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2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: ANÁLISE DE POLÍTICA

2.1 Fases da pesquisa: análise de política pública e genealogia, dados quantitativos e

2.1.1 Análise de política pública

A primeira fase da pesquisa foi uma análise das políticas de assistência social e saúde mental, a fim de investigar a capacidade dessas políticas em auxiliar a justiça e a administração penal no momento da desinternação dos indivíduos em medida de segurança. Há benefícios da política de saúde mental destinados às pessoas em sofrimento mental, como os Serviços Residenciais Terapêuticos e o auxílio-reabilitação De Volta para Casa, que busca criar autonomia e prover necessidades básicas dos indivíduos em sofrimento mental que tenham laços familiares rompidos (BRASIL, 2000, 2003). Por algum motivo, essas políticas não são efetivas para os indivíduos que cumpriram medida de segurança. Por isso, foi feita uma análise dessas políticas a fim de levantar seus desafios de materialização no caso dos indivíduos que cumpriram medida de segurança.

No caso da política de assistência social, também há benefícios e ações destinadas especificamente aos indivíduos em sofrimento mental e às suas famílias que poderiam criar condições efetivas de garantir necessidades básicas àqueles em medida de segurança na fase de desinternação. Exemplo disso é o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), voltado para pessoas com deficiência física, intelectual (mental) e sensorial que vivem na extrema pobreza (BRASIL, 2011b). O BPC é um benefício assistencial de transferência de renda no valor de um salário mínimo garantido às pessoas mensalmente, de acordo com previsão constitucional expressa no artigo 203 (BRASIL, 1988). Neste estudo, analisou-se esse benefício e demais programas, serviços e benefícios da assistência social na perspectiva de diagnosticar os desafios de sua efetivação para as pessoas que cumpriram medida de segurança.

Análise de política pública pode ser definida como um conjunto de elaborações sobre conhecimentos produzidos em diversas disciplinas das ciências humanas, objetivando analisar e resolver problemas concretos em políticas públicas (DAGNINO, 2000). Ou seja, o conhecimento acerca das políticas públicas vislumbra interpretar as causas e as consequências das atuações dos governos na elaboração, na implementação e no acompanhamento de determinada ação política voltada para resultados, com alocação de recursos e desenho para

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longa duração. Nos Estados Unidos, essa vertente de pesquisa em ciência política começou a se instituir já no início dos anos 1950, em ambiente influenciado pelo keynesianismo sob o rótulo de policy science (DAGNINO, 2000; FREY, 2000). Já na Europa, em particular na Alemanha, a preocupação com determinados campos de políticas e ações públicas tomou maior delineamento a partir do início dos anos 1970, com a ascensão da social-democracia. No caso brasileiro, a análise de políticas públicas só foi ganhar espaço, ainda que de maneira incipiente e frágil, no decorrer dos anos 1990 e 2000 (FREY, 2000).

Um modelo de análise de políticas públicas não pode desconsiderar alguns aspectos da sociedade, tais como processos políticos, estabilidade institucional e perfis históricos das ações estatais e governamentais, com o objetivo de atentar para uma teia de fatores que determinam a configuração dos perfis de tais políticas. Assim, é imprescindível delimitar o espaço e o alcance dos conhecimentos produzidos por meio da análise de políticas públicas. A análise de política pública está preocupada, sobretudo, com o que, como e por que o governo toma alguma atitude, geralmente, na tentativa de aperfeiçoar um tema, ou de prevenir algum aspecto indesejado (DAGNINO, 2000; HALL; TAYLOR, 2003). Esse tipo de análise visa, ainda, compreender se a gerência de tal ação aponta na direção de alguma determinação de alocação de poder, além da alocação de recursos destinados à garantia de direitos já assegurados pela sociedade (BUCCI, 2006). Em síntese, a análise de política revela quase sempre as características sociais, políticas e históricas presentes na relação da sociedade com o Estado (DAGNINO, 2000; FREY, 2000).

A análise de uma política pública impõe desafios que estão além da descrição e compreensão dos resultados da ação do Estado, pois se trata de um questionamento, sobretudo, acerca das bases da democracia (MÜLLER; SUREL, 2002). De modo geral, uma análise de políticas públicas costuma ser dividida em três fases sucessivas — formulação, implementação e avaliação — que conformam um ciclo que se realimenta (DAGNINO, 2000). Contudo, uma corrente denominada social analysis possui uma categoria classificada de ciclo da política (policy cycle), que divide a análise de política de forma mais abrangente, em cinco etapas: 1. percepção e definição de uma questão a ser enfrentada por meio de uma ação específica; 2. agenda setting, ou seja, o modo como determinado tema ascende ao patamar de questão com urgência de intervenção de uma ação estruturada e racionalizada; 3. elaboração de um programa e da decisão; 4. implementação da política; 5. avaliação da política e eventual correção das ações (FREY, 2000). Todavia, esse modelo de análise recebeu constantes críticas, sobretudo, pela simplificação de processos tidos como mais complexos e

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pela pouca teorização dos processos políticos sobre os quais se tornava possível uma análise de política — ainda que, para muitos teóricos e especialistas em análises de políticas, tais críticas se revelassem frágeis e não abalassem a força analítica da modalidade social analysis (FREY, 2000).

Segundo Renato Dagnino (2000), existem variedades de tipos de análises de políticas públicas, que por sua vez possuem distintas características e procedimentos metodológicos. Estudo de elaboração, estudo de resultados, estudo de conteúdo, avaliação de políticas e impacto, defesa de processo de elaboração e defesa de políticas são alguns exemplos. Para a presente pesquisa sobre a capacidade das políticas de assistência social e de saúde mental contribuírem na fase de desinternação dos indivíduos em medida de segurança, será feito uso, principalmente, da modalidade estudo de conteúdo de política pública. Nessa modalidade, é possível gerar conhecimentos após a análise da gênese e a explicação do desenvolvimento de determinada política pública, isto é, descrever como ela foi implementada e quais os resultados e limites encontrados, os atores envolvidos no acompanhamento, o estágio de implementação em que ela se encontra, as barreiras na implementação e as alternativas para solucioná-las etc. (DAGNINO, 2000). Ter clareza sobre tais fases permite melhor localizar o objeto do presente estudo.

As análises das políticas de assistência social e saúde mental foram realizadas por meio do estudo de decretos, portarias, leis, atos normativos internos e notas técnicas que dizem respeito a programas, benefícios ou serviços da assistência social e da política de saúde mental voltadas para a população em medida de segurança. Aqui se compreende política de saúde mental basicamente como o conjunto de ações formado por programas, serviços e benefícios criados com o Movimento da Reforma Psiquiátrica e com a Lei 10.216, de 2001, e voltados para a atenção psicossocial da população em sofrimento mental. E entende-se a política de assistência social principalmente como os serviços, benefícios e programas criados com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993, a Política Nacional de Assistência Social, de 2004, e o Sistema Único de Assistência Social, de 2005. Há um conjunto de benefícios e serviços voltados a pessoas com deficiência, pessoas com doença ou transtorno mental, pessoas que vivem na pobreza e pessoas que possuem incapacidade laborativa; e há algumas poucas ações de assistência social e de saúde mental voltadas especificamente para as pessoas egressas dos ECTPs que cumpriram medida de segurança. É diante dessa lacuna das duas políticas que esta tese buscará respostas para a situação daqueles

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indivíduos que já cumpriram os critérios para o livramento, mas permanecem internados nos ECTPs.