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Uma Leitura Teleonômica do Comentário de Hegel sobre a Proposição do Fundamento

6.3 Análise da Noção de Teleonomia

Há dois pré-requisitos lógicos e dois pré-requisitos sistêmicos à determinação de que algo tem um caráter teleonômico:

- do ponto de vista lógico, que esse algo esteja constituído como uma unidade e que essa constituição tenha caráter sistemático;

- do ponto de vista sistêmico, que nesse algo a noção de necessidade tenha sentido de carência, não de determinismo, e que a noção de finalidade tenha cunho intrínseco, não extrínseco.

6.3.1 Unidade e sistematicidade

Por algo estar constituído como uma unidade, entendemos esse algo estar constituído por partes que se organizam de modo a seu conjunto estar dotado de uma identidade, isto é, de modo a seu agregado estar dotado de persistência temporal (nos termos hegelianos: identidade consigo mesmo).

Por caráter sistemático da constituição de algo, entendemos o fato de que as partes da constituição desse algo estarem relacionadas de modo funcional, isto é, de modo tal que cada parte tem uma função a cumprir no conjunto dessas partes - ver (Costa&Dimuro

2011) para uma noção de função capaz de fundamentar de modo operatório o caráter sistemático da constituição de um algo.

6.3.2 A necessidade como carência, não como a impossibilidade do diferente

São dois os sentidos principais do termo necessidade. Por um lado, há um sentido lógico, de caráter modal, em que necessidade é entendida como impossibilidade de outro modo de ser.

Por outro lado, há um sentido sistêmico, de caráter estrutural e/ou funcional, em que necessidade é entendida como carência (de uma particular estrutura ou de um particular funcionamento).

O sentido lógico não determina nenhuma referência de origem para uma necessidade que esteja estabelecida: ele não especifica se essa necessidade é originária do (endógena ao) algo a que ela se impõe, ou se essa necessidade tem caráter exógeno.

O sentido sistêmico, por outro lado, determina explicitamente que a necessidade se estabelece de modo originário, endógeno, ainda que em concordância com fatores afetantes de algum outro do algo que está em questão.

É o sentido sistêmico da noção de necessidade que é pressuposto pela noção de teleonomia.

6.3.3 O fim como finalidade intrínseca, não como finalidade extrínseca

Em consonância com a adoção de uma noção de necessidade de caráter endógeno, a noção de teleonomia se constitui igualmente com uma noção intrínseca de fim, finalidade: um fim a que se dirige um sistema teleonômico, em um determinado momento, é intrínseco porque relativo à satisfação de uma necessidade que lhe é endógena.

Nessa noção imanente de finalidade endógena, compatível com a noção de causalidade eficiente, como mostrou Mayr, é que

Antônio Carlos da Rocha Costa | 107 reside o interesse e a possibilidade de utilização justificada da noção de telos em um pensamento sistemático de caráter científico.

6.4 O comentário de Hegel sobre a "proposição do fundamento" 6.4.1 O "princípio do fundamento suficiente" em Leibniz

Na Monadologia, Leibniz (2016b, p.47) formula o seu princípio da razão suficiente do seguinte modo:

31. Os nossos raciocínios fundam-se em dois grandes princípios, o da contradição, em virtude do qual nós julgamos falso o que envolve falsidade e verdadeiro o que é oposto ou contraditório ao falso.

32. E o da razão suficiente, em virtude do qual consideramos que nenhum facto poderia ser tido por verdadeiro ou existente, nenhuma Enunciação verdadeira, sem que haja uma razão suficiente porque é que ele é assim e não de outra maneira. Embora essas razões o mais das vezes não possam ser-nos conhecidas.

Na Demonstratio propositionum primarum, Leibniz dá uma outra formulação do seu princípio da razão suficiente e distingue razão suficiente de razão necessária. A formulação é a seguinte, apud (Hirata 2012, p.62):

Proposição: nada é sem razão; ou seja, tudo o que é possui uma razão suficiente.

Definição I: razão suficiente é aquilo que, uma vez dado, a coisa existe.

Definição II: requisito <razão necessária> é aquele que se não é dado, a coisa não existe.

