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ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES PRODUZIDAS

Ainda assim, o material produzido pelos registros das entrevistas foi tratado pela técnica de análise de conteúdo, sendo utilizadas as informações resultantes da observação direta e do diário de campo como complemento da análise. Esta análise permite tornar replicáveis e válidas as inferências sobre dados de um determinado contexto, levando em consideração para testificar o rigor científico: o trabalho com amostras reunidas de maneira sistemática, a validade dos procedimentos de coleta e dos resultados, o trabalho com codificadores que permitam verificação de fidelidade, a ênfase na análise da frequência como critério de objetividade e cientificidade, e a possibilidade de medir a produtividade da análise.19:303-6

A análise de conteúdo enriquece a tentativa exploratória, aumenta a propensão para descoberta servindo de prova para determinadas hipóteses ou pressupostos. Não se trata de um instrumento, mas de um “conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens”.27:44 Porém a sua utilização exigiu o cumprimento das seguintes regras:

Homogêneas: poder-se-ia dizer que não se mistura alhos com bugalhos; exaustivas: esgotar a totalidade do texto; exclusivas: um mesmo elemento do conteúdo não pode ser classificado aleatoriamente em duas categorias diferentes; objetivas: codificadores diferentes devem chegar a resultados iguais; adequadas ou pertinentes: isto é, adaptadas ao conteúdo e ao objetivo.27:38

A análise de conteúdo parte primeiramente da leitura das falas, depoimentos e documentos, aprofundando continuamente a leitura do material coletado buscando cada vez mais ultrapassar os sentidos manifestos. Mas como existem várias modalidades de análise de conteúdo, para esta pesquisa a modalidade utilizada mais adequada ao objeto de estudo foi a

análise temática, a análise dos significados.19, 27

Face à adoção dessa forma de análise neste trabalho, torna-se fundamental o entendimento de como se dá essa modalidade de análise. Minayo refere que o tema está ligado a uma afirmação a respeito de determinado assunto e que essa modalidade de análise comporta um conjunto de relações que podem ser graficamente apresentadas através de uma palavra, uma frase ou um resumo.19 O tema torna-se, então, a unidade de significação que se

liberta de um texto analisado.27 Fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que estão presentes na comunicação.

Para a operacionalização desse método, três etapas foram seguidas. A primeira delas foi a pré-análise, em que ocorreu o preparo do material, sendo editadas integralmente todas as entrevistas filmadas, incluindo hesitações, risos, choros, silêncios e estímulos do entrevistador deixando na margem da folha um espaço para possíveis anotações. Em seguida, foi realizada uma leitura flutuante. Nesse momento, deixamos nos impregnar intensamente pelo conteúdo descrito. Mas, não basta ler para compreender normalmente, é necessário usar como auxílio perguntas do tipo:

O que está esta pessoa a dizer realmente? Como é isso dito? Que poderia ela ter dito diferente? O que não diz ela? Que diz sem o dizer? Como é que as palavras, as frases e as sequencias se encadeiam entre si? Qual é a lógica discursiva do conjunto? Será que posso resumir a temática de base e a lógica interna da entrevista? [...] esta pessoa manifesta em tal sítio tal tema, onde é que já o vi noutra entrevista? Ou que outra pessoa encontrei num contexto equivalente? Será que posso nomear a especificidade de uma determinada entrevista, dar-lhe um título, por exemplo? 27:94

Após essa leitura flutuante, ainda na fase de pré-análise, foram formuladas e reformuladas hipóteses e objetivos, ou seja, foi “a possibilidade de correção dos rumos interpretativos” da pesquisa.19:317 Nessa fase, determinamos as unidades de registros, as unidades de contexto – entendida como a delimitação do contexto de compreensão da unidade de registro –, os recortes das entrevistas, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos teóricos que orientaram a análise propriamente dita.19, 27

A etapa seguinte foi a fase de exploração do material. Tratamos o material, codificando-o. A codificação corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto após recortados, agregados e enumerados em unidades de registro que permitiram a compreensão do conteúdo. Nesta pesquisa, as unidades de registros foram organizadas em um quadro, no qual essas unidades foram deslocadas para dar uma sequência de surgimento das informações, na tentativa de sistematizá-las, facilitando assim a operação classificatória.

