Anúncio de Informações sem Avaliações

Diferentemente dos Excertos 35 e 36 da subseção anterior, que apresentavam apenas avaliações positivas sobre variáveis como coração, sistema nervoso e líquido amniótico – sem, no entanto, apresentar detalhes factuais sobre essas variáveis –, os excertos apresentados nesta subseção contêm anúncios de valores numéricos em relação ao peso fetal, i.e., variáveis técnicas, sem avaliá-las em termos de normalidade. Discute-se, aqui, que a apresentação de algumas informações sem e outras com avaliações revela a orientação das/os profissionais sobre o que é domínio epistêmico profissional ou leigo.

Conforme abordamos a seguir, as gestantes dos dois excertos analisados nesta subseção, por sua vez, também não solicitam por avaliações. O Excerto 38 é parte do final da fase de exame da primeira etapa de uma avaliação morfológica de um feto de 23 semanas que apresentara TN aumentada. Outro extrato dessa interação foi analisado no Excerto 36.

Excerto 38: HMF_ECOMORFO_dora_FERNANDA_21_01_14_43mV

1 (1.5)

2 RES: quatrocentos e noventa e sete gramas tem o

3 bebê ↑tá

4 GES: ººmhmºº

5 (2.7)

6 RES: dora tu tem consulta hoje ou tu >só veio fazê o 7 exame<?

8 (.)

9 GES: ºsó vim fazê ecoº 10 RES: tá:.

(1.9)

Assim que a residente chega à imagem da tabela que contém a informação sobre o peso fetal, ela a informa à gestante (l. 2-3), que responde com um recibo mínimo de informação (l. 4). Em seguida, a residente muda de tópico (l. 6) sem avaliar a (a)normalidade do peso.

O próximo excerto também é parte do final da fase de exame da primeira etapa de uma avaliação morfológica de um feto de 23 semanas. A gestante fora encaminhada ao hospital por ser diabética, ter um cisto e um deslocamento de placenta. O Excerto 39 ocorre no final do exame morfológico, quando a residente auxilia a gestante a se levantar da cama.

Excerto 39: HMF_ECOMORFO_talise_RAFAELA_26_03_14A

1 +(5.7)

res +auxilia GES a descer da cama -->> 2 RES: seiscentos gramas

3 (0.5)

4 RES: tá pesando 5 GES: °°nossa:°°

6 (14.6)

Enquanto a profissional auxilia a gestante, o peso fetal aparece na tela do ultrassom e é anunciado pela residente (l. 2). Sem recibos de informação da gestante, a profissional explica que “seiscentos gramas” (l. 2) é o valor que o feto “tá pesando” (l. 4), ao que a gestante responde com uma interjeição de surpresa (l. 5). Contudo, as participantes não avaliam a normalidade dessa medida.

8.1.4 Discussão

A análise dos dados que constitui as sequências iniciadas pelas/os profissionais para o tratamento do tópico saúde fetal, conforme apresentado ao longo desta subseção, revela-nos uma orientação tácita por parte das/os profissionais a revelar ou omitir o raciocínio médico, mediante dois aspectos: a normalidade das variáveis analisadas e o pertencimento dessas variáveis ao domínio epistêmico técnico ou leigo. Categorizamos as variáveis analisadas levando em consideração o posicionamento das/os participantes da seguinte maneira: as variáveis de domínio técnico são abordadas junto com avaliações, i.e., as/os profissionais se orientam para a necessidade de alguma “tradução” para que sejam compreendidas pelas gestantes e acompanhantes; já as variáveis de domínio leigo são informadas com ou sem avaliações, ou seja, as/os profissionais as informam e deixam as gestantes acionarem seu senso comum para avaliar a valências dessas informações. Assim, vemos que as variáveis técnicas são necessariamente seguidas de expansões, enquanto as leigas podem ou não conter sequências com explicações subsequentes. O Quadro 5 abaixo ilustra esse achado.

Quadro 5 - A orientação das/os profissionais em relação a variáveis técnicas e leigas

Ações Interacionais Avaliação Normal Avaliação Anormal Variável de Domínio Técnico Variável de Domínio Leigo

Anúncio de informação + avaliação X X X

Anúncio de informação + avaliação X X

Avaliação (somente) X X

Anúncio de informação (somente) - - X

Fonte: Elaborado pela autora.

