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Analogia entre evolução orgânica e evolução tecnológica

3. Parte II: Design como Processo

3.4. A Natureza como estímulo para o Design

3.4.1. Analogia entre evolução orgânica e evolução tecnológica

Para compreender a evolução tecnológica é fundamental remontar às teorias referentes à evolução biológica. Os primeiros estudos direcionados para a compreensão da evolução biológica aludem aos estudos geológicos datados do início do século XVIII, ao qual se aplica o termo Progressão, no qual foram analisados fósseis. O conceito de “Evolução orgânica” foi desenvolvido mais tarde em 1809 por Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829), no seguimento dos seus estudos sobre a “filosofia zoológica” e o “Transformismo”426.

A partir de 1840, o conceito de Progressão ganha notoriedade com a Revolução Industrial, despoletando a noção de Art Progress, a qual reflete a ideia de progresso técnico, por meio da tentativa de conceber a máquina com uma aparência humana e animal com a finalidade de gerar maior empatia com o artificial. O termo Art Progress é apresentado por James Ferguson, em True

Principles of Beauty in Art, em 1849, demonstrando uma evolução do conhecimento resultante

das alterações técnicas (melhorias) dos artefactos que ao longo do tempo se tornam progressos técnicos. Tanto Lamarck como Darwin (1809-1882) utilizaram a máquina como recurso à compreensão da biologia427.

O Transformismo de Jean-Baptiste de Lamarck assenta em três ideias principais. A primeira considera que na evolução biológica os organismos lutam para se adaptar de um modo mais eficiente às circunstâncias ambientais que os envolvem. Na segunda ideia, Lamarck defende que os órgãos que são mais usados se desenvolvem mais e melhor do que os que são pouco usados. Por fim, a terceira ideia revela que toda a informação acerca das alterações e aquisições de um organismo durante o seu tempo de vida, é transmitida hereditariamente, modificando as gerações seguintes conforme as suas experiências. Perante estas ideologias, verifica-se a noção

de que as mudanças ambientais induzem mudanças nos organismos animais e vegetais428. Assim,

a Teoria Lamarckiana tende a indicar duas ideias-chave para uma evolução tecnológica: analogia entre a complexidade progressiva tanto em sistemas biológicos como em sistemas tecnológicos, e a ideia de que as mudanças ocorridas em sistemas biológicos no decorrer de fenómenos ambientais ocorrem igualmente em sistemas tecnológicos resultando do “uso e desuso”

426 Parra, P., 2007, pp. 26,32-33; Steadman, P., 1979, 125-126. 427 Parra, P., 2007, pp. 26-28, 32-33. 428 Parra, P., 2007, pp. 26,32,35; Steadman, P., 1979, pp. 125-126.

consoante as alterações no seu contexto (cultural, político, económico, social, ambiental, entre outros)429.

Contudo, com o desenvolvimento de conhecimentos de genética no decorrer dos anos 20 e 30, as teorias Lamarckianas foram rejeitadas mediante a comprovação de que as alterações nas atividades dos organismos durante a sua vida não alteram diretamente a sua informação genética430.

As teorias transformistas de Lamarck estão na origem do desenvolvimento das teorias evolucionistas conduzidas por Charles Darwin. A obra de Darwin, A Origem das Espécies, de 1859, alude às teorias evolucionistas, fundamentadas a partir de temas cujo desenvolvimento já tinha sido iniciado431, tendo no entanto impacto no modo como foram proliferados. Nesta obra, Darwin regista as suas observações a respeito da evolução orgânica, destacando-se três conceitos. O primeiro, de “espécies”, engloba as ideias de “tipo” (sujeitos da mesma espécie), de “classificação” (reunião de espécies semelhantes em géneros, estando estes reunidos em famílias), e de “hierarquia de capacidades” (ordenação de espécies, desde o mais básico ao mais complexo). O segundo conceito, de “adaptação432”, consiste na base de diferenciação das espécies, onde cada uma tem uma maneira própria e distinta de adaptação à vida. Por fim, o conceito de “evolução” presume que todos os seres evoluíram a partir de um mesmo ponto, mediante um processo de “seleção natural”. Esta seleção natural é suportada pelas ideologias: “princípio da variação” que remete a uma “variação adaptativa” resultante de alterações fisiológicas, morfológicas e comportamentais registadas numa espécie que estão associadas a vantagens e desvantagens de sobrevivência, sendo que os indivíduos mais beneficiados se desenvolvem e reproduzem com maior sucesso; “princípio de hereditariedade”, pelo qual as caraterísticas mais benéficas são transmitidas e fortalecidas por oposição ao desaparecimento das caraterísticas menos vantajosas; e “princípio da seleção natural” que consiste no processo natural de adaptação dos organismos ao seu meio envolvente, onde a multiplicação de espécies, ao deixar de ser suportada pelo meio ambiente, induz a “Luta pela sobrevivência”433.

