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3 AS MULHERES NÃO ALFABETIZADAS E AS VÁRIAS FORMAS DE

4.1 ANALFABETISMOS: ALFABETIZAR LETRANDO OU LETRAR

ALFABETIZANDO?

Nesta seção estabelecemos análises relacionais entre analfabetismo/alfabetismos e letramento, trazendo suas origens e conceitos, visando compreender os sentidos atribuídos por mulheres do Programa Brasil Alfabetizado.

As alterações e avanços no conceito de alfabetização nos censos demográficos, ao longo das décadas26, permitem identificar sua progressiva extensão, a partir do conceito de alfabetizado, que vigorou até o Censo de 1940, conforme o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - como aquele que declarasse saber ler e escrever, o que era interpretado como capacidade de escrever o próprio nome; passando pelo conceito de alfabetizado como aquele capaz de ler e escrever um bilhete simples, ou seja, capaz de não

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Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/> “As muitas facetas da alfabetização” (Cadernos de Pesquisa, nº 52, de fevereiro de 1985). Acesso em: 14 dez. 2015.

só saber ler e escrever, mas de já exercer uma prática de leitura e escrita, ainda que elementar, adotado um ano depois, a partir do Censo de 1950, conforme o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Os resultados do Censo têm sido frequentemente apresentados, sobretudo nos casos das Pesquisas Nacionais por Amostragem de Domicílios (PNAD), pelo critério de anos de escolarização, em função dos quais se caracteriza o nível de alfabetização funcional da população, ficando implícito nesse critério que, após alguns anos de aprendizagem escolar, o indivíduo tenha não só aprendido a ler e escrever, mas também a fazer uso da leitura e da escrita; verifica-se uma progressiva, embora cautelosa, extensão do conceito de alfabetização em direção ao conceito de letramento: do saber ler e escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da leitura e da escrita.

Com relação às competências de leitura e escrita da população brasileira, destacamos que o conceito de alfabetização aproxima-se ao de letramento, distinguindo termos como semianalfabetos, iletrados, analfabetos funcionais, ao mesmo tempo em que, sistematicamente, vem criticando as informações sobre índices de alfabetização e analfabetismo que tomam como base apenas o critério censitário de saber ou não saber "ler e escrever um bilhete simples".

Ao analisarmos os frequentes resultados de insucesso da escola nas práticas de ensino, é necessário explorar as diferenças que há entre a aprendizagem do cidadão dentro e fora da escola e analisar a importância do contato do indivíduo com os diversos meios de leitura e práticas sociais, buscando o crescimento nos níveis de leitura, e dessa forma poder destacar a melhoria na educação brasileira, em razão de alguns programas de incentivo governamentais como o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE); Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e Programa Universidade para Todos (PROUNI).

Com relação à historicidade dos conteúdos da alfabetização, podemos dizer que eles avançaram muito em complexidade e também no que tange à formação de professores. As mulheres participantes do Programa Brasil Alfabetizado têm necessidade de uso da escrita em situações sociais para que se beneficiem da cultura escrita como um todo, apropriando-se de novos usos que surgirem. Há, então, uma dupla questão para a o uso da língua como objeto de reflexão e como objeto cultural, isso exige metodologias diferentes. Nesse sentido, buscamos a situação de jogo na produção da escrita e da leitura, como a resolução de um problema desafiante, com as colegas, com abordagem coletiva das estratégias utilizadas. A convivência das mulheres, seus relatos são materiais de leitura e escrita, não apenas tecnicamente, mas de

cunho vivencial. Podemos dizer que procedimentos intencionais de ensino incentivam a identificação de diferentes unidades, a comparação, a memorização, provocando a reflexão. São assim procedimentos sistemáticos de intervenções, mas que nas práticas pedagógicas aparecem em qualquer ordem e dependem do contexto a ser analisado. Então, na organização didática foram escolhidas determinadas palavras ou textos, incentivando o seu reconhecimento gráfico e também crítico. Além disso, havia elementos que extrapolavam o nível textual e abrangiam a compreensão do significado, ouvindo narrativas, vivências e experiências de outros.

