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ANÁLISES COLETIVAS DOS PROCESSOS DE TRABALHO

Em nossas conversas, algumas condições se destacaram como impedimentos à abertura de espaços de diálogo. Algumas dessas condições seriam salários, cargas de trabalho, desgaste físico/mental, recursos materiais e investimentos em formações. Esses impedimentos foram discutidos em uma roda de conversa em que uma participante relatou um trabalho realizado com os alunos, no qual conversaram sobre a “escola que temos e a escola que queremos”. “Fiquei impressionada quando a criança disse que a escola parece cadeia, cheia de grades, pintada com cor apagada e só tem trinta minutos de recreio” (FRAGMENTOS DE DIÁRIO DE CAMPO). A professora ponderou que as crianças são sensíveis à realidade; não passivas ou ingênuas como, muitas vezes, acreditamos que sejam. Nesse dia, o poema “Se essa escola fosse minha” serviu de disparador à discussão. Conversamos sobre as perspectivas do professor para a organização da escola.

“No meu sonho, o professor só trabalha em um horário e o salário é muito bom. Extensão de carga horária é proibida e você tem que dar conta do recado com o bom salário que tem. Nosso trabalho é muito desgastante para ser em dois horários. Mas é só sonho, viu gente!”.

“Muita gente vai trabalhar na escola pública, porque acha que tem menos cobrança, mas acaba descobrindo que é mais desgastante”.

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Em sua fala no I Seminário sobre Saúde do Trabalhador da Educação de Serra (23 Out. 2014), Helder Pordeus Muniz mencionou uma expressão que nos chamou bastante a atenção: paciência histórica. No momento, ele estava se referindo à nossa (dos pesquisadores e trabalhadores envolvidos na estratégia curso) ansiedade em ver resultados rápidos. Essa expressão nos ajuda a pensar no compartilhamento de registros, na medida em que entendemos que sujeitos se produzem pelo cultivo de práticas. “Antes de colher os frutos, você precisa plantar, esperar germinar, cuidar da plantinha, ver se ela esta recebendo sol para fazer a fotossíntese, regar todos os dias” (FRAGMENTOS DE DIÁRIO DE CAMPO).

“Geralmente, todo material que peço, eu consigo. Há alguns investimentos na educação, mas os cursos de formação não correspondem às nossas demandas e são ministrados fora da carga horária de trabalho”.

“Somos desvalorizados não só em questão de salário. Veja só, a Secretaria tem o café, porque nós que estamos no chão das escolas não podemos ter direito de comprar um cafezinho com verba pública?!”.

Sonhos e realidades misturam-se formando um ideal de escola, onde trabalhadores da educação tenham carga horária reduzida, sejam reconhecidos socialmente e recebam recompensa pecuniária justa, dispondo de recursos necessários à realização de suas atividades e de investimentos em formações que, de fato, instrumentalize-os para o trabalho (FRAGMENTOS DE DIÁRIO DE CAMPO).

Muitos professores trabalham em dois turnos, matutino e vespertino, e, ainda por cima, em duas escolas muito distantes umas das outras. Afora o desgaste da jornada dupla, gastam um tempo que poderia ser de descanso em deslocamentos. Esses deslocamentos implicam, ainda, em entraves no uso de dispositivos do território, como por exemplo: Estratégia de Saúde da Família e Unidade de Pronto Atendimento; visto que devem ser atendidos no bairro em que residem, mas passam o dia inteiro trabalhando em locais diversos.

O professor precisa pegar muitas aulas ou dois cargos, tendo em vista fechar o mês no “roxo”, para não dizer ora vermelho ora azul. Isso quando não há um terceiro turno (noturno) e outras atividades que não a docência para complementar a renda. E assim vai sobrevivendo a cada dia assoberbado de trabalho, levando a vida apressadamente e produzindo práticas inconsistentes que não refletem sobre seus efeitos na consubstanciação da educação pública.

O horário de planejamento (PL) acontece nas janelas; horas/aulas vagas do regente quando a turma está na responsabilidade do professor de Educação Física e/ou de Língua Estrangeira. Alguns dão sorte de ter mais de uma janela seguida, de modo que o tempo não fique muito picado. No caso dos professores de disciplinas específicas, o PL acontece em um único dia/período e segue um calendário que engloba toda a rede, podendo se realizar no centro de formação dos professores de Serra.

Está previsto no Estatuto que regulamenta a docência no município (PREFEITURA DE SERRA, 1999) que um quinto da carga de trabalho seja destinada ao PL, a ser realizado dentro do próprio estabelecimento de ensino ou em local destinado pela Secretaria de Educação. Este horário é reservado à preparação e avaliação do trabalho didático, colaboração com administração da unidade de ensino, reuniões pedagógicas, articulação com a comunidade e aperfeiçoamento profissional de acordo com a proposta pedagógica de cada unidade de ensino. Muitas atividades para pouco tempo, não é mesmo?!

PL e reuniões pedagógicas, geralmente as únicas oportunidades efetivas de encontro, são consumidos por formalidades institucionais, tais como preenchimento de fichas, assuntos pontuais, informações, etc. Consequentemente, os professores não têm espaços de diálogo assegurados dentro da carga horária de trabalho e acabam levando um bocado de trabalho para casa.

Planejamento e formação caminham de mãos dadas, pois ao analisarmos nossas práticas (avaliação) e estabelecermos direções para o trabalho (planejamento de atividades), estamos intervindo de maneira direta no campo e em nossos modos de lidar com situações cotidianas, tanto as previstas quanto as inusitadas. Há de se pensar, nesse sentido, a razão pela qual o PL fica tão constringido na docência e privado de práticas coletivas, como espaços de diálogo entre os trabalhadores.

PL, reuniões pedagógicas e outros dispositivos, assim como a COSATE, podem se constituir em espaços de diálogo, nos quais se oferece um cenário aos sujeitos, confrontando- os com suas próprias experiências, seus contextos ambientais e circunstâncias de vida. Os espaços dialogais de formação produzem circunstâncias de interação renovadas, nas quais o sujeito se confronta com o outro, consigo mesmo e com aquele que havia sido em uma situação anterior. Compartilhando experiências, os sujeitos começam a pensar em suas práticas cotidianas e a compor diferentes modos de agir. Nessa perspectiva, promovendo espaços de diálogo, aproximamo-nos de uma concepção de gestão que não é anterior e nem se separa do próprio trabalho.

Propostas oferecidas como pacotes de conhecimentos a serem aplicados, apesar de bem intencionadas e eventualmente fundamentadas em práticas que se deram em algum contexto, não caminham na direção que estamos apontando de valorização do saber-fazer dos trabalhadores. Entendemos que a formação deve ser pautada em problemas que se produzem no cotidiano, porque, mesmo que as situações especificamente tratadas não sejam aplicáveis em larga escala, elas dizem de como se experimenta o trabalho em determinadas circunstâncias.

Se não há uma receita de bolo a seguir ou um pacote de conhecimentos a serem transferidos/distribuídos, com o que se trabalha em um curso de formação em saúde do trabalhador? Com analisadores que se constroem para realizar análises coletivas dos processos de trabalho, possibilitando borramento dos limites das relações instituídas e estabelecimento de novas formas de organização.