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3 REFERENCIAL METODOLÓGICO E INSTRUMENTOS DE ANÁLISE

3.2. ESTUDO MORFOLÓGICO

3.2.1. ANÁLISE SINTÁTICA DO ESPAÇO

Em meio às transformações urbanas do século passado e a conseqüente consolidação de novos centros, muitos dos núcleos fundadores brasileiros, incluindo o bairro da Ribeira em Natal, perderam ou sofreram redução em termos de acessibilidade (facilidade de acesso), esvaziando-se e comprometendo o padrão de ocupação e de vitalidade.

Mediante a utilização da Análise Sintática do Espaço pesquisadores19 vêm, desde 1999, buscando estabelecer relações entre a perspectiva global e local do objeto urbano, através da correlação de dados entre configuração espacial, uso de edifícios e estado de conservação do conjunto construído, hoje, e em etapas sucessivas do crescimento de Natal ao longo do século XX. Essa metodologia, desenvolvida por Hillier e Hanson (1984) e colaboradores, busca descrever a estrutura do ambiente construído através da sua representação gráfica e numérica. Empregada a fim de apontar, entre outras características, os efeitos da configuração espacial sobre o padrão de movimento, tanto de veículos como de pedestres, ela possibilita ampliar o entendimento das relações entre composição espacial, facilidade de acesso, diversidade de usos e formação e transformação do conjunto edificado, tanto na escala de um recorte espacial (i.e. Ribeira) quanto em termos de sua ligação com a totalidade da estrutura urbana (i.e. cidade de Natal).

Importante ferramenta na visualização da malha viária segundo graduações de potenciais de integração, através da identificação de eixos de intenso movimento e de possíveis sub-centros ativos, com a Análise Sintática do Espaço é possível medir, quantificar e identificar níveis diferenciados de conexões entre cada via do complexo viário global e, assim estabelecer relações entre todas as ruas da cidade. Quando ocorrem mudanças no desenho urbano altera-se a hierarquia dos caminhos que compõem a tessitura viária e, portanto, a acessibilidade potencial de cada via, e surgem novos padrões de uso.

Os valores de integração traduzem o potencial de acessibilidade de cada via em relação ao complexo ou fração urbana que se está examinando, consideradas todas as jornadas possíveis a partir daquela via através do sistema viário. Vias mais integradas tendem a atrair

19Pesquisadores da MUsA (Base de Pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação do curso de Arquitetura e urbanismo da Universidade federal do Rio Grande do Norte que estuda Morfologia e Usos na Arquitetura).

fluxos mais intensos de movimento de pedestres e/ou veículos. Com isso, o conjunto das vias mais integradas ou núcleo de integração apresenta forte potencial de atração de usos que se beneficiam desse fluxo, sobretudo os estabelecimentos comerciais e de serviços.

A representação linear – ou mapa axial – é obtida através da representação dos espaços (vias, segmentos de via, largos etc.) pelo número mais reduzido das mais longas linhas retas, de modo a indicar todos os possíveis percursos diretos através desses espaços. Este procedimento de modelagem de ocupação urbana vem se consolidando como um dos instrumentos de quantificação de acessibilidade potencial da malha viária mais amplamente testado em estudos da configuração espacial em diversos países (HILLIER & HANSON, 1984; HILLIER, 1996).

Aplicativos computacionais especialmente desenvolvidos para análise sintática do espaço (TURNER, 2004) numeram as linhas e constroem uma matriz de conexões que baseia o cálculo de todas as possibilidades de cruzamentos a partir de cada linha e em relação a todas as outras existentes no complexo, ou até o limite de conexões que se queira investigar.

Técnicas de representação linear – ou axial – foram aplicadas à malha viária de Natal em momentos sucessivos de sua expansão urbana produzindo resultados que revelaram relações importantes entre determinados estágios de desenvolvimento da ocupação viária e a construção e transformação dos edifícios nos antigos bairros centrais. A figura 1 mostra o processo de construção de um mapa axial a partir do exemplo das representações lineares da malha viária de Natal para o ano de 1924 (TRIGUEIRO, MEDEIROS & RUFINO, 2006).

