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As idéias prévias, os pressupostos que permitem a concepção simbolista, o nascimento e dinamismo do símbolo são os seguintes, segundo Juan-Eduardo

Cirlot9: a) Nada é indiferente. Tudo expressa algo e tudo é significativo; b) Nenhuma

forma de realidade é independente: tudo se relaciona de algum modo; c) O quantitativo se transforma em qualitativo em certos pontos essenciais que constituem precisamente a significação da quantidade; d) Tudo é serial; e) Existem correlações de situação entre as diversas séries, e de sentido entre as referidas séries e os elementos que as integram. A serialidade, fenômeno fundamental, abrange tanto o mundo físico (gama de cores, de sons, de texturas, de formas, de paisagens, etc.) quanto o mundo espiritual (virtudes, vícios, estados de ânimo, sentimentos, etc.). Os fatos que dão lugar à organização serial são: limitação, integração do descontínuo na continuidade, ordenação, gradação sucessiva, numeração, dinamismo interno entre seus elementos, polaridade, equilíbrio de tensão simétrico ou assimétrico e noção de conjunto.

Se tomarmos um “símbolo” qualquer, por exemplo, a espada ou a cor vermelha, e analisarmos suas estruturas, veremos que elas se decompõem analiticamente, tanto na origem quanto na significação. Encontramos primeiramente o objeto em si, abstraído de toda relação; em segundo lugar, o objeto ligado à sua função utilitária, à sua realidade concreta no mundo tridimensional (diretamente: a espada); indiretamente (a cor vermelha tingindo, por exemplo, um manto). Em terceiro lugar, encontramos o que permite considerá-lo um símbolo, estrutura que denominamos “função simbólica” e que é a tendência dinâmica da qualidade de relacionar-se com as equivalentes situadas nos pontos correspondentes de todas as séries análogas, mas tendendo de modo principal a designar o sentido metafísico que concerne a esse aspecto modal da manifestação. Nessa função simbólica, podemos distinguir ainda entre o que se liga ao símbolo e o que corresponde a seu

significado geral, muitas vezes ambivalente e carregado de alusões cuja multiplicidade nunca é caótica, porque se dispõe ao longo de uma coordenada de “ritmo comum”.

Assim a espada, o ferro, o fogo, a cor vermelha, o deus Marte, a montanha rochosa, relacionam-se entre si por encontrarem-se numa dessas “direções simbólicas” de igual sentido. Todos esses elementos aludem ao desejo de “decisão psíquica e extermínio físico”, que é o significado profundo de suas funções simbólicas, e que pode enriquecer-se com significados secundários dimanados da “situação” no nível em que o símbolo aparece. Mas, além disso, tais símbolos se unem entre si, chamam-se mutuamente, poderíamos dizer, em razão da afinidade interna que liga todos esses fenômenos, que são, na realidade, concomitâncias de uma modalidade cósmica essencial.

Por conseguinte, além dessa rede de relações que liga todos os objetos (físicos, metafísicos, reais, ideais e irreais enquanto verdadeiros psicologicamente), a ordem simbólica se estabelece pela correlação geral do material e do espiritual (visível e invisível) e pelo desdobramento das significações. Esses componentes que dão lugar ao “modo de ser” do objeto podem ser somativos ou dissidentes, estando no segundo caso quando se produz a ambivalência do símbolo. Schneider, em El origen musical de los animales – símbolos en la mitología y la escultura antiguas, 1946, oferece o exemplo da flauta, que, por sua forma, é fálica e masculina, enquanto, por sua sonoridade, é feminina. Acha uma curiosa correspondência de dupla inversão entre este instrumento e o tambor, masculino por sua voz grave e feminino por suas formas arredondadas. Na relação de significados das formas abstratas (geométricas ou biomórficas, ideais ou artísticas) e dos objetos, existe uma

influência mútua que sempre se deverá levar em conta. Outro exemplo de análise de sentido simbólico – o da água. Suas qualidades dominantes são: fertiliza, purifica, dissolve. A íntima conexão dessas condições permite relacioná-las de diversos modos, nos quais sempre sobressairá um aspecto: que a dissolução das formas, a carência de formas fixas (fluidez) vem ligada às funções de fertilização ou renovação do mundo vivo material e à purificação ou renovação do mundo espiritual. Desse contexto deduz-se todo o vasto simbolismo das águas, que aparecem como força situada em meio dos estágios cósmicos solidificados para destruir o que está corrompido, dar fim a um ciclo e possibilitar a vida nova, significação esta que extravasa dos signos zodiacais de Aquarius e de Piscis, corroborando os versículos dos salmos: “Como água me dissolvo, desconjuntaram-se todos os meus ossos” (Salmo 22:14).

A interpretação psicológica é o termo médio entre a verdade objetiva do símbolo e a exigência situacional de quem vive esse símbolo. Também interfere em escala variável a tendência do intérprete, a quem certamente será difícil subtrair-se de sua orientação peculiar. É nesse momento que os símbolos, à parte seu caráter universal, passam a sobredeterminar-se com sentidos secundários, acidentais e transitórios, em dependência da “situação” em que aparecem, conforme já se disse. O símbolo eleva-se ou desce de acordo com o nível em que é convocado. A dificuldade de interpretação, em conseqüência, é enorme, ao passo que a compreensão do símbolo, ao contrário, é quase elementar. Muitos dos ceticismos que surgem a respeito do simbolismo – sobretudo em psicólogos – derivam da confusão entre os dois aspectos diferentes da função simbólica: manifestação do sentido do objeto simbólico, mas também manifestação da deformação que uma mente particular comunica a esse sentido, de acordo com determinada situação

externa. A dificuldade de interpretação psicológica consiste não tanto na polivalência serial do símbolo (ritmo comum) quanto na multiplicidade de cosmovisões em que sua explicação pode ser amparada, quer inconscientemente por quem se encontra sob seu império, quer conscientemente pela “visão de mundo” do intérprete.

Capítulo II