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7 DAS IMAGENS ÀS ATRIBUIÇÕES DE SENTIDO SOBRE SAÚDE E

7.2 Sequências Iniciadas e Levadas ao Tópico Saúde pelas Gestantes e/ou

8.1.2 Avaliações

O primeiro excerto desta subseção é parte de uma ecocardiografia de um feto de 24 semanas. A gestante apresenta diabetes gestacional e pressão alta. Trata-se do final da fase do exame.

Excerto 35: HMF_ECOCARDIO_kamile_LUANA_12_03_14 B_9m50V méd >>est.-->>

1 (8.3)

2 MÉD: tudo perfeito coraçãozinho dele ↑to:do direiti:nho, 3 GES: ai que bom=

5 MÉD: =ººtudo bem legalºº

6 (2.4)

A profissional, com a imagem estabilizada, oferece uma avaliação geral sobre a condição do coração fetal (l. 2), iniciando com uma avaliação mais abrangente (“tudo perfeito”) e especificando que o “o coraçãozinho fetal” está “todo direitinho”. Contudo, diferentemente do que ocorre nos excertos da subseção anterior (8.1.1), em que as/os profissionais apresentam a informação do peso fetal e, então, avaliam-na, aqui a profissional não oferece detalhes do que seria um “coração todo direitinho”.

Quando se trata de formação cardíaca, a profissional se orienta para a falta de conhecimento técnico das gestantes e acompanhantes sobre o assunto e, caso tudo esteja bem, só avalia o resultado positivo do exame, sem anunciar todos os fatos que constituem um “coração todo direitinho”. Por outro lado, quando se trata da informação “peso” fetal, as/os profissionais se orientam para o conhecimento das gestantes e acompanhantes sobre o valor da medida em gramas e oferecem essa informação, combinada a uma avaliação ou não.

Outras avaliações, sem os valores que as fundamentem, podem ser observadas no Excerto 36. Trata-se do final da fase de exame da segunda etapa de uma avaliação morfológica de um feto de 23 semanas que apresentara translucência nucal (TN) aumentada.

Excerto 36: HMF_ECOMORFO_dora_FERNANDA_21_01_14_42mV

1 (5.5)

2 PRE: sistema nervoso nor↑ma:l

3 (2.0)

4 PRE: tá bem

5 (9.2)

6 PRE: simetria:,

7 (16.0)

8 PRE: >então tá bem<

9 (5.2)

10 RES: tá tudo bem tá dora?

11 PRE: placenta anterior, líquido normal,

12 (1.3)

13 PRE: passo:- >certo<

14 (1.7)

15 PRE: muito bom

16 (1.5)

O Excerto 36 é repleto de avaliações positivas, sem a apresentação dos fatos que as embasam. A entoação contínua (l. 6 e 11) parece demonstrar a orientação da preceptora em falar em voz alta uma espécie de checklist sobre o que lê na tela. Uma evidência de que se trata de uma atividade de “fala consigo mesma” é que a residente, na linha 10, oferece uma avaliação geral orientada à gestante, através do vocativo “Dora” – ou seja, nesse momento (l. 10), a profissional chama a gestante para participar da interação. Novamente, as variáveis avaliadas aqui, quais sejam, sistema nervoso (l. 2), placenta e líquido (l. 11), não são constituintes do conhecimento leigo sobre desenvolvimento fetal. Assim, as profissionais tendem a não compartilhar o raciocínio médico (PERÄKYLÄ, 2006) sobre informações que fogem ao conhecimento leigo de gestantes e acompanhantes, caso tudo esteja normal. Porém, quando alguma variável incomum ao conhecimento leigo apresenta alguma alteração, as/os profissionais compartilham seu raciocínio com o público leigo, como o próximo excerto ilustra.

O Excerto 37 faz parte da fase do fechamento de uma ecocardiografia fetal. A gestante é diabética, e sua mãe tem insuficiência cardíaca congestiva.

Excerto 37: HMF_ECOCARDIO_guiomar_LUANA_22_01_14_18m50A104 1 MÉD: pode te secá

2 GES: ºmhmº

4 (4.5)

5 MÉD: alguma criança na tu família nasceu com

6 ↑sopro

7 (0.9)

8 GES: tem o meu sobrinho

9 MÉD: ↑é (0.7) que idade ele tem

10 GES: a hoje ele tá com vinte dois anos

11 MÉD: vinte e dois ãrrã (.) daí o >>que que<< 12 aconteceu (.) acompanhava

13 GES: não ele ia- eles faziam acompanhamento 14 MÉD: depois que resol↑veu

15 GES: sim (.) não precisô fazê cirurgia, nada,

16 MÉD: não precisô fazê nada (.) tá assim >>que que<< 17 a gente vê no coraçãozinho do teu >nenê< (.) 18 a estrutura principal do coração, >já tão toda 19 pronta<

20 GES: Sim

21 MÉD: as válvulas de dentro do coração, as válvulas 22 que saem, tá tudo pronto (.) ã tem uma

23 paredezinha que separa o lado direito do

24 lado esquerdo=

25 GES: =mhm=

26 MÉD: =essa parede, é a última

27 coisa que se forma

28 GES: ↓sim

29 MÉD: pode- pode ser o que o teu sobrinho tinha 30 GES: ã[rrã]

31 MÉD: [né] então no teu nenê a gente vê que 32 tem um buraquinho (.) naquela parede 33 GES: mhm=

34 MÉD: =↑tá ↑mas a natureza ainda tá fazendo o trabalho

35 dela

36 (0.6)

37 MÉD: né então a gente tem que esperá pra ver como é que

38 vai ficá

39 (.)

