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Análise Jurídica – Regularização Fundiária

4.1. Constituição Federal

A Constituição de 1988, não é apenas um diploma longo e minucioso. É muito mais do que isso. A extensão e o excesso de previsões de nossa carta maior, possui um sentido jurídico que deve ser ressaltado e enfatizado. Como nos ensinava o prof. Geraldo Ataliba, quanto mais extensa e deta-lhada for a lei fundamental, maior serão as restrições e limitações ao Estado.

O mesmo sentido é acentuado pelo prof. Marco Aurélio Grieco, quando enfatiza que a Constitui-ção de 1988 “deixou de ser uma ConstituiConstitui-ção do Estado para ser uma ConstituiConstitui-ção da Sociedade brasileira”, e esse novo sentido jurídico pode ser extraído e observado da análise dos oito (08) Títulos que formam e fracionam o texto ápice.

A Carta é inaugurada com a indicação dos PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, no qual consta reconhecido, que o Estado brasileiro é constituído sob a forma de ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, ou seja, não apenas como estado de direito, no qual as normas sobrepujam a vontade dos governantes. O plano constitucional abarca uma idéia mais abrangente, na medida em que concebe um Estado, que além de se colocar subalterno às “normas”, também se submete à forma democrática participativa em toda sua extensão.

Ademais, entre os enunciados que compõe o vetor de toda a sociedade, a Constituição impõe, como fundamento maior, o respeito e o resgate aos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, que possui um extenso contexto e uma ilimitada forma de aplicação.

O Título “II”, elenca os direitos e garantias fundamentais, destacando, em um contexto único, os direitos individuais e coletivos.

Somente a partir do Título “III” a Constituição passa a promover a “organização do Estado” propri-amente dito, e subseqüentemente para a “organização dos Poderes”.

Em sua parte final, o texto maior se dedica às regras voltadas à “ordem econômica e financeira” e à estruturação de toda a “ordem social”.

Uma breve leitura do texto e de seus Títulos revela que a Constituição não representa apenas um diploma que ORGANIZA O ESTADO e distribui competências. O texto da Constituição de 1988, além de criar a feição jurídica do Estado, e impor as limitações inerentes e decorrentes do respeito às liberdades individuais, promove a construção de um PRÉ-PROGAMA para o gover-no, que, de certa forma, vincula o administrador público impondo compromissos e obrigações. O contexto “social” que a Constituição detalha, não é formado exclusivamente por meras NOR-MAS PROGRAMÁTICAS despidas de eficácia positiva. Os programas que a carta encerra tra-zem uma certa carga impositiva, que indica que grande parte das “políticas públicas” alinhavadas na Constituição, não representam meros atributos DISCRICIONÁRIOS entregue aos governantes. Representam políticas positivas de adoção impositiva e vinculante para os representantes do Po-der.

Neste sentido o prof. Marco Aurélio Grieco acentua a nova característica das normas programáticas, destacando que este tipo normativo “não é mais vista como singela recomendação ou declaração de

propó-sito, nem se apresenta apenas com eficácia negativa de inibir dispositivos que a contrariem. Neste contexto, a norma programática assume eficácia positiva no sentido de conter preceitos que podem e devem ser aplicados”.

A lembra os ensinamentos de Gomes Canotilho que vislumbra impositividade e vinculação de-corrente das normas programáticas, em especial em face do legislador.

O mestre português informa que as normas programáticas possuem um certo “caráter positivo (um

sentido determinante e vinculante) das normas de princípio e das chamadas normas-objetivo1, e a impositividade

jurídico-constitucional das normas programáticas podem ser vista em três planos distintos : (1) – Vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional); (2) – Vinculação positiva de todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração como diretivas materiais permanentes, em qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição); (3) – vinculação, na qua-lidade de limites materiais negativos, dos poderes públicos, justificando a eventual censura, sob a forma de inconstitucionalidade, em relação aos atos que as contrariam”.

