie as pessoas negras, já que elas não estão em condições piores do que as pessoas brancas, não

reconhecendo nas características da sociedade brasileira os elementos, nem mesmo o lugar, que Supremo Federal Tribunal toma como base para sua decisão.

TerraMilton Fernandes contra-argumenta o comentário de TwitterSushi Kawaii. Começa chamando-o de Sashimi Kawazaki, uma forma de atacá-lo descaracterizando sua auto-denominação, além de reproduzir a discriminação racial contra não-brancos, não- europeus. Questiona-o sobre a afirmação de que unanimidade da decisão do Supremo Tribunal Federal seria "uma piada de mal gosto para os Brasileiros Bem Intencionados", destacando com iniciais maiúsculas a caraterização das pessoas contrárias às cotas raciais mas favoráveis em relação a criação de estratégias de cunho social, que visem uma sociedade menos desigual economicamente. Pergunta então, em seguida, se a consequência direta de seus argumentos é a consideração das pessoas que aprovaram o sistema de cotas raciais por 10x0 como mal intencionadas. Responde com uma crítica, já feita em outros comentários, sobre a constância de posições contrárias ao sistema de cotas raciais que se colocam em defesa de cotas sociais (baseadas em critérios sócio-econômicos), utilizando o argumento de que os brancos pobres estariam sendo prejudicados e os negros favorecidos. Para ele, estas posições não estão preocupadas com os que supostamente estariam sendo discriminados pelo sistema de cotas raciais ou com os beneficiários de um sistema de cotas sociais. Estão voltadas para a defesa do status quo racista da sociedade brasileira, daqueles que gozam de privilégios, no caso, no acesso às universidades públicas. Estariam ocupadas com a crítica ao sistema de cotas como uma forma de enfraquecer sua legitimidade e diminuir a ameaça que ele representa aos privilégios historicamente construídos.

Para TerraMilton Fernandes, estas posições contrárias refletem o receio da classe média e da elite em ver seus investimentos na escolarização de seus filhos e filhas em instituições particulares ameaçados, tornando mais difícil a manutenção de seus privilégios. Afirma que não há boa intenção nas pessoas que são contrárias ao sistema de cotas raciais, visto que elas estão preocupadas apenas com seus próprios privilégios, sem apresentar argumentos de fato consistentes para sustentar suas críticas ao sistema de cotas raciais. São contra o sistema de cotas raciais porque querem as vagas das universidades apenas para si mesmas, seus filhos e filhas. As pessoas contrárias as cotas são denominadas "CapEtalistas", e são as mesmas pessoas que defendem as privatizações, uma das características da política econômica dos partidos que governaram o país logo após a redemocratização. Já que apostam nas privatizações como um modo de regulação da qualidade da educação através da livre

concorrência, que ocupem então as universidades privadas. Termina defendendo que a universidade pública deveria ser voltada totalmente para "os Mais Necessitados".

Logo abaixo, TerraMilton Fernandes reproduz o texto de seu comentário anterior, acrescentando um adendo. Neste adendo, ele resgata textualmente o enunciado “Pela lógica racial, vc é q é 'afrodescendente' se ñ gosta de nossas políticas, volte para a África (igualzinho o q falamos dos imigrantes árabes e seus descendentes e compatriotas de mesma religião)”, para lhe dar uma resposta. Antecedido de um "RESPONDO:", sugere para TwitterSushi Kawaii que, tal como o 'afrodescendente' insatisfeito que ele constrói, que deixe, ele, o país, em direção à qualquer lugar, "ou mesmo para o Japão", já que, como ele mesmo sugeriu, essa é a alternativa para os insatisfeitos.

No comentário seguinte, TwitterSushi Kawaii busca justificar logicamente sua posição contrária ao sistema de cotas raciais através do recurso ao repertório interpretativo que concebe o sistema de cotas como um sistema ineficaz para combater as desigualdades já que estas são resultados das questões sócio-econômicas. Afirma que se as cotas fossem sociais, e seu pai soubesse disso, não teria feito com que ele estudasse em escolas particulares, para que pudesse ser beneficiado por este sistema. Porém, estas expectativas foram frustradas, porque esta medida de combate às desigualdades sociais possui uma "brecha": a de ser baseada em critérios raciais, e a de ser uma medida de curta duração. Logo em seguida, estabelece uma comparação entre leis penais e seus "buracos (propositais) em favor dos bandidos".

