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Para responder a pergunta do que determina o desempenho superior de uma empresa, existem duas perspectivas ontológicas distintas: de fora para dentro (outside-in) ou de dentro para fora (inside-out) (SALAZAR et al, 2012). A primeira abordagem é a que vimos no subcapítulo anterior, da estrutura-conduta-desempenho, que promulga que o ambiente de mercado externo às organizações deve ser o determinante principal das ações estratégicas da empresa.

Uma abordagem estratégica alternativa e que também busca compreender como as empresas se diferenciam é a visão baseada em recursos, que, diferentemente da abordagem da indústria, busca explicar a vantagem competitiva das empresas por meio de um olhar para dentro das organizações (inside-out), via recursos e capacidades internos, ou seja, controlados pela empresa. Dessa forma, a lógica da visão baseada em recursos é de que as empresas devem “descobrir seu próprio valor, suas singularidades, tornando mais onerosa a imitação de seus recursos e capacidades, para, só então, descobrir os mercados em que aqueles recursos possam ser explorados” (BARNEY; HESTERLY, 2004, p. 161).

A visão baseada em recursos tem suas origens em trabalhos dos economistas Edith Penrose, Joseph Schumpeter e David Ricardo (BARNEY; HESTERLY, 2004), mas especificamente “os trabalhos na gestão estratégica sob tal perspectiva começaram com a publicação de três artigos: Richard Rumelt (1984), Birger Wernerfelt (1984) e Jay Barney (1986)” (BARNEY; HESTERLY, 2004, p. 159). O termo “visão baseada em recursos” foi cunhado em 1984 por Wernerfelt, porém ganhou mais atenção dos acadêmicos como uma corrente teórica robusta a partir dos anos 90 (SALAZAR, 2017) e, nomeadamente, após o artigo seminal de Jay Barney (1991) “Firm resources and sustained competitive advantage”, que ampliou a discussão acadêmica em torno da visão baseada em recursos (FERREIRA et al, 2014).

O cerne da Visão Baseada em Recursos (ou RBV, do inglês, Resource Based View) é a premissa de que as organizações são agrupamentos de recursos idiossincráticos e que tais recursos e capacidades heterogêneos de uma empresa são o ponto chave para explicar a vantagem competitiva da organização (PENROSE, 1958; WERNERFELT, 1984; BARNEY, 1991; 1995, 2001; GRANT, 1991; PETERAF, 1993), independente da indústria em que estão inseridas.

Assim, a perspectiva da RBV apoia-se em dois pressupostos: (1) que os recursos e as capacidades podem variar significativamente entre firmas, ou seja, a suposição da heterogeneidade da firma e (2) que estes recursos não são móveis entre as organizações, mas sim, estáveis, ou seja, a suposição da imobilidade de recursos (BARNEY, 1991; BARNEY; HESTERLY, 2004). Dessa forma, torna-se fundamental entender como as empresas desenvolvem ou adquirem recursos tangíveis ou intangíveis (BARNEY; HESTERLY, 2004), como os organiza e os explora (WERNERFELT, 1984).

Uma das críticas mais pontuais que a RBV sofre se refere à falta de consenso de conceitos. Por exemplo, o conceito e a classificação dos recursos variam de acordo com os autores. Wernerfelt (1984) classifica recurso como tudo aquilo que pode ser pensado como uma força ou fraqueza para uma empresa, podendo ser definidos como os ativos (tangíveis e intangíveis) que estão ligados de forma semipermanente à empresa. Barney (1991, p. 101) define os recursos como “todos os ativos, capacidades, processos organizacionais, atributos da firma, informação, conhecimento, etc, controlados por uma empresa” e que permitem que esta conceba e implemente estratégias que melhorem seu desempenho. O autor os classifica em três categorias: recursos físicos (tecnologia física utilizada em uma firma, como máquinas, fábricas e outros ativos fixos), humanos (experiência, inteligência, treinamento, julgamento, relacionamento e sabedoria das pessoas associadas à firma) e organizacionais (estrutura de

trabalho, planejamento formal e informal, sistemas de controle e coordenação, cultura e reputação da empresa).

