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Capítulo 3 – Prática Letiva

3.3. Apresentação e interpretação dos resultados

3.3.4. Análise qualitativa das segundas versões entregues

A análise qualitativa das redações recolhidas na segunda fase de entrega deter-se-á na descrição de aspetos relevantes para o estudo em causa, observados nos vários textos, e no registo das respetivas conclusões. Procurar-se-á também avaliar o impacto da intervenção realizada através de uma ficha de enriquecimento lexical (vd: anexo 15).

De uma forma geral, concluiu-se que os alunos se empenharam bastante neste segundo trabalho, facto que se verificou pelo número de composições entregues, pelo cuidado no cumprimento da instrução dada, sobretudo ao nível do conteúdo, e pela tentativa, no caso dos alunos que escreveram uma segunda versão, de reorganizarem as ideias, mostrando interesse pelos conteúdos de Cultura Clássica estudados. Os alunos enquadraram facilmente a lenda de Tarpeia no período da instituição definitiva da cidade de Roma e da guerra entre Romanos e Sabinos e mostraram-se motivados para a escrita, como se pode comprovar pela extensão alargada da maioria dos textos, por dominarem e apreciarem o tema proposto, desejando mostrar os seus conhecimentos. Preocuparam-se, igualmente, em melhorar a apresentação dos trabalhos (tendo alguns alunos optado por passar o texto a computador) e em evitar alguns erros superficiais de ortografia ou concordância.

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No entanto, tal como se pôde observar através da contabilização das impropriedades lexicais, há muitos erros que os alunos não são capazes de detetar, o que pode ser um problema de atenção ou de falta de conhecimento. Afirma-se que os alunos não são capazes de detetar e, portanto, de corrigir estes desvios, pois denota-se uma clara preocupação, na segunda versão, de clarificar e relacionar melhor as ideias, no entanto – de forma aparentemente contraditória – as escolhas lexicais e, por vezes, o registo utilizado, não permitem cumprir estes objetivos. Como se pode observar nos exemplos (44) e (45), alguns alunos, ao partirem do primeiro texto entregue para a elaboração da segunda versão, tentam corrigir alguns passos:

(44) LH31_T1_V1: [...] Reia Sílvia [...] não poderia criar *filhos descendentes ao

trono.

Erros assinalados : E4, E5 e E6.

LH3_T1_V2: [...] que esta nunca criasse *descendentes ao trono. Erros assinalados: E5 e E6.

Neste caso, o aluno conseguiu eliminar a redundância (E4), no entanto, não foi capaz de corrigir a incompatibilidade (E6) presente em “descendentes ao trono”. O nome “descendentes” não seleciona nenhum grupo preposicional, logo, não pode fazer-se acompanhar por “ao trono”. A imprecisão lexical (E5) na escolha do nome impede que o aluno utilize a expressão mais correta e adequada: “herdeiros ao trono”. Trata-se de outro caso caso em que, apesar de as palavras serem semanticamente próximas, não podem ser usadas nas mesmas estruturas nem nos mesmos contextos. Muitos casos de imprecisão lexical derivam precisamente do uso incorreto de sinónimos, pois, apesar de os estudantes conhecerem o significado das palavras, não conhecem as suas restrições sintáticas e semânticas.

Foi igualmente interessante verificar o cuidado da maioria dos alunos em incorporar nas suas produções textuais o conjunto de palavras novas que estiveram em foco nas atividades de enriquecimento lexical. Em quase todos os textos se verifica a presença dos vocábulos: “fraterno”, “fraternal”, “rebeldia”, “rebelar-se”, “fratricídio”, “rival”, “rivalidade”, “cidadela”, “régio”, “dizimar”, “indelével”, “sinistro”, “edificar” e “bélico”. Pela análise das composições, concluiu-se que grande parte dos alunos usa corretamente estas palavras, como se pode

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(45) LH31_T1_V2: [...] aparecimento de uma cidade rival.

(46) LH32_T1_V2: Os Sabinos rebelaram-se contra os Romanos quando estes lhe [sic]

roubaram as mulheres.

(47) LH36_T1_V2: Os romanos, preparados para a guerra, defendiam a cidadela [...].