Após ter demonstrado os argumentos de sua posição contrária às cotas "RACIAIS", mas favorável às cotas sociais, constrói discursivamente o sistema de cotas raciais como um sistema que, além de possuir "brechas", expressaria uma contradição do país pelo uso da expressão "raça". Ao aceitar o critério racial, estaria "passando a mensagem errada", "criando situações estranhas" tal como o tribunal racial mencionado pelo ministro Gilmar Mendes em um trecho de seu voto, transcrito no texto da notícia que gerou estes comentários. Esta imagem é evocada para logo em seguida ser apresentado seu resultado negativo, em que numa destas avaliações, gêmeos univitelinos tiveram classificações raciais diferentes atribuídas pelas "bancadas". Além dos problemas na classificação racial dos candidatos, uma última ressalva é feita em relação ao fato de que as pessoas negras com melhores condições sócio- econômicas poderiam também se beneficiar do sistema de cotas raciais, mesmo que não sejam o "público-alvo".

que, de fato, "todos querem entrar numa universidade pública", já que "nem todo mundo que é 'rico' tem como pagar um curso de medicina", e concluí mostrando que, no final das contas, é classe média que, mais uma vez, sofre as consequências dos erros do país.

O último comentário, de FacebookIgi Ros, é uma resposta para TerraMilton Fernandes através do diálogo com TwitterSushi Kawaii. Todo o texto está escrito em caixa alta. Sugere que TwitterSushi Kamaii não dê valor ao que diz TerraMilton Fernandes. Referindo-se aos outros comentários e as situações que suas posições geraram em outros momentos das interações coletadas neste estudo de caso, caracteriza TerraMilton Fernandes como uma pessoa "pedante, arrogante", prepotente, que quer se impor sobre os outros por se achar melhor que eles, o "THE BEST". Gargalha desta situação e, ridicularizando esta figura que construiu, retoma a caracterização de mal intencionados utilizada no primeiro comentário deste fragmento. Voltando-a sobre ele, sugere que talvez ele seja de fato o mal intencionado. A caracterização de "mal intencionado" parte da posição política adotada por TerraMilton Fernandes em comentários anteriores, uma posição de esquerda. TerraMilton Fernandes é "mal intencionado" tal como todas as pessoas de esquerda, petistas, como os ignorantes em relação ao tipo de igualdade definida na constituição brasileira. Sugere que os dez ministros não foram necessariamente mal intencionados, mas sim comprados pelo governo petista, este sim mal intencionado, para decidir em favor do sistema de cotas raciais, uma medida mal intencionada. Esta última afirmação faz menção implícita ao caso da AP nº470, o episódio que ficou conhecido como “mensalão”, como uma estratégia de deslegitimação do sistema de cotas raciais, caracterizado no contexto deste fragmento como uma “piada de mau gosto”, uma medida “mal intencionada”, responsável por mandar a “mensagem errada” ao povo brasileiro.

Como forma de fortalecer os argumentos empregados por TwitterSushi Kawaii em sua resposta à contra-argumentação feita por TerraMilton Fernandes, FacebookIgi Ros ataca a figura de TerraMilton Fernandes, desqualificando-o como uma pessoa preponte, através da associação do rótulo de mau intencionado às pessoas que compartilham da posição política com a qual ele se identifica, definindo-as como "VERMELHOS ESQUERDOPATAS PTISTAS", mas também como pessoas que desconhecem o preceito constitucional de que seriamos todos iguais perante a lei. Ataca a legitimidade da decisão do Supremo Tribunal Federal sugerindo que a unanimidade dos ministros em torno da matéria possa ter sido comprada pelo governo do Partido dos Trabalhadores, fazendo uma menção implícita ao

episódio conhecido como "mensalão".