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Constituição Federal – Considerações Gerais

A Constituição Federal de 1988 é, sem dúvida, um diploma jurídico brilhante, trouxe muitas inovações, avanços, tendo mantido toda a gama de conquistas jurídicas obtidas durante a breve experiência imperial e republicana. O texto supremo não desprezou, muito pelo contrário, incor-porou toda a experiência internacional, consagrando em forma de regras e princípios os avanços jurídicos, sociais e culturais.

Não deixou de refletir e ser permeada pela intensa preocupação contemporânea que forja um novo Estado, arquitetado não sob o foco liberal, pois este teve a desventura ou o descaminho de gerar sociedades injustas, em face do sempre crescente desnível social que provocava. Também não foi inspirado em atenção aos ideais que marcaram as sociedades orientadas pelo socialismo absolutista, cujo modelo provocou um retumbante fracasso econômico.

O texto brasileiro consagrou as LIBERDADES, inerentes à vida, às convicções, às manifestações religiosas, à iniciativa privada, mas também soube submeter estas mesmas liberdades aos desígni-os maiores, desenhando um ESTADO dotado de certo intervencionismo, capaz de debelar injus-tiças, equilibrar forças e de tutelar os necessitados. O modelo trilha o futurista perfil de um Esta-do que se escora no respeito aos direitos individuais, consagranEsta-do e prestigianEsta-do os direitos fun-damentais, mas sabe identificar e tutelar os direitos coletivos.

A consagração do DIREITO À PROPRIEDADE PRIVADA e a submissão deste direito aos inte-resses coletivos, identificados como inerentes à FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, evi-dencia este modelo “intervencionista”, dando um sentido bastante seguro e preciso neste sentido. Em nosso sistema, a propriedade privada merece toda proteção e tutela, salvo quando o seu USO estiver descumprindo a função social desenhada para a cidade. Portanto, função social não é um instrumento no qual o Estado possa retirar a propriedade privada de pessoas abastadas, transfe-rindo-as para os mais necessitados (para tal intento, necessitaríamos contar com a generosidade dos mais

bem aquinhoados, o que é praticamente impossível).

Função social é o vetor que indica como e para que lado a cidade pode e deve crescer e quais os espaços que não podem ou devem ser ocupados. Trata-se de um complexo mapa que estabelece os focos de adensamento ou desadensamento, estuda a utilização e a busca ao pleno emprego dos equipamentos e estruturas urbanas, bem como das potencialidades que estas envolvem, além da fixação de áreas de preservação para conservação das matas e das fontes hidrográficas. Este retrato, que deve ser insculpido sob a forma legal, deve indicar os caminhos necessários para organização das cidades, e confere o único conteúdo para a expressão constitucional.

Então, função social da propriedade cujo conteúdo jurídico deve ser apresentado no PLANO DIRETOR, envolve a perfeita adequação do uso privado aos interesses coletivos.

Prevendo todo o complexo feixe de normas e de responsabilidades que a vida nas cidades envol-ve, a Constituição de 1988 inaugurou um capítulo inédito no constitucionalismo pátrio, ao tratar, de forma detida e pormenorizada, da POLÍTICA URBANA, conferindo uma acentuada ênfase ao

tema, patenteando a relevância administrativa que o tema envolve e que não pode ser negada ou ignorada pelos Administradores Públicos.

Nesse sentido estabelece o art. 182 da Constituição Federal:

Art. 182. – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1°. – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2°. – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3°. – As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinhei-ro;

§ 4°. – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos de Lei Federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de sucessivamente de: I. – parcelamento ou edificação compulsórios;

II. – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo ;

III. – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais;

Portanto, a Constituição como plano preordenado de Governo, impôs como meta prioritária, a reordenação das cidades, e assim o fez de forma coerente e compatível como os propósitos do ESTADO, pois a este incumbe prever e conferir condições para a melhoria da qualidade de vida da população.

A carta maior, como não poderia deixar de ser, indicou os pontos de prioridade primária, como a

saúde, a educação e a moradia, atrelando-os àquilo que se pode denominar de focos de prioridade

secundária, ligados à melhoria coletiva da vida, que tem como uma das formas mais efetivas, a obtenção de cidades e metrópoles melhor organizadas em termos de assentamento e de ocupação dos espaços urbanos.