Figura 1: Ilustração das etapas de representação e quantificação do processo de construção de um mapa axial. (FONTE: TRIGUEIRO, MEDEIROS & RUFINO, 2006).

O valor resultante desse cálculo indica o potencial de acessibilidade – ou valor de

integração – de cada linha em relação à estrutura espacial objeto de estudo. Esses valores são

expressos em escala numérica, e esta é traduzida automaticamente, pela maioria dos aplicativos, em escalas gráficas, em tons de cinza, espessura de linha ou seqüência cromática

que vai, comumente, do vermelho (maior acessibilidade potencial) para o azul marinho (menor acessibilidade potencial), passando por tons intermediários como o roxo, magenta, malva, lilás (Figura 2 à esquerda) ou o laranja, o amarelo, o ocre e vários tons de verde e azul (Figura 2 à direita)20. É necessário dizer que os tons ou escalas cromáticas da representação linear ou mapa axial são uma tradução computadorizada das escalas numéricas resultantes do cálculo das matrizes, cujos valores são distribuídos automaticamente pelo aplicativo (Figura 2).

Figura 2: Ilustração das etapas de observação e correlação do processo de construção de um mapa axial. (FONTE: TRIGUEIRO, MEDEIROS & RUFINO, 2006).

Na base deste instrumento analítico está a noção de configuração espacial como “conjunto de relações interdependentes, no qual cada uma é determinada por suas relações com todas as outras” (HILLIER, 1996: 35), e a proposição central de movimento como “correlação fundamental da configuração espacial”. Hillier (1996:149-152-182) define “cidades como economias de movimento” fundamentando-se na premissa de que, através da malha viária, as cidades transformam-se em “mecanismos de gerar contatos” entre pessoas e atividades.

20 Informações sobre as fórmulas utilizadas para esses cálculos, bem como sobre outros tipos de procedimentos metodológicos da análise sintática do espaço são exaustivamente expostas nos estudos de Hillier e Hanson aqui referenciados. Na modelagem da esquerda foi utilizado o “spatialist”, aplicativo desenvolvido por pesquisadores do Georgio Tech, Atlanta; no da direita, o Depthmap, desenvolvido por Alasdair Turner do University College London, Londres.

Considerando que pessoas (e veículos) tendem a mover-se em linhas e a buscar as rotas mais diretas entre origem e destino, o modo como cada linha se conecta na malha viária facilita (ou dificulta) sua acessibilidade potencial em relação às demais, bem como a presença ali de determinados usos do solo, uma vez que quase toda função urbana é afetada por fluxos de movimento.

Depois de desenvolver as fases de representação e quantificação se torna possível relacionar os resultados obtidos com outros dados existentes, observáveis ou coletados em campo (como estado de conservação/preservação de edificações, uso do solo, valor imobiliário, ocorrências de determinados fenômenos sociais etc.) e assim avaliar efeitos da expansão/alteração na configuração espacial urbana global sobre a transformação do conjunto construído de determinadas áreas da cidade, e, conseqüentemente, da perda ou risco envolvendo o patrimônio construído.

Estudos realizados por Trigueiro (et al, 2006), que tratam dos efeitos que a mudança na integração espacial exerce sobre o uso do solo e a conservação do patrimônio arquitetural, vêm apontando na direção de mudanças configuracionais relevantes e demonstram que o intenso ritmo de transformação que vem atingindo os bairros mais antigos, associa-se, principalmente, ao processo de modificação da configuração espacial viária decorrente da dinâmica de expansão da cidade de Natal.

Mostrando uma tendência recorrente, os estudos também indicam que ruas, inseridas em um novo núcleo de integração global da cidade, costumam atrair a construção de edifícios institucionais e residências de alto padrão e, num segundo estágio, quando o núcleo cresce e se expande, atrair edificações de uso comercial e de prestação de serviços de escalas e importância variadas (TRIGUEIRO & MEDEIROS, 2003). Outra constatação é a de que, a cada deslocamento do núcleo de integração global, alteram-se os usos dos edifícios formando uma onda de construção e reconstrução.

3.2.2. APLICAÇÕES DO GEOPROCESSAMENTO EM ESTUDOS DO AMBIENTE