O prof. Marco Aurélio acrescenta que “no Brasil, a eficácia positiva das normas programáticas já era

reconhecida desde a clássica obra de JOSÉ AFONSO DA SILVA que, embora entenda que o princípio da capacidade contributiva na CF/46 (art. 202) teria papel importante apenas no controle de constitucionalidade da lei tributária, expõe que: “O princípio da função social da propriedade, por exemplo, pode ser invocado contra o abuso desse direito, e, em certas circunstâncias, em prol de inquilinos contra o senhorio. Por outro lado, se a educação é direito de todos, embora ainda programaticamente, a regra pode servir de base para sustentar certas atuações subjetivas do educando.”Vale dizer, normas programáticas são instrumento de controle do abuso de direito e, acrescento eu, da fraude à lei e demais patologias dos negócios jurídicos, pois estas negam a eficácia de tais regramentos constitucionais.(obs. O texto foi a mim repassado pelo autor, extraído de sua obra que versa sobre a “solidariedade”)

A política de organização ou reorganização das cidades se insere neste contexto, pois os governantes podem optar pela forma como deverão estruturar as ações, mas não poderão deixar de realizar e efetivar medidas neste sentido, visando e efetivando a Regularização Fundiária, pois esta, rigoro-samente, não representa apenas uma “política de governo”, pois se encontra estruturada como direito fundamental individual e coletivo, que pode ser EXIGIDO pelo cidadão que eventual-mente se considerar desassistido.

Os primeiros alicerces jurídicos da REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA se encontram destacados no bojo dos “princípios fundamentais”.

O expresso compromisso da nação com a adoção de políticas voltadas à “erradicação da pobreza, da marginalidade, com a redução das desigualdades sociais” (art. 3°, III); com a edificação de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I); e com o compromisso de promover o bem de todos, garantindo o desenvolvimento nacional (art. 3°, IV e II), sinaliza para a importância da reorgani-zação das cidades, através da conquista do indispensável equilíbrio de forças, com respeito a todos e em especial às classes mais carentes e desprotegidas.

Toda e qualquer medida política/administrativa, e toda e qualquer norma infraconstitucional deve dedicar respeito aos vetores PROGRAMÁTICOS, que igualmente influenciam e invadem as interpretações jurídicas. O sistema jurídico nacional, portanto, se encontra impregnado por este ideário programático, que submete os governantes.

As METAS PROGRAMÁTICAS que enfatizam a necessidade de reorganização das cidades, direcionados à superação de problemas ligados às ocupações irregulares e voltadas à conquista de qualidade de vida para a população, se impõe como pré-programas de estado.

1 Para um estudo sobre a importância dos princípios constitucionais na aplicação do Direito, seu caráter positivo e negativo, vide J.J.GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente e vinculação do legislador, Coimbra Editora, 1994, págs.266 e segs.

No capítulo voltado aos direitos e garantias fundamentais, a Constituição em seu artigo 5°, arrola todos os DIREITOS INDIVIDUAIS concomitantemente com os interesses e direitos COLETI-VOS, patenteando a formação intervencionista do Estado brasileiro. De forma que, quando con-sagra os direitos individuais, a Carta Maior exige que o Estado respeite e se curve às LIBERDA-DES dos cidadãos, mas exige, quanto disciplina os direitos COLETIVOS, que essas liberdades, em atenção aos padrões limites previstos, cedam aos desígnios e aos interesses maiores.

O inciso XXII consagra o “direito à propriedade privada”, como direito fundamental de ordem individual, mas o vincula, ao respeito e ao cumprimento de sua “função social”. Esta é a mescla mágica do Estado contemporâneo criado para promover ajustes necessários para o nivelamento social, voltado a promover o reequilíbrio de forças originalmente desequilibradas.

Estas disposições constantes do art. 5°, são completadas pelo art. 182 a 183, que contempla a chamada “política urbana”, que tem por objetivo declarado, ordenar o pleno desenvolvimento das funções sócias da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

Essa política deverá se orientar por diretrizes lançadas pela legislação federal, e será implantada pelo Plano Diretor, que é o diploma apto a dar cumprimento direto a essa política. Será portanto a lei local que dará o sentido prático para a ordenação da cidade, conferindo o conteúdo jurídico da função social da propriedade, desenhando o interesse coletivo, mormente em face de áreas não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas.