Ao aprofundarmos a questão dos índices de alfabetismo e leitura, é importante destacar a responsabilidade do alfabetizador em não só alfabetizar, mas também letrar, a fim de que os adultos aprendam com significado, bem como alguns tipos de práticas e habilidades de leitura e de habilidades de escrita, relacionando ambas, leitura e escrita à produção textual. A produção textual de pessoas adultas tem necessariamente que envolver seus contextos e vivências, portanto, há uma trajetória maior a ser contada. Importa oportunizar e dar conta, através do processo de alfabetização, da construção da emancipação como uma multiplicidade de capacidades ou competências e habilidades desenvolvidas ao longo da vida “[...] das demandas da vida, da cidadania e do trabalho numa sociedade globalizada e de alta circulação de comunicação e informação, sem perda da ética plural e democrática, por meio do fortalecimento das identidades e da tolerância às diferenças” (SOARES, 2004, p. 89).

Em se tratando do conceito de letramento, Rojo (2009) afirma que o termo alfabetismo tem um foco individual, bastante ditado pelas capacidades e competências (cognitivas e linguísticas) escolares e valorizadas de leitura e escrita (letramentos escolares e acadêmicos), numa perspectiva psicológica, enquanto o termo letramento busca recobrir os usos e práticas sociais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados, locais ou globais, redescobrindo contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola etc.), numa perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural.

No contexto em que fui alfabetizadora, as dimensões socioculturais são evidenciadas de modo mais intenso, pois são contextos sociais diversos, do núcleo familiar e social, pelo fato delas (as três mulheres que observei) residirem no mesmo bairro e participarem da mesma igreja, tendo ainda, a proximidade com o Instituto Federal Farroupilha, onde foi realizado o Curso de Alfabetização. A influência do meio, aliado ao grupo a que pertencem, bem como a importância da mídia e dos meios de comunicação, através da divulgação da

existência do Programa Mulheres Mil, favoreceu a iniciativa por parte delas da busca pelo “novo”, consequentemente, a necessidade e a possibilidade de aprender ler e escrever.

Segundo Trindade (2004), analfabetismo e alfabetismo são termos que recebem definições contextualizadas historicamente, tendo, ainda, a possibilidade de receberem interpretações diversas em função de sua identificação se dar de forma mais direta com determinada orientação teórica. Salienta que se generalizou o termo analfabetismo e não o de alfabetismo, não simplesmente porque houvesse mais analfabetos do que alfabetizados, já que o estado “corriqueiro”, “normal” das pessoas nem sempre é designado, nomeado, com um prefixo que signifique negação, como é o caso do analfabeto. O que teria contribuído para o uso generalizado dos termos analfabetismo e analfabeto teria sido justamente o preconceito com o indivíduo que não soubesse ler e escrever, na Modernidade, visto como “incivilizado”, “bruto”, “bárbaro”.

Dessa forma, teria se tornado necessário nomear esse “fenômeno” para que ele pudesse ser estigmatizado, repelido, pois que as palavras (que nomeiam grupos e pessoas) surgem com os preconceitos ou como os favorecimentos – distinguindo o que não era distinguível – e não com o “impacto” da realidade, como sugerem algumas explicações; que os “mitos da alfabetização, do alfabetismo e/ou do letramento” são produzidos pelos mesmos discursos que produzem o analfabetismo; que tais conceitos e mitos são produtos da linguagem, através de discursos e representações, ao discutirmos como a linguagem produz teorias e verdades, existindo, assim, a crença de que um nível intermediário de progresso econômico, social e individual se relacionasse com a capacidade para o emprego – associada a um nível de alfabetização mais sofisticado – que pode ser identificada com o “mito da alfabetização e do alfabetismo”.

A invenção desse mito se dá a partir de diversos estudos ao longo da história que comprovam que as mudanças nas expectativas da alfabetização ao longo da escolarização, substituíram a concepção de uma capacidade rudimentar e quase que geral, de leitura de assinatura do próprio nome, por uma capacidade de ler materiais novos e aprender informações antes desconhecidas. Ou seja, este novo modo de alfabetização ocorre na interação cotidiana, em tarefas práticas, possuindo maior valor nas áreas sociais da vida.