Como podemos observar no Quadro 5, informações que concernem ao domínio epistêmico leigo, i.e., informações do senso comum, como o peso fetal, podem ser informadas de forma combinada a avaliações, independentemente da normalidade. No entanto, informações relacionadas ao domínio epistêmico técnico, tais como volume do líquido amniótico, características do sistema nervoso e da anatomia do coração, são majoritariamente anunciadas quando há alguma anormalidade com elas. Caso as variáveis referentes ao domínio puramente técnico estejam normais e ainda assim sejam socializadas com as

gestantes, essa socialização ocorre por meio de avaliações. Por outro lado, o valor peso fetal é revelado como sendo uma variável do senso comum, justamente porque ele é, por vezes, apresentado sem avaliações – i.e., as profissionais informam o valor técnico e deixam as gestantes e acompanhantes fazerem suas próprias avaliações.

Logo, o conceito de disponibilização de raciocínio médico, observado por Peräkylä (2006), por meio do qual as/os profissionais da saúde direcionam as/os pacientes a determinado diagnóstico, é ampliado com a análise aqui apresentada. Percebe-se que as/os ecografistas tendem a ocultar informações sobre variáveis altamente técnicas. Quando há a avaliação normal desses valores, as/os profissionais costumam simplesmente avaliá-los, em vez de revelar o raciocínio (e.g., valores numéricos e explicações com base em fatos) que os leva a avaliar algo como normal.

Como veremos na próxima seção, as gestantes e acompanhantes, além de iniciarem sequências interacionais sobre as imagens, também iniciam sequências sobre aspectos referentes à saúde fetal. Tais práticas levam as/os profissionais a revelar seus raciocínios. Porém, diferentemente das sequências com questionamentos relacionados às imagens, nem sempre gestantes e acompanhantes são bem-sucedidas/os nas solicitações referentes à saúde fetal. Assim, a próxima seção apresenta excertos que ilustram as contingências que interferem no provimento de determinadas informações solicitadas pelas gestantes e acompanhantes.

8.2 Sequências Iniciadas pelas Gestantes e Acompanhantes

O principal objetivo desta seção é analisar a orientação das gestantes e acompanhantes para a realização de seus questionamentos, observando as práticas que funcionam – i.e., as práticas cujas ações tornadas relevantes pelo turno anterior são obtidas nos turnos responsivos das/os profissionais – e as que não funcionam. Desse modo, organizamos esta seção de forma diferente da organização das subseções que tratam das sequências iniciadas por gestantes e acompanhantes relacionadas às imagens (6.2). Aqui, organizamos as subseções em função das circunstâncias contextuais para as quais as/os participantes se orientam ao realizar suas solicitações: sequência interacional (e/ou procedural), imagem e tópico conversacional.

As solicitações orientadas para a sequência interacional (e/ou para o procedimento em questão) são aquelas já descritas por Nishizaka (2014b, 2011b, 2010), que ocorrem nas seguintes posições dentro da organização geral dos exames:

a) durante fases transitórias, entre a realização de uma medida e outra (NISHIZAKA, 2014b);

b) em consultas de pré-natal, durante a fase de preparação para o exame ultrassonográfico (e.g., enquanto o/a profissional coloca o gel no transdutor e sobre o abdômen da gestante etc.) (NISHIZAKA, 2010);

c) em expansões de respostas (NISHIZAKA, 2011b).

Essas fases propiciam oportunidades que as gestantes aproveitam para tomar o turno sem incorrer em uma possível interrupção do trabalho das/os profissionais. Já as solicitações orientadas para a imagem não costumam acontecer em momentos de transição entre uma medida e outra, ou entre uma fase interacional ou outra, mas são disparadas a partir do que as gestantes identificam na tela e que se torna um motivo de dúvida.

Por fim, as solicitações orientadas para o tópico conversacional são realizadas quando residentes e preceptoras/es conversam entre si sobre as imagens fetais, e a gestante ou a/o acompanhante se autosselecionam para solicitar alguma informação relacionada ao tópico dessas conversas.