40 MÉD: ↑tá entre pequeno médio e grande me 41 parece um buraco de tamanho médio 42 GES: mhm

43 MÉD: tá ã é que >>o nenê é muito no↑vinho<< né 44 GES: não é ventrículo essas coisa

45 MÉD: ã é uma comunicação interventricular 46 GES: ãrrã

47 MÉD: é uma comunicação entre os dois ventrículos mas 48 a gente sabe que aquela parede ali ela

104 Assim que a profissional acaba o exame de ultrassom, a pesquisadora que gravou a interação finaliza a gravação em vídeo. Portanto, temos disponível apenas o áudio de todo o excerto em questão.

49 vai até os três anos de idade ainda

50 terminando de se fechá

51 GES: ãrrã

52 MÉD: ↑tá (.) então o >que que< eu vou fazê, vou 53 deixá tudo descrito no teu laudo e aí

54 em quatro ou cinco semanas a gente olha de novo

55 pra ver como é que tá indo

56 (0.5)

57 MÉD: tá

58 GES: aí dá pra fazê mais um (exame) 59 MÉD: é é não a gente vai acompanhando né

60 eu acho que assim ã o que que nos interessa 61 principal>mente< as válvulas,

62 GES: mhm

63 MÉD: as estruturas principais do coração que

64 tão prontas nessa fase essas já tão prontas né 65 e a paredezinha que é a última coisa que se forma 66 essa é bem comum da gente olhá e ver o buraquinho 67 aí depois que o nenê nasce a gente repete o

68 exame e já se fechô

69 GES: mhm 70 MÉD: ↑tá 71 GES: ºtá bomº

O excerto inicia com o pré-fechamento típico desse tipo de atendimento, qual seja, o diretivo para que a gestante seque o gel de seu abdômen (l. 1). Contudo, em vez de avançar realmente para o fechamento do atendimento, a médica solicita confirmação sobre membros da família da gestante terem nascido com sopro (l. 5). A gestante confirma que um de seus sobrinhos nascera com sopro (l. 8), e a profissional solicita mais informações sobre o quadro dele (l. 16). Essa indagação sobre sopro na família indica que há más notícias a caminho.

De fato, ainda na linha 16, a profissional anuncia notícias sobre o resultado do exame do coração fetal, explicando todos os aspectos que foram vistos (l. 17-32). A médica inicia comunicando as boas notícias: as estruturas principais, válvulas de dentro e as que saem do coração, estão todas prontas (l. 16-22). Todavia, na linha 22, a cardiologista explica que há uma “paredezinha” que separa o lado direito e o esquerdo do coração, a qual é a última estrutura que se forma (l. 27). Na linha 29, a profissional relaciona, tentativamente, essa parede à anomalia que o sobrinho da gestante apresentava. Então, nas linhas 31-32, ela explica que o coração do feto apresenta um “buraquinho” nessa parede. Na linha 33, a gestante oferece um continuador (“mhm”), e a profissional segue elaborando sua explicação.

Primeiramente, a profissional coloca a “natureza” como agente da ação de trabalhar e avisa que esse trabalho está em progresso: “a natureza ainda tá fazendo o trabalho dela” (l. 34-35). Ou seja, há um “problema”, mas ainda há tempo para ele seja solucionado

de forma natural; resta-nos “esperá pra ver como é que vai ficá” (l. 37-38). Ela também elabora a notícia, informando a dimensão do buraco, que considera médio (l. 40-41). Depois disso, ameniza o fato, explicando que essa parede pode levar até o terceiro ano de idade para se fechar (l. 48-50) e que é comum encontrar essa característica em ultrassonografias de fetos “novinhos”, já que esta é a última estrutura a se formar (l. 63-67). Por isso, a médica explica que é comum repetir o exame após o nascimento para acompanhar o desenvolvimento dessa estrutura (l. 67-68).

Nota-se uma diferença significativa entre o tamanho das sequências com avaliações positivas (Excerto 35 e Excerto 36) e aquelas com avaliações negativas (Excerto 37). Em vez de dizer que “não está tudo bem”, as profissionais compartilham seu raciocínio médico por meio da explicação de detalhes mínimos de aspectos que constituem anomalias evidenciadas nos exames.

Por meio dessa análise, é possível observar evidências da orientação dos/as profissionais para o que é conhecimento de senso comum e o que é conhecimento técnico, o qual precisa ser explicado caso haja alguma anomalia. A seguir, veremos como as profissionais se orientam para a variável peso fetal como pertencente ao senso comum, uma vez que anunciam o valor do peso sem oferecer avaliações quanto à normalidade.