Os recursos também são definidos como os insumos que entram no processo de produção, ou seja, a unidade básica de análise, podendo ser classificados em seis categorias: recursos financeiros, físicos, humanos, tecnológicos, reputação e recursos organizacionais (GRANT, 1991). O autor foi o primeiro a distinguir os recursos, a unidade básica de análise, das capacidades- que representam o que a empresa pode fazer como resultado de grupos de recursos trabalhando juntos.

O mais proeminente autor da RBV é Jay Barney. O seu modelo VRIO (Valor, Raridade, Inimitabilidade e Organização) (BARNEY, 1995) para gerar vantagem competitiva sustentável para as empresas tem sido amplamente usado pelos autores acadêmicos de administração estratégica, bem como por estrategistas corporativos, a fim de compreender o que torna suas organizações únicas. O autor defende que os recursos da empresa que têm potencial para gerar vantagem competitiva sustentável devem ter quatro atributos: (1) devem ser valiosos – quando possibilitam a uma empresa conceber e implementar estratégias que melhorem sua eficiência e eficácia e que a permitam explorar oportunidades e neutralizar ameaças, (2) raros entre seus concorrentes ou competidores potenciais, (3) devem ser custosos de imitar (imperfeitamente imitáveis) e (4) sem substitutos estratégicos próximos ou equivalentes (BARNEY, 1990; BARNEY, HESTERLY, 2004). Os recursos são imperfeitamente imitáveis por uma ou a combinação de três razões: (a) condições históricas únicas da empresa; (b) ambiguidade causal; (c) complexidade social (BARNEY, 1991).

Nas últimas décadas, a RBV tem se tornado uma abordagem teórica robusta, utilizada em diversas áreas de pesquisa em Administração, incluindo negócios internacionais (PENG, 2001; FERREIRA et al, 2014; SALAZAR et al, 2012). As principais contribuições da RBV para a pesquisa de negócios internacionais estão relacionadas à dinâmica dos modos de entrada nos países hospedeiros (SHARMA; ERRAMILLI, 2004), à performance superior das empresas internacionais (DHANARAJ; BEAMISH, 2003; TSENG et al., 2007), ao papel dos recursos tangíveis e intangíveis da organização e do país hospedeiro para gerar vantagem competitiva (FAHY, 2002), ao desenvolvimento de recursos e capacidades ao longo do processo de internacionalização (PENG, 2001; PRAHALAD; HAMEL, 1990) e ao empreendedorismo internacional (LU et al, 2010).

No que tange especificamente aos modos de entrada ancorados na RBV, o framework proposto por Sharma e Erramilli (2004) defende que os modos de entrada em mercados internacionais escolhidos pelas empresas são baseados não apenas na exploração das vantagens

existentes, mas também na geração de novas vantagens decorrentes do processo de internacionalização da empresa (PENG, 2001). Neste sentido, de acordo com a RBV, o processo de internacionalização da empresa deve trazer benefício por meio da efetiva e eficiente transferência de recursos para o país hospedeiro, com mínima erosão em seu valor, ou seja, sem afetar a capacidade do recurso de gerar vantagem competitiva para a empresa. Assim, ao escolher para onde internacionalizar suas operações, a empresa deve analisar onde produzirá e onde comercializará seus produtos ou serviços de forma a obter vantagem competitiva nessas atividades. Quanto à decisão de propriedade baseada na RBV, assume-se que a escolha entre internalizar as atividades ou contar com parceiros no país hospedeiro, dependerá da capacidade da empresa de transferir seus recursos geradores de vantagens para os parceiros e associados no país em que pretende se internacionalizar (SHARMA; ERRAMILLI, 2004).

Dessa forma, a RBV também pode se constituir como um referencial para investigar as alianças estratégicas internacionais visto que pode explicar a aprendizagem organizacional em uma aliança estratégica, ainda que seja difícil de mensurar este construto (PENG, 2001).

Igualmente baseados na RBV, outros pesquisadores desenvolveram estudos para explicar quais recursos da empresa tem importância nos processos de internacionalização (DHANARAJ; BEAMISH, 2003; TSENG et al., 2007). Dhanaraj e Beamish (2003) analisaram os recursos da empresa que são determinantes para o desempenho exportador em pequenas e médias empresas dos Estados Unidos e Canadá. Os resultados concluíram que recursos como o tamanho da empresa, recursos empreendedores (como o risco e a gestão dos diretores) e intensidade tecnológica foram bons preditores da estratégia de exportação e influenciaram positivamente o desempenho exportador das empresas empiricamente analisadas.

