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O caráter universal do aqui e do agora expressos linguisticamente

Capítulo da "Fenomenologia do Espírito" Antônio Carlos da Rocha Costa

8.3 A Expressão Linguística dos Aspectos de Aqui e Agora do Saber Imediato e o Caráter de Universalidade Adquirido por

8.3.2 O caráter universal do aqui e do agora expressos linguisticamente

Agora, vamos ver como Hegel estabelece que todo aqui e todo agora presente numa formulação linguística de um saber imediato não contém nenhuma informação singular sobre esse saber imediato, mas que se apresentam como meros universais, tomados naquele sentido preciso: o agora, não é um agora determinado, nem um outro agora que seja, e o aqui, não é um aqui determinado, nem um outro aqui que seja, e ao mesmo tempo ambos podem ser, cada um, qualquer aqui e qualquer agora.

Na formulação de Hegel (§96):

"O universal, portanto, é de fato o verdadeiro <isto é, aquilo que consegue ser expresso na linguagem> da certeza sensível." e, portanto, (§97):

"está, pois, totalmente excluído que possamos dizer o ser sensível que 'visamos' <isto é, que apreendemos no saber imediato>."

8.3.2.1 A determinação das noções aqui e agora como meros universais

Hegel, nos parágrafos §95 a §99, estabelece por meio dos seguintes testes a mera universalidade do aqui e do agora implicados em qualquer resposta à pergunta O que é isto? feita ao saber imediato.

Ele propõe que se pergunte: o que é o agora? o que é o aqui?, e que se registrem por escrito as respostas obtidas ("uma verdade nada perde por ser anotada, nem tampouco porque a guardamos ").

Depois, propõe que se variem as condições concretas em que se realiza o saber imediato do objeto em questão, e se constate que as respostas iniciais, dadas àquelas questões, deixaram de ser verdadeiras (porque as condições concretas variaram)

Por exemplo, a resposta agora é noite deixa de ser verdadeira quando o saber imediato do mesmo objeto passa a se dar de dia. E uma resposta como aqui é uma casa2 deixa de ser verdadeira quando

esse saber imediato passa a se dar na rua.

Com isso, Hegel mostra que respostas como agora é noite e aqui é uma casa, que se pretendiam expressão linguística de aspectos imediatos da verdade do saber imediato de um determinado objeto são, na verdade, mediados pela situação em que essa expressão linguística se dá. Isto é, Hegel mostra que essas respostas linguísticas são, de fato, apenas formais, portanto, vazias de verdade, porque sua verdade não é dada apenas por elas mesmas, nelas mesmas.

Em outros termos, aspectos essenciais do saber imediato, como os de tempo e lugar, não têm como serem transportados para linguagem: ao serem colocados na forma de expressões da linguagem, imediatamente perdem sua certeza imediata, suas expressões se tornam mediadas, dependentes de contextos extralinguísticos: se tornam meros universais, no sentido de expressões que não carregam em si um conteúdo próprio, como seria de se esperar de expressões que carregassem verdades do saber imediato.

Tudo se passa como se a linguagem tendesse a internalizar, de um modo genérico e fixo, o sentido de suas expressões, de maneira que a singularidade do saber imediato fosse descolada do plano de sua imediatidade e transportada para um plano geral onde

Antônio Carlos da Rocha Costa | 153 não pode mais se fazer presente. No teste concreto de Hegel (§95), o saber imediato é anotado "por escrito". Ao contrário do que acontece a uma verdade conceitual, "que nada perde por ser anotada, nem tampouco porque a guardamos", pois pertence ao plano do universal, sendo independente das situações singulares em que ela é considerada, o saber imediato perde, com essa fixação na linguagem, toda sua certeza imediata.

E, é a conclusão apontada por Hegel, o que vale para os aspectos singulares de tempo e lugar, vale para todo e qualquer aspecto singular do saber imediato: ele perde a imediatidade da certeza sensível que o constitui, quando é transportado para a linguagem.

Quer dizer, nenhum saber imediato e nenhuma certeza sensível, por não serem formuláveis linguisticamente, não podem ter sua verdade captada em conceitos e, portanto, não podem integrar nenhum corpo de conhecimentos racionais.

Isto é, há um fosso, linguisticamente intransponível, entre o saber imediato (e a certeza sensível que o acompanha) e o conhecimento racional.

8.3.2.2 A determinação da noção Eu como mero universal

Assim como os aspectos circunstanciais do saber imediato, tais como o aqui e o agora, se mostram meros universais, quando expressos na linguagem, Hegel também vai determinar que o Eu se mostra não um Eu singular, mas um mero universal, quando expresso na linguagem.

No parágrafo §100, Hegel observa que com a enunciação da verdade do saber imediato na linguagem, ocorre uma inversão no locus da essência: o essencial deixa de ser o objeto e passa ser o Eu. Constata que o objeto é porque Eu o enuncio como uma verdade, ainda que apenas como uma verdade universal que não mais corresponde ao saber imediato.

Nessa perspectiva, a expressão linguística do saber imediato se sustenta como verdade porque meu Eu a sustenta (§101):

"a força de sua verdade está no Eu, na imediatez do meu ver, ouvir, etc."

e:

"O desvanecer do agora e do aqui singulares <que ocorria quando o objeto era tido como o essencial> é evitado <agora, com a inversão do locus da essência> porque Eu os mantenho. O agora é dia porque Eu o vejo; o aqui é uma árvore pelo mesmo motivo." Portanto, não é mais suficiente um teste relativo a variações nas condições imediatas do objeto. Hegel vai variar, então, não essas condições imediatas do objeto, mas - numa perspectiva intersubjetiva - os Eus que apreendem de modo imediato tal objeto: "Eu, este, vejo a árvore e afirmo a árvore como o aqui; mas um outro Eu vê a casa e afirma: o aqui não é uma árvore, e sim uma casa."

Porém, há algo que não desvanece nesse teste, o Eu como universal (§102):

"seu ver, nem é um ver da árvore, nem o dessa casa; mas é um ver simples, que <..> se mantém simples e indiferente diante do que está em jogo: a casa, a árvore."

e Hegel tira a conclusão:

"O Eu é só universal, como agora, aqui, ou isto, em geral." Isto é, a conclusão é a mesma que a anterior:

"Quando digo: este aqui, este agora, ou um singular, estou dizendo todo este, todo aqui, todo agora, todo singular. Igualmente, quando

Antônio Carlos da Rocha Costa | 155 digo: Eu, este Eu singular, digo todo Eu em geral; cada um é o que digo: Eu, este Eu singular."

Que dizer, também agora, com a inversão do locus da essência, nenhum saber imediato, de nenhum Eu, se deixa apreender na linguagem.

8.3.3 A terceira alternativa: a expressão não-linguística do

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