(48) LH315_T1_V2: Mas os vizinhos tinham medo que a cidade fosse dizimada e para

não entrarem em rivalidade [...].

(49) LH320_T1_V2: [...] o filho da deusa Vénus e do mortal Anquises, Eneias, foi um

dos sobreviventes do confronto bélico [...].

(50) LH317_T1_V2: [...] para não serem dizimados pelo poder bélico romano.

(51) LH320_T1_V2: Os Romanos eram um povo com um grande poderio bélico.

Os estudantes mostraram vontade de aperfeiçoar os textos, preocupando-se em variar o vocabulário. Contudo, nem sempre conseguiram utilizar corretamente as palavras novas, como se encontra patente nos seguintes exemplos:

(52) LH38_T1_V2: Amúlio, *sinistro, manda lançar os meninos ao rio.

(53) LH315_T1_V2: Mas quando o seu pai descobriu que ela estava grávida,

*sinistro, mandou lançar os gémeos ao Rio Tibre [...].

(54) LH38_T1_V2: Os pais destas fugiram e declararam guerra aos romanos,

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(55) LH318_T1_V2: [...] e disse-lhes que lhe dessem o que tinham nos braços

*sinistros.

(56) LH320_T1_V2: Isto originou uma *rebeldia entre estes dois povos [...].

(57) LH38_T1_V2: Quando a cidade de Roma era já praticamente *indelével [...].

Nas passagens (52) e (53), a impropriedade lexical pode dever-se a dois factores. Primeiramente, o adjetivo “sinistro” só pode ocorrer com verbos que, em termos aspetuais, remetam para estados (ou seja, para situações não dinâmicas) e não para eventos (situações dinâmicas). (Cf. Oliveira, 2006: 133-152) O adjetivo refere-se a uma característica da personagem e não a um traço revelado no momento em que decide lançar as crianças ao rio. Em (54), o nome “confronto” é uma palavra formada por derivação não afixal a partir do verbo “confrontar” que remete, igualmente, para eventos e não para estados. O resultado desse confronto – portanto, um estado – é que poderia ser sinistro.

Importa também sublinhar que o adjetivo “sinistro” se combina com nomes abstratos (e.g. “ambiente sinistro”, “aspeto sinistro”, “ar sinistro”) e não com nomes concretos. A construção: “Amúlio era sinistro” é menos aceitável do que “Amúlio era um homem sinistro”, pois mesmo que nos estejamos a referir a uma pessoa individualizada ou a algo concreto, a caracterização faz-se através da colocação do adjetivo em posição pós-nominal, seguindo-se a um nome abstrato.

Por fim, em (55), o aluno usa o adjetivo com o mesmo sentido do adjetivo latino sinistre, sinistra, sinistrum, que significa “esquerdo”. Houve, portanto, interferência do latim, sendo que o aluno não foi sensível à questão da evolução semântica que a palavra sofreu na passagem para o português.

Em (56), a palavra correta a utilizar nesse contexto seria “conflito”, em vez de “rebeldia”. Esta imprecisão lexical deve-se ao facto de o aluno, após realizar os exercícios da ficha de enriquecimento lexical, ter procurado utilizar uma das palavras etimologicamente

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relacionadas com o termo latino bellum, belli (guerra), não tendo ainda fixado os seus significados e os contextos de uso mais frequentes.

Relativamente ao último exemplo transcrito, aquando da realização da ficha de enriquecimento lexical, os alunos apontaram vários sinónimos do adjetivo “indelével”, entre os quais “indestrutível”. Consequentemente, o trecho transcrito em (57) mostra, uma vez mais, que os alunos têm dificuldade em estabelecer fronteiras entre sinónimos, usando-os indiferenciadamente em contextos incorretos. Desta forma, além de fornecer aos estudantes os significados das palavras, é necessário fazê-los compreender que o facto de um vocábulo funcionar num contexto não quer dizer que funcione noutros.

Após a análise quantitativa e qualitativa das redações dos alunos, afigura-se indispensável terminar este estudo com um capítulo reservado às sugestões pedagógico- didáticas para o desenvolvimento da competência lexical em prol da melhoria da qualidade escrita dos alunos do ensino secundário em contexto de sala de aula.

3.4. Sugestões pedagógico-didáticas para o desenvolvimento da consciência