O art. 183 prevê a usucapião especial a nível singular, contemplando as ocupações e posses como moradia familiar ou individual, de área urbana inferiores a 250 metros quadrados, como uma das formas necessárias e úteis para a reorganização das cidades.

QUAL A EFICÁCIA DESTAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS QUE DISCIPLINAM A PROPRIEDADE?

Trata-se de uma questão interessante e fundamental.

Como vimos, a Carta Constitucional não é apenas um texto prolixo, recheado de detalhes. A grande extensão do texto constitucional tem um sentido e um efeito jurídico.

O legislador constituinte, cumprindo nossa tradição constitucionalista, concebeu um texto minu-cioso e rico em detalhes e previsões. Quis o constituinte retirar do Administrador Público uma grande parcela de sua liberdade de gestão, estabelecendo padrões e programas pré-ordenados, que não podem ser ignorados ou simplesmente desconsiderados. Para tanto, qualificou certas políticas como “direitos individuais”, que podem ser exigidas judicialmente frente ao Poder Público inerte. O saudoso professor Geraldo Ataliba, em suas colocações contundentes, sempre destacava que quanto mais extenso se mostrar um diploma constitucional, mais limitado estará o Administrador Público.

O art. 182, em observância à classificação concebida pelo professor José Afonso da Silva em sua obra sobre a “aplicabilidade das normas constitucionais”, é norma de “eficácia contida”, pois depen-dente da edição de norma integradora, na medida em que exige a edição da lei FEDERAL e a edição de lei MUNICIPAL para que a política urbana seja implementada. Já o artigo 183, de sua parte, representa norma de aplicabilidade imediata e direta, que independe da edição de legislação integradora.

A POLÍTICA URBANA com a edição das leis regulamentadoras (art. 182), conquista, em sua plenitude, eficácia positiva e completa, e passa a vincular o ADMINISTRADOR PÚBLICO, que não pode se eximir ou simplesmente omitir. Deve implementar e adotar políticas públicas de ordenação das cidades, sob pena de responder por suas omissões.

A legislação integradora, por seu turno, continua a receber o influxo interpretativo de todo o contexto constitucional, mormente no que diz respeito aos princípios enunciados em seu art. 3°, título primeiro. Os princípios não são vetores voltados exclusivamente ao legislador infraconstitucional, mas representam indicações muito significativas, pois sempre irão vincular toda a interpretação e aplicação da legislação fundamentada na Constituição Federal, e a sua observância se mostra de rigor para o perfeito funcionamento do sistema normativo.

Como acentua o prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, descumprir um PRINCÍPIO é muito mais grave do que o descumprir uma REGRA.

4.2. Estatuto da Cidade

A Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada de estatuto da cidade, com direta referência aos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, veio fixar as diretrizes para organização e estruturação das cidades, disponibilizando instrumentos jurídicos necessários para tal intento.

A regularização fundiária foi acentuada em seu texto:

Art. 1º. – Na execução da política urbana de que tratam os artigos 182 e 183 da CF, será aplicado o previsto nesta Lei.

§1º. – Para todos os efeitos, esta lei, denominada ESTATUTO DA CIDADE, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Art. 2º. – A política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes:

...

XIV. – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda medi-ante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

O lúcido diploma Federal, cumpre a função de NORMA GERAL, ao estabelecer as diretrizes e as bases gerais sobre a regularização fundiária.

Cumpre enfatizar que embora a Constituição Federal, ao menos em seu texto original, seja um primor terminológico, pois o constituinte originário se preocupou muito em bem costurar o texto, empregando sempre os mesmos termos quando representativos da mesma idéia (como ocorre com a “função social”). No entanto o legislador não se mostro infenso a certos deslizes e escorregões, como no caso das normas sobre diretrizes e normas gerais. Ao que parece a Constituição indica estes dois termos (diretrizes e normas gerais) para indicar uma só realidade jurídica.

