6.2 Sequências Iniciadas pelas Gestantes e Acompanhantes
6.2.2 Oferecendo Respostas Candidatas
A coleção que compõe esta subseção é formada por ocorrências de perguntas polares, o que, conforme discutido no item 6.2, caracteriza as ações analisadas aqui como ofertas de respostas candidatas, orientando as/os profissionais a confirmar ou a desconfirmar a informação contida nos turnos das gestantes e/ou acompanhantes.
O primeiro excerto desta subseção é parte de uma interação apresentada na subseção anterior, qual seja, Excerto 19: uma avaliação ultrassonográfica obstétrica de um feto de 35 semanas cuja gestante apresenta diabetes. O Excerto 22 ocorre quando a fase de medição da primeira etapa do exame se aproxima do final.
Excerto 22: HMF_ECOOBST_livia_DEISE_20_11_13_18mV
1 +(10.6)
res +med.--->> 2 GES: #aí tá a perna?
Ima #ima.1 C
3 (1.8)
4 RES: °mhm,°
Imagem 1 C
A gestante solicita confirmação de que a imagem congelada selecionada pelos cursores se refere à “perna” do feto (l. 2). A residente, por sua vez, não confirma imediatamente, mas apenas depois de dois segundos de pausa (l. 3), tempo em que a profissional se mostra ocupada com a finalização da seleção da área do fêmur a ser medida. Como podemos observar na Imagem 1, quando a gestante solicita confirmação (l. 2), a residente já havia colocado os cursores sobre o fêmur fetal. No entanto, a profissional termina de ajustar os cursores dessa medida apenas após sua resposta (l. 4). Aqui, as contingências da atividade de realizar o exame superam as contingências interacionais que privilegiam respostas sem atrasos.
Vejamos como o Excerto 23 se difere do 22. Trata-se de uma avaliação obstétrica de uma gestação gemelar de 36 semanas, e a gestante apresenta toxoplasmose. O Excerto 23 constitui parte da fase de medição da primeira etapa de uma ultrassonografia obstétrica.
Excerto 23: HMF_ECOOBST_eva_DEISE_29_10_13A_11m39s
1 +(11.7) #
res +est.--->
Ima #ima.1 M
2 GES: >isso aí< é da ca↑beça 3 RES: é.
4 (2.0)+ +(10.8)
res -->+ +pro.-->>
Apesar de o formato do pedido de confirmação dessa gestante ser muito parecido com o formato utilizado pela gestante do Excerto 22, aqui a residente não atrasa sua confirmação (l. 3). Sugere-se que o exato momento em que o pedido de confirmação é realizado influencia a temporalidade da resposta. No Excerto 22, a gestante faz seu pedido quando a residente está no auge da seleção com os cursores do osso do fêmur, o que demanda concentração para finalização da ação. Assim, a orientação a essa contingência da atividade técnica de realização do exame resulta no atraso da resposta da profissional.
No Excerto 23, no entanto, embora a residente estivesse com o transdutor estabilizado há mais de dez segundos (l. 1) sobre a imagem da cabeça fetal, ela não estava em meio à realização de medidas – tanto que, logo após sua confirmação, a profissional procura por outra imagem (l. 4). Assim, a despeito de ambos os pedidos de confirmação terem sido motivados pela imagem projetada na tela, o pedido realizado no Excerto 23 não ocorre em meio à atividade de medir, o que facilita que a profissional responda prontamente.
O Excerto 24, apresentado a seguir, é parte de outra ultrassonografia obstétrica de outra gestação gemelar, que conta com 30 semanas, e a gestante possui um histórico de perdas gestacionais. O excerto em questão faz parte do início da primeira etapa do exame, especificamente, da fase em que a residente examina as medidas sem a supervisão de preceptoras/es.
Excerto 24: HMF_ECOOBST_glaucia_DEISE_26_11_13_1m40s V
1 +(30.2)
res +pro.--->>
2 GES: #os do:is tão de cabeça pra baixo ai[nda?] Ima #ima.1 M
3 RES: [nã:o] sei.
4 (1.6)
5 RES: tô tentando entende
6 (4.5)
7 RES: ºnão sei mesmoº
8 (4min.58seg.)
Imagem 1 M
Ao longo da procura por imagens que antecede o pedido de confirmação da gestante, a profissional passa diversas vezes pelas cabeças e abdomens dos fetos, como pode ser observado na Imagem 1. Ao fazer o pedido de confirmação sobre a posição das cabeças dos
bebês (l. 2), a gestante se mostra orientada para imagens arredondadas projetadas na tela naquele momento. Além disso, o uso do advérbio “ainda” aciona a pressuposição de que ela sabe que os fetos estavam de cabeça para baixo antes. Ou seja, nesse excerto, a gestante não se mostra somente orientada para as imagens arredondadas, mas também para um conhecimento prévio sobre a disposição dos fetos, cuja manutenção deseja confirmar.
Em fala sobreposta ao final do turno da gestante e com ênfase no advérbio de negação “n:ão”, a profissional responde sem atender à expectativa da solicitação da gestante, indicando o desconhecimento sobre a posição das cabeças fetais (l. 3). Depois de uma pausa de um segundo e seis décimos (l. 4), a residente elabora sua resposta explicando que está “tentando entendê" (l. 5), enquanto continua movimentando o transdutor. Após uma ausência de fala ainda mais longa (de mais de quatro segundos, l. 6), a profissional repete que realmente não sabe a posição dos fetos (l. 7).
