• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – Planos Nacionais e Experiências no Brasil

4.1 Análises e propostas

A análise de projetos e proposta sobre diversos âmbitos relacionados ao transporte urbano e à circulação das pessoas é importante base para a formulação de um amplo projeto de planejamento urbano pautado em usos mais equilibrados do solo e melhores condições de circulação pela cidade.

Os projetos de melhoria da mobilidade urbana em curso no município de Campinas desenvolvidos pela EMDEC, junto à Secretaria Municipal de Transportes, têm se mostrado positivos, principalmente no que se refere à qualidade do serviço de transporte público. Entre eles podemos destacar: a implantação da bilhetagem automática com tarifa única delimitada por

região central e em outros pontos estratégicos da cidade, o que tem permitido melhor qualidade e maior rapidez ao serviço de transporte público; a aplicação da lei de acessibilidade universal nestes mesmos locais, como rampas de acesso, piso tátil, elevadores em parcela dos ônibus etc.; regras vigoradas nos contratos de concessão de prestação de serviço com as empresas de ônibus sobre as tarifas e as condições de operação, como modernização da frota, treinamento de motoristas, adequação dos ônibus às regras definidas pelos Planos Diretores de Mobilidade Urbana, que serão apresentados mais adiante etc.

No entanto, projetos que ponham em patamar prioritário o pedestre na circulação urbana e que procurem interrelacionar uso e ocupação do solo e transporte urbano ainda são encontrados em Campinas. O que se segue abaixo é a apresentação e discussão de duas experiências que podem servir como ponto de partida para a realização de novos projetos que visem a melhoria da mobilidade urbana no município.

A primeira é um projeto de melhoria da circulação de pedestres posto em prática na cidade de Brasília / DF. Essa tem se mostrado, ao longo dos anos, a principal experiência no país de priorização do pedestre no espaço público urbano, seguindo uma das diretrizes do Projeto de Lei da Mobilidade que aponta para a “prioridade dos meios não-motorizados sobre os

motorizados, e dos serviços de transporte coletivo sobre o transporte individual motorizado”.

(Machado, 2007, pág. 62 ) (PL 1867/2007)

A segunda é uma pesquisa realizada na cidade de Presidente Prudente / SP que considera outras variáveis além das usadas nas atuais pesquisa de origem-destino, usadas como base para o planejamento de políticas públicas nas cidades brasileiras. Pelo estudo é possível identificar a possibilidade de se realizar a descentralização urbana por meio da criação de subcentros capazes de melhorar a mobilidade da população em geral.

Implementado no Distrito Federal brasileiro, em meados da década de 1990, este amplo projeto de respeito ao pedestre no espaço urbano, denominado “Paz no Trânsito”, envolveu diversos órgãos e entidades públicas. Segundo a pesquisadora Vívica Lé Sénéchal Machado:

“Em 25 de julho de 1995, o Governo do Distrito Federal (GDF) criou o Programa de Segurança para o Trânsito (Decreto no 16.645), coordenado por um Colegiado constituído pelos Secretários de Segurança Pública, de Transportes, de Obras, de Educação, de Saúde e de

Comunicação Social, tendo como objetivo a redução substancial dos acidentes de trânsito no Distrito Federal. (MACHADO, 2007, pág. 38)

“O programa tinha como proposta a implementação de 10 medidas de ação: eliminar o

excesso de velocidade, eliminar o uso excessivo de bebidas alcoólicas pelos condutores, fazer cumprir as normas de trânsito, intensificar as ações de educação no trânsito, aumentar as condições de segurança na malha viária, melhorar o atendimento médico aos acidentados do trânsito, manter os veículos em condições adequadas de segurança, aperfeiçoar a legislação de trânsito, padronizar o acompanhamento estatístico e priorizar a circulação de pedestres, de ciclistas e do transporte coletivo.” (MACHADO, 2007, pág. 52)

Em 1996 foi criado o programa Paz no Trânsito, por meio do Decreto n 17781, ampliando a atuação do programa anterior. A medida mais impactante foi a fiscalização efetiva dos guardas de trânsito às faixas de pedestre. Após grande campanha realizada na mídia, e a instalação de sinalização adequada aos motoristas, a condição de prioridade ao pedestre nas vias de circulação passou, efetivamente, a ser respeitada.

“Em três anos Brasília passou de 11,9 mortos por 10.000 veículos em dezembro de 1995, para 5,5 em maio de 1998. O número de mortos passou de 826 em 1995 para 431 em 1998, o que fez com que 827 pessoas deixassem de morrer nesses três anos. Pode-se dizer que o efeito foi de um ano sem mortes no trânsito. A velocidade média caiu assustadoramente nas principais vias de tráfego. Por exemplo, passou de 94 km /hora, no eixo Leste Norte para 55 km/hora; na L4 Sul, de 103 km/hora para 69 km/hora; na W4 Norte, de 82 km/hora para 43 km/hora. Os motoristas, inicialmente com fiscalização e depois por cidadania, adotaram o respeito à faixa de pedestre nas cidades satélites e no Plano Piloto (patrimônio Histórico). O principal eixo rodoviário, conhecido até então como "Eixo da Morte" passou por uma revolução. Antes da implantação do controle eletrônico de velocidade foi constatado que 85% dos veículos ultrapassavam a velocidade da via. Depois de implantados, apenas 1,4% dos veículos trafegavam acima do limite. Em três meses de implantação este percentual baixou para 0,8%.” (MACHADO, 2007, pág. 70)

O projeto serve de exemplo às demais cidades, brasileiras ou não, para pôr em prática o que já existe no código nacional de trânsito: a prioridade do pedestre frente aos veículos motorizados e não motorizados.