Neste sentido se pronunciou a professora Odete Medauar:

“A constituição federal atribui à União ora competência para legislar sobre normas gerais, ora competência para

legislar sobre diretrizes ou para instituí-las, mostra-se cabível, mostra-se cabível indagar quanto à equivalência do teor dos respectivos textos que as expressam.Em outras palavras: diretrizes e normas gerais podem ser consideradas simila-res para efeito do alcance dos preceitos contidos nas simila-respectivas leis? A simila-resposta há de ser positiva. A consulta à literatura revela que se usa o termo diretrizes para conceituar as normas gerais ou que se englobam ambas sob a rubrica

de legislação principiológica. Em matéria urbanística, o art. 24, I, diz que à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre direito urbanístico. E por força do § 1°, deste artigo, a competência da União, quanto à legislação concorrente, se expressa em normas gerais. De seu lado, os artigos 21, XX, e 182 mencionam o termo diretrizes para assinalar a competência da União no assunto. Vê-se, então que a Lei Maior, no campo urbanístico, tanto se refere a normas gerais quanto a diretrizes, o que se mostra equivalente. Esta equivalência transporta para as diretrizes o mesmo alcance de que são dotadas as normas gerais”2.

Portanto, não há qualquer diferença jurídica ou eficacial entre DIRETRIZES e NORMAS GE-RAIS.

Pois bem, a competência sobre matéria URBANÍSTICA, que é o segmento responsável pela orga-nização e reorgaorga-nização das cidades, estabelecendo as condições de uso e aproveitamento da propriedade e do solo, desenhando as “funções sociais” de crescimento e ordenação dos centros urbanos, foi reservada aos Municípios através de seus Planos Diretores.

Entretanto, a MATÉRIA urbanística foi igualmente reservada à COMPETÊNCIA CONCOR-RENTE entre União, Estados e Municípios (art. 24, inciso I), e no âmbito da competência con-corrente, a LEI FEDERAL deve se limitar à fixação e previsão de NORMAS GERAIS, que não excluem a competência suplementar dos Estados, desde que não haja conflito entre elas. A Carta maior, portanto, prestigiou a organização FEDERATIVA, reservando à União, compe-tência para a fixação de DIRETRIZES GERAIS, orientadoras dos planos de urbanização, que devem ser implantados em termos práticos e de forma efetiva em cada cidade, através de leis locais, que são obrigatórias.

Portanto, também pelo enfoque das competências, verificamos que não há qualquer distinção útil entre normas de diretrizes e normas gerais. As normas gerais de efeito abstrato devem ser editadas pela União, e as normas efetivas, voltadas à conquista de efeitos concretos direitos, devem ser editadas pelos Governos locais.

O ESTATUTO DA CIDADE se afeiçoa a tal desiderato (normas gerais), na medida em que, mais diretamente, cria vinculações ao legislador municipal, do que ao cidadão, orientando e vinculando toda a produção legal local.

Disciplinado e instituindo o PLANO GERAL para a criação e implantação da política urbana, cumprindo seu mister de fixar modelos gerais, o Estatuto da Cidade disponibiliza o instrumental jurídico necessário para a busca ou para a conquista de cidades melhor organizadas.

O ESTATUTO DA CIDADE, a nível eficacial, não gera direitos individuais, pois não tem con-sistência impositiva. Pode gerar, em tese, certos direitos coletivos, que afetam os cidadãos, gru-pos, entidades, que, em princípio, podem exigir ao Executivo e/ou ao Legislativo locais, que em atenção às peculiaridades locais, sejam implantados ou empregados os instrumentos certos e cor-retos para a organização da cidade. Trata-se de um direito coletivo, mas o caminho para sua conquista é mais ajustado ao percurso político.

Portanto, a função única do Estatuto da Cidade é a de estabelecer diretrizes gerais.

A questão da regularização fundiária e urbanização, como não poderia deixar de ser foi indicada como prioritária no Estatuto da Cidade, e tal determinação é imperativa para os Governos locais.

Por sua natureza de norma geral ou de diretrizes, o Estatuto da Cidade não apresenta qualquer regra ou qualquer orientação ligada à implementação concreta da política urbana, não se pronun-ciando sobre o programa deve dar início à regularização fundiária, se a urbanização ou a titulação dominial.

De certa forma, mesmo não vocacionado à implementação prática da política urbana, o Estatuto da Cidade cumpriu corretamente seus propósitos.

