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2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.3 Análise e síntese no ensino de gramática

Neste capítulo, pretende-se tratar das chamadas abordagem sintética e analítica no ensino de língua estrangeira em cursos em que se dá a utilização de livros didáticos, (embora, como será mencionado adiante, a determinação de um processo de progressão de tópicos gramaticais a partir de cada uma das abordagens pode ser determinada pelo professor, em curso, com ou sem o emprego de um LD). Para tal, será empregada a distinção entre análise e síntese cunhada por Wilkins (1978). A adoção desse modelo teórico se justifica uma vez que a essas duas abordagens corresponde o trabalho com conteúdos gramaticais nos dois LD a serem analisados, e também porque isso se reflete acentuadamente no que diz respeito à apresentação das Relativsätze em ambas as obras.

No primeiro capítulo de seu texto, o autor expõe suas visões acerca do papel da gramática nos cursos de LE. Para ele, dominar a gramática de uma língua consiste no objetivo central da maior parte dos cursos, afirmando, ainda, que o componente gramatical ocupa a posição principal no processo de ensino-aprendizagem127. Entretanto, ele menciona algumas críticas que pesquisadores expressam nesse sentido, afirmando, em alguns casos, que o estudante não se tornará fluente na língua apenas por haver dominado tópicos de natureza gramatical.

Também a respeito do papel da gramática em cursos de LE e no seio dos diferentes métodos e abordagens de ensino, defendi num escrito (MING, 2012, p. 122) que

la gramática, vilipendiada y condenada por muchos profesores y alumnos a lo largo del tiempo como una traba al aprendizaje, consiste en parte indisociable de la lengua, que se puede enseñar de forma implícita o explícita, pero jamás optarse a no enseñar. [...] Su papel siempre ha sido central en los procesos de enseñanza de idiomas, aunque por veces se haya pretendido ignorarla o tratarla de forma negligente.128

127 Essa perspectiva se viu bastante modificada, como já se alertou anteriormente, a partir da virada

comunicativa e do depósito de maior ênfase nas funções comunicativas da produção de linguagem.

128 “A gramática, vilipendiada e condenada por muitos professores e alunos ao longo do tempo como um

entrave à aprendizagem, consiste em parte indissociável da língua, que se pode ensinar de forma implícita ou explícita, nunca podendo, porém, optar-se a não ensinar. [...] Seu papel sempre foi central nos processos de ensino de línguas, embora por vezes se tenha pretendido ignorá-la ou tratá-la de forma negligente”.

Tal é a importância atribuída por Wilkins (1978) ao ensino de gramática que o autor afirma ser a meta cabal de um curso de LE ensinar, dentro do possível, todo o sistema gramatical da língua em questão129. Assim, concebe dois enfoques distintos para o trabalho com conteúdos de cunho gramatical, a saber, o sintético e o analítico. O primeiro consiste no trabalho com os conteúdos gramaticais de forma separada e pouco a pouco, oferecendo ao aluno pequenas porções de gramática por vez, espraiadas ao longo de diversas lições, gradualmente, enquanto esses insumos parciais se acumulam até que a estrutura completa esteja constituída. Essas pequenas partes deverão ser completadas por aquelas que serão oferecidas na próxima lição, cabendo ao aluno juntar as peças rumo ao domínio paulatino do sistema gramatical completo. Trata-se do tipo de progressão gramatical observada em studio d130.

O autor prossegue e retoma conceitos importantes difundidos na área da Linguística Aplicada. Segundo Wilkins, a apresentação desses itens gramaticais é comumente determinada por critérios pré-estabelecidos, tais como simplicidade, regularidade, frequência e dificuldade contrastiva. Eles se referem, desse modo, à adequação dos conteúdos ao estágio de aprendizagem dos alunos, de forma descomplicada e adaptada aos interesses próprios de não-linguistas, bem como ao ensino dos itens linguísticos mais produtivos antes dos mais raros, à maior ocorrência da forma no uso da língua e à necessidade de evitar-se ensinar construções que apresentem considerável dificuldade contrativa nas primeiras fases do processo de aprendizagem.