Claramente, as duas formulações do princípio de razão suficiente são de natureza diferente: a primeira formulação é de caráter lógico, diz respeito ao que pode ou não pode ser afirmado,

ao passo que a segunda formulação é de caráter ontológico, diz respeito ao que pode ou não pode ser.

6.4.2 Proposição do fundamento: a glosa hegeliana do princípio leibniziano da razão suficiente

Hegel toma a diferença entre a formulação lógica e a formulação ontológica do princípio da razão suficiente como essencial para seu comentário à proposição do fundamento, e considera apenas a formulação ontológica.

A formulação ontológica, Hegel glosa da seguinte forma (Hegel 2017, p.95):

Tudo tem seu fundamento suficiente.

que ele interpreta, em termos de sua lógica, da seguinte forma: O que é não tem de ser considerado como imediato que é, mas como posto.

o que leva à conclusão:

Na proposição do fundamento, portanto, enuncia-se a essencialidade da reflexão dentro de si frente ao mero ser. indicando o quanto, frente à reflexão que determina a essência de um ser aí, o mero ser desse ser é distinto de sua essência. Hegel denomina proposição do fundamento esta sua glosa da formulação ontológica do princípio leibniziano da razão suficiente.

6.4.3 O comentário de Hegel sobre a proposição do fundamento

Visando à completeza do presente artigo, reproduzimos a seguir o comentário de Hegel sobre a proposição do fundamento, que se encontra às páginas 95-96 da "Doutrina da Essência" (Hegel 2017):

Antônio Carlos da Rocha Costa | 109

"Como as outras determinações de reflexão <identidade e diferença>, o fundamento foi expresso numa proposição: tudo tem seu fundamento suficiente. Isso, em geral, nada mais significa do que isto: o que é não tem de ser considerado como imediato que é, mas como posto; não se tem que se deter no ser aí imediato ou na determinidade em geral, mas é preciso regressar, a partir daí, para seu fundamento, na qual reflexão o ser aí imediato é enquanto suprassumido e dentro de seu ser em si e para si. Na proposição do fundamento, portanto, enuncia-se a essencialidade da reflexão dentro de si frente ao mero ser.

- Que o fundamento seja suficiente, é propriamente muito supérfluo de acrescentar, pois isso é óbvio; aquilo para o qual o fundamento não for suficiente, não teria nenhum fundamento, mas tudo deve ter um fundamento. Só que Leibniz, o qual principalmente se preocupava com o princípio do fundamento suficiente e fez dele até mesmo a proposição fundamental de toda sua filosofia, ligou a isso um sentido mais profundo e um conceito mais importante do que lhe é habitualmente ligado ao deter-se apenas na expressão imediata; embora a proposição já tenha de ser vista como importante também apenas nesse sentido, a saber, que o ser como tal, em sua imediatidade, é declarado como o inverdadeiro e, essencialmente, como um posto, o fundamento, porém, é declarado como imediato verídico. Mas Leibniz contrapôs o suficiente do fundamento principalmente à causalidade em seu sentido estrito, enquanto modo mecânico de ação. Na medida em que esse é, em geral, uma atividade externa, restrita, conforme seu conteúdo, a uma determinidade, as determinações postas por ele entram em uma combinação de maneira externa e contingente; as determinações parciais são compreendidas através de suas causas; mas a relação das mesmas, a qual constitui o essencial de uma existência não está contida nas causas do mecanismo. Essa relação, o todo enquanto unidade essencial, está apenas no conceito, na finalidade. Para esta unidade, as causas mecânicas não são suficientes, porque no fundamento delas não está a finalidade enquanto unidade das determinações. Por fundamento suficiente, portanto, Leibniz entendeu um fundamento que fosse suficiente também para essa unidade, que, por conseguinte, não compreendesse dentro de si as meras causas, mas as causas finais. Esta determinação do fundamento, porém, ainda não cabe aqui; o

fundamento teleológico é uma propriedade do conceito e da mediação através do mesmo, a qual é a razão."

6.5 A leitura teleonômica do comentário de Hegel sobre a

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