A busca a uma melhor qualidade de vida coletiva é meta que a Constituição impôs ao Administra-dor, que não possui discricionariedade para deixar de adotar medidas neste sentido.

O art. 182, em harmonia com os artigos 29 e 30, conferiu ao Município, a tarefa de conduzir a política de desenvolvimento urbano, o que significa dizer que a execução da organização das cidades é afeita aos Governos locais, reservando ao Governo Central a tarefa de fixar as diretrizes e zelar para que estas sejam implementadas na prática.

Ao Município foi entregue a tarefa de organizar as cidades, podendo fazer as opções discricioná-rias necessádiscricioná-rias e úteis para tal mister, ordenando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, visando a garantir o bem-estar coletivo.

Essa organização, além de se guiar pelos padrões Constitucionais, deve observar as diretrizes básicas fixadas em LEI FEDERAL, que tem a incumbência de estabelecer os padrões gerais da organização dos centros urbanos.

A competência para a fixação das diretrizes, como todo e qualquer comando com tal índole, trás uma autorização e concomitantemente uma “limitação”, o que evidencia que as determinações contidas na Lei Federal não possuem conteúdo impositivo, dotado de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Fixar competência é estabelecer limites, de forma que a lei federal sobre “diretrizes” cumprirá o mister do art. 182 quando suas disposições vierem a revelar certo caráter e conteúdo GERAL e próprio de norma sobre DIRETRIZES, não lhe sendo próprio, sob essa ótica, estabele-cer disposições terminativas, impositivas, pois seu conteúdo é dirigido, mais ao legislador local, do que aos cidadãos.

Aliás este é o vetor “federativo”, que incumbe ao núcleo central, a tarefa de estabelecer padrões genéricos e aos núcleos descentralizados, a incumbência de prever e regrar as peculiaridades lo-cais.

Temos, é verdade, uma tendência CENTRALIZADORA que invariavelmente enfeixa nas mãos da União, tarefas específicas de feição local. Entretanto, estes normais descaminhos que agridem a construção Constitucional, não podem passar desapercebidos do exegeta do Direito, que flagrando um desvio ou abuso legislativo, deve, reverenciando o texto maior, proclamar a inaplicabilidade da Lei.

Não existe hierarquia entre as LEIS, mas apenas competências que se estabelecem nos três níveis (Central, Estadual e Municipal), mas o senso comum, que por vezes contamina a aplicação do Direito, sempre prestigia a LEI FEDERAL em contrate com as Leis Estaduais e Municipais. No caso específico, o art. 182 facultou à LEI FEDERAL, a tarefa de fixar as regras e “diretrizes gerais” relativas à organização das cidades. Tal tarefa foi cumprida com a edição da lei denomina-da de ESTATUTO DA CIDADE, que valerá como tal, por todo seu conteúdo genérico, o qual atua como padrão de organização das urbes em todo o país.

A leitura do texto constitucional, bem indica que a lei mais relevante do ponto de vista prático que deve versar sobre a organização das cidades é o PLANO DIREITOR, que dando o conteúdo à função social, deve formar documento único, compacto. Os problemas e as soluções que as cidades carregam, não devem ser resolvidos por segmentos, ou por regiões, bem como não podem ficar à mercê de reformas pontuais e tópicas. Por essa razão, o texto supremo alude não a uma simples LEI DIRETORA, mas sim a um PLANO DIRETOR, que se fixa uno e se modifica por inteiro.

Analogicamente o PLANDO DIRETOR funciona como uma estrutura una, que deve ser conce-bida por inteiro e reformada por inteiro, como documento único para toda a cidade, considerando todas as formas de organização e de ocupação e uso do solo.

Essa preocupação constitucional se justifica ante a necessidade de existirem regras estáveis e seguras para a organização das cidades, longe dos atrativos especulativos, que potencialmente podem gerar efeitos nefastos e corrupção.

Essa é a garantia da CIDADE e dos cidadãos, que ostentam direito subjetivo a um PLANO perene, estável e acessível, que submete incondicionalmente os governantes e governados.

4. Análise Jurídica – Regularização Fundiária