129 Entretanto creio, de acordo com os pressupostos comunicativos (e, por que não, pós-comunicativos) de

ensino-aprendizagem de LE e também em concordância com as propostas do QECR, que basta ensinar explicitamente aquelas estruturas gramaticais diretamente envolvidas na elaboração de atos de fala (e escrita – enfim, em processos comunicativos) previstos no programa de curso. Isso dependerá, naturalmente, do foco do curso em questão e das necessidades, desejos, expectativas e crenças do alunado, bem como do estágio de aprendizagem em que se encontrem e que almejem atingir. O ensino da gramática completa de uma língua por si só não é desejável e não se justifica junto a aprendizes que apenas desejem aprender a comunicar-se em alemão em situações reais.

130 Os autores do livro do professor do primeiro volume da série (studio d A1 – Unterrichtsvorbereitung,

BETTERMANN et al., 2005, p. 14) assim descrevem a proposta de trabalho com conteúdos gramaticais na obra, que denominam “cíclica”: “Aufteilung grammatischer Strukturen in lernbare und funktional

begründbare Teileinheiten: Lernbarkeit vor Vollständigkeit – Mit der Aufteilung der grammatischen Strukturen in lernbare Teile folgen wir Grundprinzipien einer zyklischen grammatischen Progression. Diese zielen darauf ab, die kognitive Belastung und Verarbeitungskapazität der Lernenden nicht zu überfördern und gleichzeitig eine Unterforderung zu vermeiden.

Para Wilkins (1978, p. 1), o ensino passo a passo de conteúdos gramaticais é “the most obvious pedagogic strategy to adopt in planning to meet those objectives”131. Por sua vez, afirma-se acerca da abordagem analítica (Schritte International) que

there is no attempt at this careful linguistic control of the learning environment. Components of language are not seen as building blocks which have to be progressively accumulated. Much greater variety of linguistic structure is permitted from the beginning and the learner’s task is to approximate his own linguistic behaviour more and more closely to the global language. (1978, p. 2)

A partir destas reflexões, elementos de uma de nossas hipóteses de trabalho emergem novamente. A aprendizagem das orações relativas alemãs de acordo com um ou outro tipo de processo traz implicações relacionadas ao uso das memórias. É possível afirmar ser lógico que, a partir da abordagem sintética, a informação processada disponha de mais tempo para seu depósito na memória de longa duração/trabalho (MT) e que, no caso do ensino que tenha como base a abordagem analítica, entre a apresentação dos conteúdos e a aplicação de exercícios não seja plausível esse armazenamento informacional, saturando-se, assim, a limitada MT. Vale lembrar, ainda, que a editoração de livros didáticos de alemão LE pôs no mercado materiais contendo variações de abordagens no tocante à apresentação da gramática. Em dois LD bastante recentes e utilizados na maioria das escolas/institutos onde se ensina a língua em São Paulo, studio d e Schritte International, observa-se, nesse sentido, a adoção de diferentes propostas. Tema de nosso trabalho, essa questão e suas implicações serão tratadas mais adiante, na segunda parte.

Faz-se ainda importante sublinhar, em concordância com o proposto no item 1.4 deste trabalho, que a adesão à abordagem analítica ou sintética em curso não é exclusivamente determinada pelo LD e pela forma como este último propõe a progressão da gramática. O professor, ao desempenhar seu papel criativo, autoral e/ou coautoral no processo de preparação de aulas e de materiais, e tendo-se em conta, também, as prescrições institucionais, pode decidir ensinar em discordância do que o LD sugere, antecipando ou atrasando a apresentação de temas aos estudantes, e tornando analítica uma progressão de conteúdos que o manual sugere como sintética, ou vice-versa.