A orientação prática o Estatuto repassou ao PLANO DIRETOR que fatalmente entregará à competência discricionária dos órgãos técnicos Municipais (por vezes os fatos poderão recomendar a

pronta regularização registral, mormente quando venha a envolver situação consolidada e com padrões aceitáveis de urbanização, outras vezes, ao reverso, poderá exigir a prévia urbanização, com o alargamento ou calçamento das vias de acesso, a conquista e a previsão de espaço para os equipamentos públicos e de lazer ou a desocupação parcial das áreas de risco ou de preservação permanente).

Relembre-se que a discricionariedade, no que afeta a regularização fundiária, diz respeito à sua extensão e forma, não estando ao alvedrio do Administrador promover ou não a reorganização das cidades. Sua liberdade de escolha ou de opção se limita à maneira ou forma como deve ser efetivada.

4.3. Plano Diretor

É o plano diretor o grande instrumento da política urbana. Como um “plano” definitivo, deve desenhar a cidade desvendando suas potencialidades e carências, indicando como e por quais caminhos deve ocorrer o adensamento e quais áreas devem ser preservadas virgens e inabitadas. A cidade deve ser pensada pelo PLANDO DIRETOR que deve ostentar duplo caráter. Deve ser GERAL em termos de abrangência territorial, e INTEGRAL no que afeta aos instrumentos de organização interna.

Diligentemente o legislador constituinte não atribuiu simplesmente à LEI ORDINÁRIA a tarefa de organizar a cidade. Também não elegeu outro veiculo normativo, como por exemplo a LEI COMPLEMENTAR, que por seu maior rigor formal, possui mais estabilidade e imutabilidade do que as leis ordinárias.

O Constituinte foi prudente e exigente. Incumbiu esta difícil tarefa a um PLANO, pois este por sua generalidade e abrangência, confere maior segurança e estabilidade, por se encontrar imune a mudanças pontuais, que invariavelmente decorrem de interesses especulativos que apenas ali-mentam a corrupção.

Como PLANO, a organização da cidade e a eleição dos mecanismos indispensáveis para tanto, deve ser feito de forma unificada, pois a solução para uma região, para um bairro, para uma avenida, influencia e interfere o todo, e em cada parte. A cidade é solucionada quando se obtém o equilíbrio indispensável entre as necessidades internas, de forma que todas as decisões e soluções se encontram necessariamente vinculadas.

O PLANO deve ser concebido por inteiro e somente pode ser modificado por inteiro.

Lembre-se que todo DIREITO COLETIVO possui seu viés individual. A organização das CIDA-DES, decorre de um direito coletivo, e confere a cada um dos habitantes o direito individual que lhe afeta. A alteração no PLANO (que em princípio é sempre problemática e, portanto, deve ser evitada), confere aos habitantes eventualmente prejudicados, o direito à justa reparação dos da-nos experimentados.

Trata-se da justiça distributiva, onde o todo responde pelos prejuízos individuais. Portanto, de suma importância a fixação do PLANO e a manutenção desse, sem alterações, sem mudanças, sem especulação imobiliária, para que a implementação das medidas obtenham resultado, que somente são obtidos após longos anos de esforço e direcionamento concentrado.

A Constituição não emprega palavras ou termos inúteis, de forma que quando aludiu a PLANO DIREITOR atrelou o instrumento a esta necessidade de estabilidade ou quase perpetuidade. O saudoso prof. Hely Lopes Meirelles já destacava que o plano diretor deve ser UNO, ÚNICO e INTEGRAL3. No mesmo sentido e de forma corretamente enfática, o prof. Marcos Maurício Toba acentuou que “parece claro que o arcabouço constitucional atual já não mais tolera o impro-viso”4.

Lamentavelmente o legislador local, em muitos casos, como São Paulo, optou por fracionar o instrumento e tal desvio têm conseqüências jurídicas muito nítidas, pois ou os diversos “planos” são inconstitucionais por não respeitarem o caráter unitário do instrumento, ou as diversas leis que o formam, devem ser consideradas como reunidas, de tal forma que não admitem alterações pontuais sem a mudança do PLANO inteiro e cabal.