429 Parra, P., 2007, p. 35. 430 Steadman, P., 1979, pp. 127-128. 431

Para além das influências da Teoria Transformista de Lamarck, Darwin também é influenciado pelos estudos iniciados pelo seu avô Erasmus Darwin, e pelos estudos de Buffon. (Steadman, P., 1979, pp. 130-131).

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O termo “adaptação” é utilizado para determinar o grau de relação entre a forma e a função. (Steadman, P., 1979, p. 58).

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Perante a compreensão destes conceitos expostos por Darwin, é possível verificar a analogia entre a evolução orgânica e a evolução tecnológica434. A evolução tecnológica, tal como na evolução orgânica, em sociedades primitivas, é desenvolvida através da produção de artefactos a partir de modelos anteriores dos mesmos artefactos, verificando-se a cópia (“tipo”), e assim, a hereditariedade das suas caraterísticas. Quando as caraterísticas mais vantajosas dos artefactos são copiadas e as menos vantajosas são eliminadas, a fim de sobreviver, criam “variações”, tal como se verifica com as espécies na Natureza. Finalmente, de modo a garantir a sua sobrevivência, os artefactos são sujeitos a um processo de seleção, enfrentando alterações conforme o seu meio envolvente, tal como os organismos naturais (“Luta pela sobrevivência”)435. Richard Neutra era um apologista nesta matéria, expondo o facto de que a beleza das formas biológicas surge da sua estrutura funcional em acompanhamento ao seu crescimento, de que é inseparável, ao qual a seleção natural é equiparada à seleção de valores da evolução tecnológica, onde a sua sobrevivência depende da eliminação de valores prejudiciais e da conservação de valores benéficos436.

Um autor de destaque no âmbito da evolução tecnológica é Augustus Henry Pitt-Rivers (1827- 1900), tendo sido o primeiro a reunir numa coleção informação relevante para a compreensão da evolução de utensílios e instrumentos humanos437. Em 1906, os seus estudos arqueológicos e antropológicos correspondem às primeiras aplicações práticas das teorias Darwinianas438.

Philip Steadman afirma que o Design, tal como as espécies, evolui a partir de uma “semente”, sendo progressivamente desenvolvido com nutrientes até atingir a maturidade, tornando-se mais complexo com a interação com o ambiente envolvente439.

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A diferença mais acentuada entre a evolução orgânica e a evolução tecnológica situa-se no facto de que na primeira as espécies novas não podem voltar às suas origens nem se podem fundir com outras espécies, enquanto na evolução tecnológica os artefactos podem surgir da combinação entre duas espécies distintas ou mediante a combinação de artefactos antigos. (Steadman, P., 2007, pp. 101-102).

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Parra, P., 2007, p. 36; Steadman, P., 1979, pp. 79-87. 436

Neutra, R., 1969, p.80. 437

Richard Owen distingue “analogia” de “homologia”, na qual a primeira se baseia na semelhança funcional entre órgãos de espécies animais diferentes, enquanto a homologia se refere à semelhança entre órgãos de diferentes espécies animais cujas formas e funções são distintas. [Steadman, P., 1979, pp. 98-99].

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O seu trabalho foi desenvolvido mais tarde por Leroi-Gourham. [Parra, P., 2007, p. 36]. 439