Observa-se aqui que a gestante realiza sua solicitação em uma posição deslocada em relação à organização estrutural do exame, já que, até esse momento da interação, a residente ainda não tivera acesso à informação solicitada. Contudo, a interação termina sem que a profissional informe à gestante as posições fetais. A gestante, por sua vez, não repete sua solicitação e sai do exame sem obter essa informação. É possível que ela não tenha repetido sua solicitação em decorrência do formato abrupto da resposta profissional (l. 3 e 7) e da sugestão de que o pedido de informação tenha sido alocado em um momento “inadequado” (l. 5).
O Excerto 25 apresenta outra forma de lidar com solicitações deslocadas das gestantes e acompanhantes. O feto de 28 semanas é examinado através de ultrassonografia obstétrica, com a presença do companheiro da gestante, e apresenta encefalocele91. O excerto em questão
inicia na primeira etapa do ultrassom, no final da fase em que a residente registra medidas.
Excerto 25: HMF_ECOOBST_renata_DEISE_05_11_13_6m52 V
1 +(11.1)
res +pro.->l.8
2 ACO: #ali é os olhos? Ima #ima.1 C
3 (0.7)
4 RES: já vou te explicá
5 (18.1)
6 RES: o que vocês vão ver tá aqui embaixo
7 (2.6)
8 RES: aqui ó, + +(.) +aqui é uma ór+bita #tá:, + +con.--->l.12
+...+apo.I----> Ima #ima.2 C
9 os olhi+nhos tão (virados) lá pra ↑cima -->+
10 +(0.4) e aqui tem um +pouquinho da calota
+...+apo. circulando a área c/ I--> 11 e aqui- o: sistema nervoso # tá pra fora+ °aqui°+
-->+,,,,,,,+ Ima #ima.3 C
12 GES: °mhm°+ -->+
13 (1.7)
Imagem 1 C Imagem 2 C Imagem 3 C
O acompanhante, orientado para a imagem congelada em metade da tela do ultrassom (Imagem 1 C), solicita a confirmação de que se trata dos olhos do feto (l. 2). A residente oferece uma resposta que não atende à solicitação de confirmação prontamente, mas que garante retomar o assunto em seguida (l. 4). Assim, a profissional termina a atividade que estava realizando (l. 5) e, em seguida, delimita a área daquilo que será mostrado na tela em relação ao abdômen da gestante (l. 6). Provavelmente, o turno da linha 6 é acompanhado por algum recurso corporificado para definir o sentido dos dêiticos “aqui embaixo”, indicando o local no abdômen da gestante.
A residente busca construir atenção conjunta dos participantes para a tela, através do dêitico “aqui” somado ao diretivo “ó” (l. 8). Em seguida, a profissional congela a imagem e aponta para o que ela nomeia de “órbita” com o dedo indicador (l. 8). A explicação sobre o posicionamento dos olhos do feto em relação ao mundo exterior (“pra ↑cima”, l. 9) auxilia os participantes a estruturar a imagem descrita.
Após uma curta ausência de fala, ocupada pela preparação do gesto de apontar (l. 10) – i.e., pelo movimento de retirada da mão dos comandos do aparelho e em direção à tela –, a profissional mostra aos participantes algo que não fora solicitado por eles: a malformação que o feto apresenta. A residente apresenta a imagem delineando com o dedo indicador a “calota”
craniana e a parte do sistema nervoso que está “pra fora” da calota (l. 10-11). A despeito do esforço corporificado dedicado a mostrar o feto através do acionamento do recurso de congelar a tela e de identificar os referentes por meio do gesto dêitico de apontar, observa-se que a gestante responde minimamente às explicações da profissional. Já o acompanhante, que fora quem fizera o pedido de confirmação (l. 2) do qual resultou a sequência de explicação da residente, não apresenta demonstrações verbais de entendimento dos referentes indicados. A falta de engajamento dos participantes pode ser em decorrência dos seguintes fatores:
1) O jargão técnico utilizado pela profissional (“órbita” e “calota” em vez de “olho” e “cabeça”);
2) A qualidade da imagem, que pode ser ininteligível para um público leigo;
3) O fato de que parte dos referentes mostrados constitui a malformação fetal, que não corresponde à solicitação do acompanhante.
Ao compararmos as respostas às solicitações dos últimos dois excertos, 24 e 25, percebemos que ambas constituem respostas que não atendem ao pedido de confirmação realizado no turno anterior. Contudo, elas se diferenciam significativamente quanto aos formatos e ações. A resposta oferecida no Excerto 24 é produzida em formato preferido – em fala sobreposta ao final do turno anterior e com ênfase no advérbio de negação (“[nã:o] sei.,”) – apesar de não responder ao pedido de confirmação e de não oferecer accounts para isso imediatamente, o que é feito somente nos turnos subsequentes. Já a resposta oferecida no Excerto 25 vem atrasada (depois de quase um segundo de pausa, l. 3), o que demonstra sua orientação para a despreferência em deixar de atender à ação do turno anterior, mas constitui uma garantia de que o pedido será atendido o mais breve possível (“já vou te explicá”, l. 4).
De fato, em ambas as situações, a profissional se orienta a contingências que a impedem de confirmar o pedido prontamente. No entanto, a primeira resposta desqualifica a solicitação da gestante como uma pergunta merecedora de resposta, tanto que nenhuma das participantes volta a tratar desse assunto no restante daquela interação. Por outro lado, a segunda resposta apenas posterga a confirmação da informação solicitada e até apresenta informações além do que fora solicitado. Nesse sentido, esses dois últimos excertos exemplificam o que Clayman (2002) chama de solidariedade interacional, ou o que Heritage chama de solidariedade social: enquanto a primeira resposta ameaça a solidariedade interacional ao oferecer uma resposta que não atende a solicitação anterior, a segunda resposta, a partir de uma postergação que garante o acesso à informação solicitada nos turnos
subsequentes, constitui um tipo de resposta que está de acordo com a preocupação em preservar relações solidárias entre interagentes.