Para Trindade (2004), apenas gradualmente a alfabetização ingressaria na vida econômica das pessoas comuns, de forma que determinaria suas perspectivas de vida, pois inicialmente, a atividade econômica não era a única razão para o desenvolvimento da alfabetização; a mudança, portanto, não foi do total analfabetismo para a alfabetização, mas

sim, de uma multiplicidade dificilmente estimada de alfabetizações, de uma ideia pluralista acerca da alfabetização até a noção de uma alfabetização única, como no século XX.

Assim, é possível analisar como os estudos acadêmicos interpretavam o analfabetismo e a alfabetização no passado e como é a realidade hoje, na atualidade, diferenciando-os em novos níveis e tipos:

Quando mapeamos a produção de conhecimento sobre métodos e processo de alfabetização, alfabetismo e letramento – e a localizamos contextualmente –, mesmo que identificada em autorias, nos referimos à possibilidade de tal produção poder ser reconhecida como prática social, criada a partir de determinados discursos e representações (TRINDADE, 2004, p.127).

Porém, a possibilidade de interpretar as teorias como discursos não nos dá um olhar privilegiado sobre elas; contudo, nos permite compreendê-las não mais (ou somente) como produtos de autorias, mas como produção cultural e coletiva, contextual e histórica, a qual também nos seus deslocamentos sofre os efeitos de mudanças nas práticas que a produzem. Dessa forma, segundo Moll (2005), é necessário olhar as práticas de alfabetização, alfabetismos e letramento, não só no ambiente acadêmico, mas atingir espaços diversos, como os da família, escola, mídia, literatura, etc. A apropriação desses elementos diversos permite que seus usos ganhem identidades múltiplas, ao mesmo tempo em que lhes garante uma igualdade, que os reconhece em uma mesma identidade.

Em se tratando da atualidade e das novas tecnologias da informação, as formas de letramento e alfabetismo, contextualizadas culturalmente, povoam o mundo letrado do século XXI, com divulgação impressa, digital e eletrônica, através de outdoors, filmes, músicas, propagandas, etc. São marcas e produtos que alfabetizam por meio do uso das novas tecnologias, artefatos que se somam a outros portadores de texto, explorados em jornais, guias telefônicos, bulas, receitas, notas, listas de compras, recados, etc., cujo uso não depende só do domínio da leitura e escrita, mas envolve o uso de novas tecnologias, bem como o exercício de determinadas destrezas e habilidades exigidas para a sua exploração, como os torpedos e os serviços eletrônicos de e-mails, sites, chat, entre outros.

Cumpre destacar a importância da família no processo de alfabetização em geral, mas especificamente das mulheres, pessoas idosas que não têm obrigatoriedade escolar, mas sim perspectiva sociológica e cultural, pela trajetória de vivências e experiências, também pelo culturalismo e avanços tecnológicos que estão transformando as relações sociais e educacionais de toda a humanidade. Isso se comprova na curiosidade das mulheres ao serem “apresentadas” ao computador, durante uma aula sobre tecnologias de informação, e na

alegria despertada pela possibilidade de escrever utilizando o teclado dos computadores, ao identificarem o alfabeto. Fatos estes que estão diretamente ligados aos meios de comunicação como o celular, por exemplo. Olhares admiradores ao perceber a proximidade delas com o computador, muitas diziam querer chegar logo em casa e relatar aos familiares a descoberta do dia, ao sentirem-se parte de um mundo novo, desconhecido e diferente, ter a oportunidade de vivenciar as mudanças tecnológicas e a conectividade que a internet proporciona, através das redes sociais.

As mulheres que antes se sentiam “burras” ou “ignorantes”, perante a própria sociedade que as excluiu e as desqualificou, passam agora a fazer parte de um “contingente” letrado e esse empoderamento as torna “iguais” mediante aos demais, como superação de barreiras, limites e obstáculos que o analfabetismo sentenciou por muitos anos.