Tseng et al (2007) também argumentam que a disponibilidade de recursos tem um papel crucial em determinar o crescimento internacional de uma empresa. Após propor um framework categorizando os recursos em duas categorias: recursos baseados em conhecimento e recursos baseados em propriedade, os autores analisaram empiricamente suas hipóteses. Os resultados obtidos em uma amostra de empresas da indústria norte-americana mostraram que os recursos baseados em conhecimento geram maiores influências no crescimento internacional, especificamente os recursos relacionados com conhecimento tecnológico e de marketing. Além disso, os recursos baseados em propriedade relacionados com a geração de lucros, ou seja, recursos financeiros, também são forças significativas por detrás do crescimento da multinacionalidade das empresas estudadas.

Fahy (2002) desenvolveu um modelo baseado nos recursos de vantagem competitiva em um ambiente global, considerando os recursos do país de origem e do país hospedeiro, bem

como os recursos da firma (tangíveis e intangíveis e capacidades) e os do país (básicos e avançados), baseado no diamante de Porter. O autor aplicou este modelo na indústria de componentes automotivos, com empresas do Japão, Estados Unidos, Reino Unido e Inglaterra. Concluiu que, em uma escala de importância crescente, os recursos tangíveis, os intangíveis e as capacidades são fontes de vantagem competitiva global (SALAZAR et al, 2012).

A internacionalização também pode contribuir para o desenvolvimento de recursos e capacidades para as empresas, por meio de sua experiência internacional, seja através do aprendizado pelas alianças estratégicas e pelas subsidiárias (PENG, 2001), bem como pelas aquisições internacionais. Estas são vistas como uma maneira de “comprar” recursos e capacidades que a empresa não possui (PRAHALAD; HAMEL, 1990).

Por fim, a RBV também já foi embasamento teórico para o estudo do empreendedorismo internacional em empresas chinesas empreendedoras que tenham se internacionalizado, em que se concluiu que a capacidade de adaptação das empresas exerce um papel mediador, agindo como uma importante variável entre os recursos – neste estudo, o capital institucional e os laços gerenciais – e o desempenho internacional dessas empresas (LU et al, 2010).

Ferreira et al (2014), em estudo bibliométrico, avaliaram a influência da RBV na pesquisa em negócios internacionais entre 1991 e 2010, analisando artigos publicados no Journal of International Business Studies, principal periódico internacional da área de negócios internacionais. Os autores concluíram que há um crescimento ao longo do tempo das pesquisas que utilizam a lente teórica da RBV para analisar os negócios internacionais; entretanto, somente cerca de dez por cento dos artigos mais recentes (entre 2001-2010) a utilizaram, significando que ainda existem contribuições a serem exploradas integrando-se a RBV com os estudos de internacionalização de empresas.

O arcabouço teórico da RBV nos negócios internacionais também é importante para entender o fenômeno da internacionalização no contexto de economias emergentes, especialmente devido às diferenças institucionais destes países em comparação com os países desenvolvidos (PENG, 2001). Assim, sugere-se que a integração da RBV com a teoria institucional pode ser promissora, especialmente para estudos em países emergentes (PENG, 2001; 2003).

Assim sendo, observa-se a importância de analisar os recursos internos da empresa como um sustentáculo para entender as idiossincrasias da organização e como estes recursos são projetados para o mercado externo, bem como os recursos que possam ser adquiridos ao longo do processo da internacionalização.

Apesar de sua importância, a visão baseada em recursos não consegue predizer o comportamento da empresa em paradigmas de transições institucionais (BAMIATZI et al, 2016) e, tal como a visão baseada na indústria, a RBV tem recebido críticas por não analisar o papel do ambiente institucional e tomar as instituições como algo “certo” (taken for granted) (PENG, 2003; BAMIATZI et al, 2016). Dessa forma, a teoria institucional, o terceiro pilar do tripé base deste estudo, será o tema do próximo subcapítulo, teoria esta, que oferece uma visão complementar à estratégia empresarial (BAMIATZI et al, 2016).

2.4 A INFLUÊNCIA INSTITUCIONAL: VISÃO BASEADA EM INSTITUIÇÕES PARA