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CAPÍTULO 1. Noções teóricas

1.3 Deslocamento das forças produtivas

Sob o capitalismo, a circulação assume um elemento essencial para o deslocamento da força de trabalho, fazendo a ligação entre a casa, o local de trabalho e as demais atividades de reprodução, enquanto pertencente à determinada classe social. O predomínio destes deslocamentos em nossa sociedade nos coloca questões que serão discutidas mais à frente nesta pesquisa, mas é possível adiantar que a cidade, detentora de espaços de circulação, teve que se adequar, ao longo da história, à chegada e tomada do capitalismo.

No Brasil, buscou-se, durante o início da industrialização, construir vilas operárias próximas das fábricas, cujos objetivos eram manter o controle sobre o operariado, diminuir o déficit habitacional inflado pelo crescente êxodo rural e tentar diminuir os custos de deslocamentos. Entretanto, conforme as relações capitalistas foram se tornando mais complexas e as cidades aumentando cada vez mais de tamanho, os donos das indústrias passaram às mãos do Estado a função de construir moradias para os trabalhadores e seus familiares3. A logística, a

partir de então, passam a representar um ingrediente ainda mais importante na cadeia produtiva. (VASCONCELLOS, 2001)

Seja pela iniciativa privada ou pública, os espaços de circulação tiveram que ser construídos ao longo da história e os meios de circulação cada vez mais aperfeiçoados para facilitar os deslocamentos populacionais. Se tempo é dinheiro para o capitalista, quanto menos perdermos tempo, entre um lugar e outro, melhor. David Harvey comenta que o tempo de giro do capital, quando as empresas realizam o caminho da descentralização industrial, tende a aumentar, e o lucro vai depender de investimentos em infra-estrutura para reduzir os custos de produção. (HARVEY, 2001). O autor não cita o transporte da força de trabalho em específico, mas é dedutível que este custo também deve ser reduzido, por meio de infraestruturas, para garantir maior eficiência da produção industrial. O interesse dos empresários da indústria e do comércio de que seus funcionários sejam transportados o mais rápido possível, pelo menor preço, e com maior conforto possível, para que eles estejam descansados para realizar melhor o trabalho, configura-se em um fator de grande relevância no momento dos investimentos públicos e privados no sistema de transporte.

Contraditoriamente, os empresários de ônibus, que recebem a concessão do serviço de transporte, querem transportar seus usuários gastando o menor valor possível, o que significa abrir mão da qualidade dos serviços prestados (menos ônibus em circulação para transportar o maior número de pessoas possível pelo valor mais alto possível). O trabalhador, em meio a essa disputa de forças, é obrigado, de algum modo, a se desdobrar para agradar os dois grupos.

Assim sendo, é possível notar o grau de importância dos transportes na sociedade capitalista. A oferta (ou não) de transporte vai representar uma parcela importante dos lucros. Geralmente, aquele lugar que é mais bem servido de meios de transportes, humanos ou de mercadorias, tem vantagens significativas na operação do sistema econômico. A esse respeito Josef Barat analisa:

“O setor de transportes tem importância fundamental na operação do sistema econômico, pois os serviços que produz são, praticamente, absorvidos por todas as unidades produtivas. Como produção basicamente intermediária, esses serviços têm o nível e a localização de sua demanda influenciados pelo desenvolvimento econômico geral, uma vez que o crescimento da

galpões passou a ser vista como um enclave, pois não permitia a construção de vias de automóveis para o centro da cidade.

produção e do consumo de bens e serviços, a especialização da atividade econômica no espaço e as modificações estruturais afetam aludidos nível e localização de maneira decisiva. Por outro lado, dado a presença difundida destes serviços no processo produtivo, o setor de transportes, em termos dinâmicos, também atua, muitas vezes, como determinantes das atividades de outros setores, criando sua própria demanda.” (BARAT, 1978, pág. 04)

Os investimentos realizados em toda a estrutura construída para a realização dos deslocamentos representam o domínio do espaço de determinados grupos, e serão influenciados intensamente pelos mais diversos setores da sociedade, levando vantagem àqueles que conseguem se apoderar da estrutura estatal, que é utilizada para favorecê-los. “O domínio do

espaço reflete o modo como indivíduos ou grupos poderosos dominam a organização e a produção mediante recursos legais ou extralegais, a fim de exercerem um maior grau de controle quer sobre a fricção da distância ou sobre a forma pela qual o espaço é apropriado por eles mesmos ou por outros.” (HARVEY, 2004, pág. 202)

A importância do domínio dos investimentos públicos em transporte nas cidades é ressaltada por Barat em um de seus trabalhos sobre transporte no Brasil:

“O investimento em transportes, [...], tem importância fundamental na localização da atividade econômica, numa economia em crescimento, pois os fluxos que ligam áreas de produção e consumo frequentemente não se encontram bem definidos do ponto de vista espacial. O investimento em transportes, atuando como poderoso fator no espaço econômico, condiciona novos esquemas de divisão geográfica do trabalho nessas economias, influenciando a localização de atividades industriais, extrativas e agrícolas.” (BARAT, 1978, pág. 04)

O investimento em transporte para a eliminação da barreira física, que é o espaço a ser percorrido em um determinado tempo, prejudicial à obtenção do lucro sob o capitalismo, apresenta uma importante contradição que deve ser aqui considerada. Conforme coloca David Harvey, essas barreiras só podem ser vencidas através de investimentos em infra-estruturas físicas que não podem ser levadas de um lugar para o outro (HARVEY, 2001). O principal exemplo disto é a malha ferroviária, que durante muito tempo teve papel fundamental para

oferecer os lucros almejados por cafeicultores e industriais de São Paulo, mas que depois passou a representar um enclave à expansão espacial do capitalismo neste mesmo lugar.

Esta pesquisa não se dispõe a discutir a questão do transporte de mercadorias, embora esta seja extremamente importante, por estar inserida nas políticas destinadas aos transportes urbanos que utilizam a mesma estrutura de circulação existente na cidade para ocorrer, e, sobretudo, por ser elemento fundamental para o funcionamento da sociedade, como ela ocorre nos moldes atuais.