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RELAÇÕES ENTRE VULNERABILIDADES A AÇÕES ANTI-SOCIAIS E SENSAÇÕES DE MEDO E INSEGURANÇA NO AMBIENTE CONSTRUÍDO

3 REFERENCIAL METODOLÓGICO E INSTRUMENTOS DE ANÁLISE

3.2. ESTUDO MORFOLÓGICO

3.2.3. RELAÇÕES ENTRE VULNERABILIDADES A AÇÕES ANTI-SOCIAIS E SENSAÇÕES DE MEDO E INSEGURANÇA NO AMBIENTE CONSTRUÍDO

Argumenta-se que atitudes relacionadas ao medo e a sensação de insegurança associam-se, muitas vezes, à presença de determinados atributos físico-espaciais. Isto pode ser percebido em situações corriqueiras do dia-a-dia, como, por exemplo, caminhar com tranqüilidade nas calçadas. Há uma diferença perceptível na impressão de medo e insegurança que se tem ao passar por uma rua onde as construções têm apenas muros altos e opacos (impedindo qualquer tipo de contato visual com o interior) e ao passar por uma rua onde se tem muros baixos ou vazados (onde é possível ao menos sentir a presença humana). Uma situação ainda pior ocorre quando se caminha na calçada de um condomínio fechado no qual todas as construções são voltadas para dentro impedindo qualquer tipo de relação entre espaços público e privado. “As calçadas, os usos que as limitam e seus usuários são protagonistas ativos do drama urbano da civilização versus a barbárie” (JACOBS, 2000:30).

Contudo, boa parte destes atributos, facilmente percebidos como tal no ambiente (os famosos ‘lugares esquisitos’ na linguagem coloquial), são dificilmente identificados em mapas e plantas. Estudos vêm utilizando novas formas de representar estes atributos, identificados por Chiaradia & Trigueiro (2005). E daí utilizados como base para intervenções preventivas ou corretivas.

Estudos anteriores (TOWN; DAVEY; WOOTTON, 2001) têm demonstrado que a configuração resultante de decisões sobre a morfologia das edificações e dos espaços públicos pode gerar potenciais distintos de movimento e fluxos de uso que operam na região como um todo. Atributos formais específicos e padrões de combinação desses atributos vêm se mostrando armas poderosas no combate ao crime e à insegurança na medida em que promovem vitalidade.

A noção de territorialidade e de espaço defensável em Newman (1973) foi, em grande medida, a base teórica do Situation Crime Prevention – SCP, que explora relações entre forma construída e vulnerabilidade a ações anti-sociais partindo da idéia de que sensações de medo e insegurança são, em parte, decorrentes de atributos físicos específicos, bem como a maneira com que esses se relacionam.

A partir do SCP outros estudos sobre a vulnerabilidade a ações criminosas e ao comportamento anti-social foram gerados. Entre os mais referidos estão: o Crime Prevention

Through Environmental Design – CPTED – presente nos EUA, Canadá, Austrália e Reino

Unido que visa prevenir práticas criminosas através da análise e intervenção sobre o ambiente construído; o Secured By Design – SBD – visa prevenir ações anti-sociais e reduzir gastos públicos com segurança por meio de uma parceria entre população envolvida e polícia a partir da idéia de que a própria comunidade defende a si mesmo; o Design Against Crime – DAC – que visa, além da prevenção de ações anti-sociais por meio de intervenções no espaço construído, a precaução ao crime pela educação e prática profissional.

Com base nas diretrizes desses estudos, vários documentos foram gerados trazendo recomendações sobre planejamento comunitário e exemplos de intervenções em trechos urbanos que utilizam como estratégia principal à modificação ou a substituição de certos atributos morfológicos que conferem ao local sensação de medo e insegurança.

Safer Places – The Planning System and Crime Prevention é um exemplo de

documento que contém diretrizes para prevenção de criminalidade. Gerado por autoridades inglesas ligadas ao Ministério e ao Departamento do Planejamento Urbano Inglês, este guia ilustra atributos morfológicos relevantes na prevenção contra o crime, entre eles acessibilidade e movimento, vigilância (através de espaços com mais visibilidade), lugares que transmitem sensação de pertencimento (ou identidade), como atributos morfológicos que podem incentivar ou inibir a vulnerabilidade ao crime e ações criminosas. Outro exemplo é o trabalho de Town, Davey, Wootton (2001) que desenvolveram um guia com exemplos de intervenções no ambiente construído para áreas residenciais utilizando o DAC – Secure

3.2.3.1. ALGUNS EXEMPLOS DESSAS RELAÇÕES...

A Figura 5 mostra um corredor longo e sujo com fachadas formadas por paredes cegas que estimulam sensações de medo e insegurança (como não existem saídas laterais em caso de eventuais ações criminosas, os únicos pontos de fuga são as duas entradas do corredor).

Figura 5: Corredor de paredes cegas com lixo exposto: um exemplo de um local apropriado ao crime ou à ações anti-sociais. Fonte: Safer Places – The Planning System and Crime Prevention.

O senso de territorialidade pode ser percebido em limites físicos e simbólicos fortemente definidos, que, normalmente dão a impressão de assegurar sensações de segurança. O ambiente urbano pode ser controlado por seus residentes, afinal, como afirma Jacobs (2000:29) “quando as pessoas dizem que uma cidade, ou parte dela, é perigosa ou selvagem, o que querem dizer basicamente é que não se sentem seguras nas calçadas”. A Figura 6 representa um atributo morfológico que pode inibir ou dificultar impressões relacionadas ao medo e a insegurança. Com ampla visibilidade, a janela abaixo representada estimula a sensação de co-presença, diminuindo a barreira visual entre os espaços público e privado, permitindo uma maior vigilância das ruas por parte dos moradores.

Figura 6: Tipo de janela que permite uma ampla visibilidade. Fonte: Safer Places – The Planning System and Crime Prevention.

Já a Figura 7 mostra uma situação onde certos atributos físicos (janelas de vidro com visibilidade interna), somados a atributos funcionais (diversidade de atividades no mesmo edifício), transmitem sensações de movimento e estimulam a vigilância do local através dos próprios freqüentadores.

Figura 7: Ex. de vigilância e movimento: um local com mesas no espaço público que pode incentivar o movimento e estimular a segurança através “dos olhos na rua". Fonte: Safer Places – The Planning System and

Crime Prevention.

3.2.3.2. MAPEANDO VULNERABILIDADE POTENCIAL (OU PERCEBIDA) NA RIBEIRA

Como se irá referir no capítulo 4 – Ciclos da Ribeira, a sensação de insegurança, decorrente muitas vezes do estado de conservação dos imóveis, tem sido apontada como um dos principais fatores para a imagem negativa da Ribeira (ELALI, 2007). Acreditando que estratégias preventivas ou corretivas no desenho urbano podem contribuir para a redução da sensação de vulnerabilidade a ações criminosas nas ruas da Ribeira, foi desenvolvido um estudo22 sobre permeabilidade e visibilidade do bairro contemplando atributos mencionados acima, através do qual foram utilizadas categorias de interface edifícios/espaço público, em princípios morfológicos do campo metodológico do Situation Crime Prevention – SCP.

Além dos atributos morfológicos, foram observadas características funcionais (i.e. uso do solo, atividades em horários de funcionamento diversos) que, somadas às características físicas, aumentam ou diminuem sensações de medo e insegurança. Por esta razão, e pelo fato deste ser um estudo vinculado ao turismo cultural, portanto se relaciona com eventos culturais realizados muitas vezes à noite, sentiu-se a necessidade de observar quais atividades permanecem abertas fora do horário comercial.