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Uma Leitura Teleonômica do Comentário de Hegel sobre a Proposição do Fundamento

6.2 A noção de teleonomia

Esta seção não tem por objetivo apresentar um resumo da complexa história da noção de teleonomia. Nos limitamos a apresentar as quatro fontes que, no momento, consideramos ser as principais, relativamente ao processo de determinação noção de teleonomia: Colin Pittendrigh, Jacques Monod, Ernst Mayr e Jean Piaget.

Adicionalmente, mencionamos brevemente a raiz kantiana dessa noção.

6.2.1 Colin Pittendrigh

Colin Pittendrigh, fundador da área de estudos dos ciclos biológicos (cronobiologia), é considerado o proponente da noção inicial de teleonomia, ver (Wikipedia, Teleonomy, 2018):

"Today the concept of adaptation is beginning to enjoy an improved respectability for several reasons: it is seen as less than perfect; natural selection is better understood; and the engineer physicist in building end seeking automata has sanctified the use of teleological jargon. It seems unfortunate that the term 'teleology' should be resurrected and, as I think, abused in this way. The biologists' longstanding confusion would be more fully removed if all end directed systems were described by some other term, like 'teleonomic', in order to emphasize that the recognition and description of enddirectedness does not carry a commitment to Aristotelian teleology as an efficient casual principle." (Pittengdrigh 1958), citado em (Wikipedia:Teleonomy, 2018)

6.2.2 Jacques Monod

Jacque Monod, bioquímico e filósofo da ciência, prêmio Nobel em fisiologia (Wikipedia:Jacques Monod, 2018) coloca no centro da noção de teleonomia a noção de um projeto objetivo do organismo biológico, realizado em suas estruturas e funcionamento:

"L'objetivité <em biologia> nous oblige à reconnaître le caractère téléonomique des être vivants, à admettre que dans leurs structures et performances, ils réalisent et poursuivent un projet." (Monod 1970)

6.2.3 Ernst Mayr

Ernst Mayr, biólogo e filósofo da biologia (Wikipedia, Ernst Mayr, 2018), nos parece aquele que consolidou a noção de telonomia, em forma adequada para a biologia.

"The teleological dilemma, then consists in the fact that numerous

and seemingly weighty objections against the use of teleological language have been raised by various critics, and yet biologists have insisted that they would lose a great deal, methodologically and heuristically, if they were prevent from using such language. It is my endeavor to resolve this dilemma by a new analysis, and particularly by a new classification of the various phenomena that have been traditionally designated as 'teleological'." (Mayr 1974),

citado em (Wikipedia:Teleonomy, 2018).

Como Monod, Mayr coloca no centro da noção de teleonomia a noção de um projeto, que ele chama de programa genético:

"The key word in the definition of teleonomic is the genetic program. The importance of the recognition of the existence of programs lies in the fact that a program is (A) something material and (B) something existing before the initiation of the teleonomic process. This shows that there is no conflict between teleonomy and <efficient> causality." (Mayr 2004, p.52).

6.2.4 Jean Piaget

Jean Piaget, epistemólogo, biólogo e psicólogo, colocou a noção de telonomia no centro de seu modelo do desenvolvimento cognitivo humano (Piaget 1976).

Antônio Carlos da Rocha Costa | 103

No artigo (Piaget 1971), Piaget crítica Monod por não considerar a possibilidade de uma solução dialética para a questão da teleonomia, uma solução que, como em Mayr, preserve a compatibilidade da noção de teleonomia com a noção de causalidade

eficiente.

Mais especificamente, para Piaget, a teleonomia em Monod é

puramente funcional: as estruturas se criam por acaso e se mantém

por uma necessidade funcional estabelecida a posteriori. Na concepção de Monod, não há teleonomia estrutural, não há princípio teleonômico para a criação de estruturas: o projeto surge por acaso e é escrutinado posteriormente por uma seleção natural de caráter aleatório.

6.2.5 Um esquema para a noção de sistema teleonômico

Introduzimos na Figura 33, um esquema genérico para a noção de desenvolvimento de um sistema teleonômico, isto é, de um sistema cuja estrutura e funcionamento se dão conforme princípios

teleonômicos.

Na Figura 33:

- 𝑆𝑖 é o i-ésimo estágio estrutural e funcional em que se encontra um

sistema teleonômico;

- 𝑀𝑖 é o mecanismo teleonômico que lhe corresponde.

Todo sistema teleonômico é suposto, portanto, operar conforme uma sucessão de estágios, que configuram seu

desenvolvimento estrutural e funcional.

O termo equilibração majorante, original de (Piaget 1976), nomeia o processo pelo qual o mecanismo teleonômico regula a passagem do sistema teleonômico de um estágio de desenvolvimento para o seguinte. O termo equilibração minorante, também original de (PIaget 1976), nomeia o processo pelo qual o

mecanismo teleonômico regula o desenvolvimento e o funcionamento interno de cada estágio.

A Figura 33 evidencia o aspecto estrutural e funcional mais importante de um sistema teleonômico: a persistência, ao longo do desenvolvimento desse sistema, do seu mecanismo teleonômico.

Figura 33 Estrutura e desenvolvimento de um sistema teleonômico.

Note-se que, com a distinção entre equilibração minorante e

equilibração majorante, introduz-se a distinção entre finalidades sincrônicas e finalidades diacrônicas.

6.2.6 A raiz kantiana do termo teleonomia

Esta seção tem por referência a terceira crítica de Kant, a "Crítica da Faculdade de Julgar" (Kant 2016). Porém, ela não tem o propósito de escrutinar os detalhes desse texto. Ao contrário, o propósito aqui é meramente indicativo, qual seja, o de salientar a afirmação kantiana de que a noção de Zweck (fim, finalidade, propósito) é imprescindível no estudo da natureza.

Identificamos no argumento de Kant (na "Crítica da Faculdade de Julgar Teleológica", segunda parte da "Crítica da Faculdade de Julgar") sobre a imprescindibilidade da noção de finalidade no estudo da natureza, a possibilidade de se estabelecer

Antônio Carlos da Rocha Costa | 105 um fundamento a priori para a noção de teleonomia, isto é, um fundamento a priori para a conciliação das noções de finalidade e de causalidade eficiente.

Nas palavras de Hannah Ginsborg (2013):

Among the most striking elements of Kant's account of natural teleology are (i) his claim, in the “Analytic of Teleological Judgment,” that organisms must be regarded by human beings in teleological terms, i.e., as “natural purposes,” and (ii) his attempt, in the “Dialectic of Teleological Judgment,” to reconcile this teleological conception of organisms with a mechanistic account of nature.

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