As tecnologias e apelos do mundo virtual chamam a atenção diariamente, afinal a mídia influencia todos a terem aparelhos celulares, a querer descobrir o mundo através da informática e “navegar” pelas redes sociais, descobrindo um mundo sem fronteiras. Essa influência que os idosos também vivem vem, geralmente, em função dos filhos e netos, que ao adquirirem os aparelhos, estimulam os mais velhos a facilitar os processos de comunicação, de aquisição e de entretenimento. Mesmo enfrentando dificuldades enquanto analfabetas, todas as mulheres observadas possuem celular, comprovando que não há restrições ou limitações quando se quer aprender e aderir às novidades do mercado.

Nessa perspectiva, constatamos que todos nós somos mais ou menos alfabetizados, mais ou menos letrados, dependendo dos domínios que temos e dos usos que fazemos das tecnologias de que dispomos e que não são reclamadas em nossos dias. A análise de artefatos e práticas culturais27 que compõem o nosso mundo letrado exige que examinemos os diversos discursos que o constituem, discutindo os efeitos desses discursos e suas representações. Tais reflexões exigem novos olhares sobre os diversos artefatos e práticas sociais e escolares de alfabetização e alfabetismo.

Paulo Freire (1990) trata da alfabetização como uma abordagem da leitura do mundo e da leitura da palavra, destacando que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, da mesma maneira que o ato de ler palavras implica necessariamente uma contínua releitura do

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Situações nas salas de aula em que professores e alunos utilizam propagandas contidas em revistas, artigos, fotos de jornais, imagens computadorizadas; idas dos alunos e professoras à biblioteca, ao laboratório de informática; saídas dos alunos da escola para visitas de estudo; hora do recreio no pátio, entre outros. Fonte: Artefatos culturais usados por professores/as e alunos/as no cotidiano escolar como possibilidades de ressignificar o currículo. KRETLI, Sandra – Ufes. Disponível em: <http://www.30 reuniao.anped.org.br/trabalhos/> Acesso em: 15 dez. 2015.

mundo. Partindo desse pressuposto básico, Freire e Macedo relatam suas experiências pedagógicas em Guiné-Bissau (FREIRE, 1990), explorando o ato de leitura em todas as dimensões, com o objetivo de desvelar e difundir pressupostos teóricos e subsídios contidos num dos seus principais projetos pedagógicos, pelo qual e no qual investiu dedicação e empenho ao longo de toda a vida: a alfabetização de jovens e adultos das camadas populares, a quem fora negado o direito de alfabetização no momento e tempos adequados. Foi o que aconteceu com as mulheres pesquisadas, que não tiveram oportunidade de serem alfabetizadas, o que causou inúmeros problemas durante toda a vida.

Compreender a leitura do mundo e da palavra através da alfabetização é um processo que deve ao mesmo tempo resgatar e recriar a experiência vivida pelo alfabetizando. Freire (1990) teoriza e pratica uma alfabetização crítica e libertadora que instrumentaliza a classe oprimida para que possa alcançar a reapropriação de sua história pela construção coletiva do conhecimento, reabilitando sua capacidade de intervir nas transformações de seu contexto social.

A alfabetização assim proposta tem na linguagem utilizada pelo alfabetizando um instrumento de expressão de seus anseios, necessidades, medos, sonhos e aspirações e compreende a alfabetização como uma ação política cuja leitura da palavra implica na leitura da palavra-mundo, pois a pedagogia inquieta de Freire (1990) aponta para uma ação cultural para a liberdade dos sujeitos em formação: uma pedagogia que não apenas nomeia o mundo, mas também o transforma.

Afirma, ainda, que a escola e o educador devem assumir uma grande responsabilidade no intuito de que os alunos consigam compreender a dimensão mais profunda do processo de aprendizagem. A intervenção deve acontecer no ato consciente do processo de ensino-aprendizagem, momento em que o educador crítico questiona os alunos para que eles percebam a dimensão das coerções sociais que estabelecem as assimetrias entre os sujeitos que detêm ou não o poder.

Dessa forma, os alunos assumem uma postura crítica quando entendem como e o que constitui uma consciência do mundo, já que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Isso porque a consciência do mundo se constitui na relação com o mundo, não é um ato apenas individual, mas econômico, cultural, político e também pedagógico. Um trabalho de alfabetização para a emancipação dos sujeitos deve contemplar esses espaços, já que a educação é uma imersão em um mundo cultural e a cultura “é uma totalidade atravessada por interesses de classe” (FREIRE, 1990, p. 86), cujo aspecto econômico é preponderante para

elegermos quais bens da cultura serão valorizáveis para serem ensinados às novas gerações, mantendo-se o princípio de dominação.

