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CAPÍTULO II REVISÃO BIBLIOGRÁFICA INTERLOCUÇÕES TEÓRICAS

2.4 Estudos da evasão no campo do ensino superior brasileiro e a teoria de Tinto

2.4.2 Análises da evasão em âmbito internacional

Uma contribuição teórica para o tema é originária do debate que se iniciou nos Estados Unidos (EUA), na década de 1950. Esse debate tem os estudos de Tinto (1975, 1997) como uma de suas principais referências. Tinto (1975) desenvolve um modelo explicativo da evasão que leva em conta algumas teorizações acerca do tema, mediante observações empíricas realizadas nos EUA. Esse modelo pode ser associado às análises feitas pela Comissão Especial para o Estudo da Evasão nas Universidades Brasileiras, visando complementá-las. Assim, baseada na concepção de Durkheim sobre o suicídio17 e na noção de custo-benefício18 proveniente da economia da educação, Tinto (1975, 1997) estabelece que a evasão acontece

17 Segundo Durkheim, chama-se suicídio todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo

ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela sabia que produziria esse resultado. Interessa ao sociólogo, entender como cada sociedade tem, em cada momento de sua história, uma disposição definida para o suicídio. Portanto, interessa à sociologia analisar as causas por cujo intermédio é possível agir, não sobre os indivíduos isoladamente, mas sobre o grupo. Entre os fatores dos suicídios, os únicos que lhe concernem são os que fazem sentir sua ação sobre o conjunto da sociedade. As taxas de suicidios são o produto desses fatores. Por isso, devemos nos deter nelas (DURKHEIM, 2004, p. 14).

18 A noção de custo-benefício proveniente da economia da educação resulta da ideia de que o consumo de educação

é um investimento na aquisição de habilidades e conhecimentos que irão resultar em aumento de seus rendimentos ou fornecer benefícios de longo prazo. (WALTENBERG, 2006).

quando o indivíduo não está completamente integrado ao sistema acadêmico e social da universidade ou quando ele avalia que o retorno de determinado empreendimento educacional não é vantajoso. Para Tinto (1975, 1997), esses dois pilares são interdependentes e explicam o comportamento da evasão dos estudantes nos cursos ou na instituição.

Tinto esclarece que o comportamento de evadir consiste num processo de interações longitudinais. Dessa maneira, o indivíduo com um conjunto de características interage no sistema social e acadêmico da faculdade, e o resultado desse processo interativo conduzirá à permanência ou a variadas formas de evasão.

Como proposta teórica, Tinto (1975, 1997) revisita estudos para preencher as relações entre os elementos do seu modelo explicativo e apresenta alguns pressupostos para a compreensão das diferentes formas do comportamento na evasão. Considera que, a despeito de existir grande volume de estudos, poucos permitem isolar variáveis independentes dos fatores que interferem na evasão. Desse modo, discorre sobre significativos resultados que se associam à permanência, dentre os quais destacamos: o status socioeconômico se revela inversamente relacionado à evasão; a renda tomada de forma isolada é menos determinante para a permanência que a qualidade das relações familiares e suas expectativas com relação à educação dos filhos; o nível de expectativa dos pais influencia a própria expectativa dos filhos, como também a sua permanência na faculdade; a expectativa educacional é tanto mais alta quanto maior é o status social do estudante; o desempenho é o melhor preditor para a permanência desde que as habilidades do estudante possibilitem as realizações exigidas naquele meio; a evasão é um comportamento mais impulsivo que persistente; o mais alto nível de planos (educacionais e de carreira) constitui o maior preditor para a permanência; o desenvolvimento intelectual como parte integral do desenvolvimento da personalidade da pessoa e como reflexo de sua integração dentro do sistema acadêmico relaciona-se à persistência; o grau de congruência entre o desenvolvimento intelectual do indivíduo e o clima intelectual da instituição é o elo que garante a permanência; outros fatores indiferentes à integração social aumentam a probabilidade de a pessoa permanecer na faculdade, etc.

O modelo explicativo da evasão proposto por Tinto constitui um avanço ao conceber a manifestação do fenômeno da evasão como o resultado de um processo de interações longitudinais entre o indivíduo e o sistema acadêmico e social da faculdade, que ocasionaria a decisão de se desligar ou permanecer no curso. Entender essa questão como um processo nos permite aprofundar o entendimento do desencadeamento de uma determinada ocorrência de forma a não reduzi-la ou superestimá-la, ocasionando consequências pouco positivas para o

desenvolvimento das instituições de ensino superior brasileiras e para o sistema social como um todo.

Tinto (1975, 1997) explicita que as experiências da pessoa no sistema acadêmico e social da faculdade (como medidas de sua integração normativa e estrutural) modificam continuamente o objetivo individual e os compromissos com a instituição, de forma a conduzi- la à persistência ou à evasão. Segundo o modelo de Tinto, os indivíduos entram em instituições de ensino superior com uma variedade de atributos (idade, sexo, etnia, habilidades, etc.), experiências escolares anteriores (trajetória escolar anterior, média de pontos de desempenho, objetivos acadêmicos e sociais) e background da família (status social, valores, intenções e expectativas, características de apoio, etc.). Cada uma dessas características tem impacto sobre o desempenho na faculdade.

Em seguida, as expectativas ou intenções educacionais e os compromissos individuais (tais como o compromisso com o objetivo e com a instituição), trazidos para o ambiente da faculdade, são influenciados pelas características anteriores e atributos individuais. Esses compromissos e expectativas interferem na integração acadêmica e social, sobretudo no que diz respeito à continuidade dos estudos dentro da instituição. A sala de aula constitui um espaço de aprendizagem, de contato acadêmico e um local para interações sociais, embora a relação aí estabelecida se estenda para fora desse limite físico, uma vez que o envolvimento do estudante com a comunidade acadêmica e social emerge da experiência da sala de aula.

Finalmente, a renovação do compromisso inicial, com o objetivo de completar a faculdade, e seu compromisso com a instituição, representados pelas formas de integração acadêmica e social, ao final do processo, determinam se o indivíduo decide evadir ou não, e a forma do comportamento da evasão.

Tinto (1975, 1997) enfatiza o real efeito que a percepção da realidade tem sobre o observador e no processo de permanência. Assim, considera que, por muitas razões, pessoas de variadas características poderiam manter diferentes percepções de situações aparentemente similares, de modo que a percepção do indivíduo é importante com relação à sua integração acadêmica e social, ou seja, sobre a sua avaliação dos custos e benefícios dessa integração e as formas alternativas de atividade. Para ele, essas percepções são influenciadas pelas características do indivíduo e do ambiente da faculdade, conduzindo a maneira de interação entre o indivíduo e a instituição e a instituição e o indivíduo.