Efetivar a prioridade ao pedestre representa um passo muito importante para garantir a cidadania nos meios urbanos. Como dito anteriormente, todo indivíduo é pedestre, seja de maneira completa, quando realiza todos os seus percursos desejados, seja de forma complementar, quando realiza parte do percurso como pedestre e parte usando um ou mais meios de transporte, motorizado ou não. Apenas por esse motivo já é possível creditar ao pedestre o privilégio nos deslocamentos. Além disso, considerando que a manutenção da vida dos indivíduos é mais importante do que qualquer objeto, e considerando que os indivíduos estão sempre mais expostos a acidentes quando circula como pedestre, sua prioridade e proteção é ainda reafirmada.

Entretanto, a criação de mecanismos, físicos e/ou jurídicos, que garantam essa prioridade, gera perda de eficiência dos meios de transporte, individuais e coletivos. Por isso, sobretudo na sociedade atual, em que o tempo se torna cada vez mais escasso para a reprodução capitalista, efetivar políticas públicas nesse sentido significa interferir diretamente na dinâmica de circulação da e na cidade. O constante jogo de forças entre aqueles que defendem o pedestre como prioritário no espaço urbano e os que defendem os meios de transporte é verificado em cidades onde se busca priorizar o pedestre.

Em sua tese de doutorado, a autora Sílvia Regina Pereira faz um estudo minucioso dos níveis de mobilidade que os habitantes de Presidente Prudente / SP possuem. Para isso, ela opta por um levantamento qualitativo de entrevistados, levando em consideração áreas de inclusão/exclusão para selecionar os locais de residência dos escolhidos a participar da pesquisa, as diferenças de poder aquisitivo e os diferentes meios de deslocamentos utilizados por eles para realização das atividades de trabalho, educação, saúde, lazer, esportiva e o consumo de bens e serviços na cidade. (PEREIRA, 2006)

Por meios dos dados levantados nas entrevistas pela pesquisadora sobre a espacialização dos deslocamentos realizados por cada indivíduo, foi possível identificar importantes diferenças dos graus de mobilidade, de acordo com a distribuição pela área urbana dos locais onde as atividades são realizadas, com a renda mensal, e com o meio de transporte usado para circular pela cidade.

Essa metodologia, a nosso ver, pode ser efetuada em outras áreas urbanas, desde que seja considerada cada especificidade. Em Campinas, por exemplo, é quase certo que as populações que vivem em determinadas regiões da cidade (oeste e sudoeste, por exemplo) apresentam mobilidade reduzida em relação as que vivem em outras (leste e norte). Desse modo, as propostas apontadas pela autora, podem também ser consideradas, mesmo que seja preciso uma análise posterior mais aprofundada. Uma de suas principais propostas é a criação de subcentros, que teriam o papel de reduzir os percursos realizados diariamente e possibilitaria o uso de transporte não motorizado. Nesse contexto, Pereira apresenta as seguintes questões:

A constituição de subcentros é considerada, no caso do policentrismo, como um tipo de estruturação que se faz presente em muitas cidades, tanto européias quanto latino-americanas e que, a nosso ver, poderia contribuir para: - facilitar a acessibilidade aos meios de consumo coletivo, à medida que eles fossem sendo descentralizados nesses vários núcleos urbanos, e; - ampliar e melhorar a eficácia da circulação, já que os fluxos não precisariam ser todos para a área central. Isso não quer dizer que a mobilidade tenha que ser propiciada somente nas imediações desses núcleos, mas a utilização desses subcentros estaria atrelada a uma acessibilidade para a cidade como um todo, por meio de um sistema de transporte público eficaz e mais descentralizado, comparativamente à constituição de sistemas de transporte coletivo exclusivamente radiais, cujos fluxos convergem somente para a área central principal.. (PEREIRA, 2006, pág. 61)

Se a equidade universal do espaço não é possível no contexto contemporâneo de nossa sociedade, é possível realizar ações que busquem a diminuição das desigualdades de mobilidade urbana, pois há uma relação de interdependência entre o grau de mobilidade e a equidade espacial, como apontado por Flávia Ulian:

A equidade espacial, entendida como a distribuição balanceada dos benefícios da urbanização em toda a área urbana, ‘pode refletir o grau de mobilidade e acessibilidade dos indivíduos, dada a distribuição das oportunidades da área’. Quanto mais equidade espacial, menos necessidade de longos deslocamentos, já que haveria uma distribuição equilibrada das

A criação de subcentros deve vir acompanhada por uma política de adensamento urbano controlado, cuja finalidade seria diminuir os vazios urbanos e sua consequente pressão especulativa sobre o preço dos imóveis e terrenos, que interferem de maneira negativa na criação de políticas públicas eficientes e menos onerosas.