Nesse sentido, o trabalho de alfabetização extrapola os limites da decifração do código escrito, rompendo com a antiga concepção de alfabetizar; tal ação se inscreve como um ato de consciência política, porque torna visíveis as relações e lutas simbólicas que acontecem entre as classes sociais para verem naturalizados seus bens e valores culturais, sobretudo, mantidos para serem ensinados. É nesse ponto que deve intervir o educador crítico. Ele, percebendo esses espaços, pode construir uma práxis que possibilite aos seus alunos uma percepção dessa realidade social, e a linguagem pode ser utilizada como ferramenta de acesso a esse vasto universo de possibilidades de intervenção no mundo, tornando a ação pedagógica um ato mais inquieto.

Freire (1990) destaca que seu projeto de alfabetização de adultos se constitui em um trabalho de alfabetização dos oprimidos. Na verdade, o que fez foi partir da leitura da palavra- mundo ao invés de começar a ler apenas decodificando – o ponto de partida foi a totalidade da palavra e do mundo que podíamos ler a partir dela. Quando optamos por esse jeito peculiar de ensino-aprendizagem, observamos que ocorrem as trocas de conhecimento, pois os sujeitos envolvidos no processo aprendem uns com os outros – não há espaço para as assimetrias entre professor e aluno, o que sabe ou o que não sabe.

Dessa forma, somente uma práxis astuciosa que olha o sistema com um pé dentro e outro fora é capaz de perceber e intervir nas instâncias de ensino para uma política de empoderamento sem ser classificada de fatalismo libertador. Não se trata de uma libertação que se deixa por conta da história, mas de sujeitos que agem no mundo para redimensionar práticas sociais, redimensionando também o poder nas relações de força entre dominadores e dominados. As consequências políticas advindas dessa ação pedagógica subvertem os discursos de dominação, denunciando-os, mostrando que eles se mantêm apenas por uma questão de posições e poderes econômicos.

Portanto, é necessário entender a educação como ato político e como uma teoria do conhecimento posta em prática, convocando os educandos a assumir seus respectivos papéis de sujeito do processo com o domínio de sua língua. Também é importante o conhecimento da língua da classe dominante para fazer uso consciente dela na construção do conhecimento, percebendo que a contradição entre dominante e dominado está no conflito cultural e de classe, pois negando a existência da cultura do dominado, o dominante anestesia e sabota a ascensão econômica do rival. Por essa razão, repensar a práxis pedagógica se torna crucial. A força resultante desse processo de reflexão intervém diretamente na capacidade de os sujeitos

se constituírem sujeitos de sua própria história, criando e recriando possibilidades de transformação do mundo em que vivem.

Para a concepção freiriana, a alfabetização tem um significado mais abrangente, na medida em que vai além do domínio do código escrito, pois enquanto prática discursiva possibilita uma leitura crítica da realidade, constitui-se importante instrumento de resgate da cidadania e reforça o engajamento do cidadão nos movimentos sociais que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela transformação social, defendendo a ideia de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, portanto a alfabetização do sujeito deve possibilitar uma leitura crítica do mundo no qual está inserido. Assim, no trabalho pedagógico com a alfabetização, além de ensinar o código alfabético, devemos ensinar uma maneira de ler e interpretar o mundo, pela qual são repassados valores, ideologias e crenças.

Assim sendo, mais do que ensinar a ler e a escrever o alfabetizador deve ensinar seus alunos a fazerem a “leitura de mundo”, com palavras que pertençam ao mundo dos jovens e adultos. Nesse sentido, é de fundamental importância que a opção metodológica adotada leve em conta o alfabetizando jovem e adulto, ou seja, considere sua condição de falante competente da língua para os usos cotidianos, bem como a riqueza e a variedade de experiências, saberes e interesses; que considere a origem regional, valorizando a sua linguagem, evitando a infantilização ou criação de linguagem artificial e propicie o exercício