Essa operação teve como objetivo alcançar o núcleo de compreensão do texto, e foi nesse momento que encontramos as categorias, expressões ou palavras significativas nas transcrições das entrevistas. “A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto [...], é um processo de tipo estruturalista e comporta duas etapas: o inventário (isolar os elementos) e a classificação repartir os elementos” para organizá- los.27:145

Partindo de tal premissa, direcionamos a descoberta das categorias a partir da exaustiva leitura do material. Diante da tamanha abrangência da temática identidade, foi necessário a cada sujeito lido consultarmos os objetivos da pesquisa, para não corrermos o risco de nos distanciarmos dos mesmos.

Após essas leituras simultâneas, começamos a perceber que todo o conteúdo embutido no material descrevia sobre quatro pontos que o sujeito do estudo relatava: ora sobre a percepção que possuía de si próprio, ora sobre a percepção que possuía das pessoas ao seu redor, ora sobre a percepção que os outros possuíam sobre ele e ora sobre a percepção que possuía sobre o acompanhamento do serviço CAPS. Sendo assim, na tentativa de aproximar as falas dos sujeitos em coerência ao objetivo do estudo, identificamos quatro categorias apresentadas a seguir:

1. Percepção da MINHA identidade: Como me vejo? 2. Percepção da Identidade do OUTRO: Como os vejo?

3. Percepção do OUTRO sobre MINHA identidade: Como o outro me vê? 4. A identidade CONSTRUÍDA no CAPS: Quais influências sobre mim?

Definidas as categorias, iniciamos a redação do texto. Encontramos, porém, outro obstáculo: a quantidade de informações impossibilitava o trabalho entrelaçando os conteúdos relatados pelos quatro sujeitos, além de percebermos também que estávamos suprimindo algumas informações singulares de cada entrevistado.

Diante dessas considerações, optamos por apresentar os resultados preservando a unicidade das histórias de vida de cada sujeito: Lê, Patrícia, Verônica e Jane. Além disso, à medida que informações eram apresentadas na redação final da dissertação, logo em seguida eram interpretadas sob a luz do referencial teórico de Erving Goffman e complementadas, quando necessário, por outros autores.

Foram acrescentados às informações das entrevistas os registros gerados pela observação direta e pelo diário de campo. Ao término da apresentação e discussão dos resultados, construímos um diálogo síntese entre os conteúdos de maior evidência destacados por cada sujeito tentando articulá-los.

4. REFLEXOS DO ADOECIMENTO MENTAL SOBRE A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo, descreveremos como a identidade dos sujeitos participantes se revela tendo como partida a compreensão breve e inicial de suas histórias de vida, de seus sofrimentos, buscando entender os motivos que podem ter contribuído no processo de adoecimento, ao mesmo tempo em que aprofundamos a temática discutindo quais as percepções adotadas por essas pessoas relativas à sua identidade sob o referencial de Goffman, e que influência um serviço comunitário como o CAPS pode exercer sobre a identidade de pessoas em sofrimento mental.

Cada história de vida é única e nos remete a uma série de interpretações emocionantes. Goffman afirma que a biografia é algo inerente à pessoa, diariamente construída, ou seja, acrescentamos todos os dias informações e fatos vivenciados que passam a fazer parte da história de nossas vidas. Podemos possuir alguns fatos semelhantes à história de outras pessoas, mas nunca o conjunto dos mesmos fatos em pessoas diferentes.

Sendo assim, acompanhamos as emoções demonstradas pelos sujeitos ao relatarem suas histórias, apresentando os resultados e a análise a partir da história de cada sujeito e da compreensão particular dos mesmos, observando que, apesar de algumas situações de vida apresentarem semelhanças nos diferentes sujeitos, jamais essas histórias se revelam como únicas em seu conjunto, ou seja, jamais aparecerão em mais de um sujeito da mesma forma que aconteceu em outro. Vamos começar por Lê.