• Nenhum resultado encontrado

ANATOL ROSENFELD E A ESCOLA DE ARTE DRAMÁTICA (EAD)

No documento M ARIAA BADIAC ARDOSO (páginas 48-50)

A abordagem do processo de inserção de Rosenfeld na EAD, a atmosfera das aulas e o seu vasto repertório constituem o fio condutor de Alfredo Mesquita em “Rosenfeld e a Escola de Arte Dramática”. O texto revela ainda outra singularidade do intelectual: “Era atento. Uma coisa muito rara hoje em dia, as pessoas prestarem atenção. [...] Ouvia bem, se interessava pelas pessoas, pelas coisas. Era uma coisa raríssima”.109

Em meio a vários convites para ministrar aulas, Rosenfeld tornou-se professor na Escola de Arte Dramática (EAD). Sobre esse fato, Alfredo Mesquita, diretor da escola, assim se manifesta:

Mais tarde, veio para EAD (Escola de Arte Dramática), no curso de dramaturgia e crítica, para ocupar a cadeira de Estética Teatral. Faltava um professor e eu tive a ideia – que considero genial – de convidá-lo. Ele aceitou imediatamente. [...] Mas disse: “Eu não tenho conhecimento suficiente. Eu preciso me preparar”. Perguntei: “Quanto tempo você quer para se preparar?’” Ele disse: “Três ou quatro anos.” Eu respondi: ‘Jamais! Eu preciso de você imediatamente!’ Então eu expliquei para ele: “Na Europa, seria necessário. Aqui no Brasil, não. A gente faz tudo de ouvido. A gente convida uma pessoa que não entende do assunto e ela aceita o convite imediatamente. Mais tarde dá-se um jeito. A gente se vira.” [...] Ele aceitou por se tratar da EAD. [...] Foi uma grande aquisição para a escola. Ele era um grande professor e foi um grande êxito para nós.110

Considerando as escolhas de Rosenfeld apresentadas até o momento, pode-se dizer que tal aceitação está relacionada a dois fatores principais. Em primeiro lugar, o próprio perfil da EAD antes da institucionalização. Sua proposta principal era: “Para representar a vida que ensina, é necessário transformar o teatro em escola. Esse é o desafio da EAD de São Paulo e seu criador Alfredo Mesquita no final dos anos 40”.111 Para levar tal projeto adiante seria necessário se esquivar de modelos, currículos, normas ou padrões. Assim, era uma escola diferente, estava fora do quadro institucional.

109 MESQUITA, Alfredo. Rosenfeld e a Escola de Arte Dramática. In: GUINSBURG, Jacó; FILHO,

Plínio Martins. (Orgs.). Sobre Anatol Rosenfeld. São Paulo: Com-Arte, 1995, p. 68.

110 Ibid., p. 69.

111 FERRARA, José Armando. Encenar/Ensinar. In: ESCOLA DE ARTE Dramática (48-68): Alfredo

Pág

in

a

37

As pessoas se tornavam seus alunos porque gostavam de teatro. Em outras palavras, o foco não era o diploma.

As relações internas, entre direção, secretaria, alunos e professores, tratavam-se sempre de forma direta, pessoal, com forte teor afetivo. Afinal todos estavam ali com um só propósito, porque assim o haviam desejado, sem visar lucro imediato, a não ser o de aprimorar-se. Para os alunos o diploma não garantia nenhuma profissão segura. [...] Os professores, por seu turno, não pensavam em termos de salário, pouco mais que simbólicos e pagos irregularmente. O elo que unia a todos, mestres e discípulos, não era de natureza institucional e sim a sensação, tanto mais forte por ser subjetiva, de estar colaborando numa valiosa obra coletiva.112

Em segundo lugar, a proposta de repertório da EAD era bastante densa:

Com a finalidade precípua de formar atores e, se possível, com o tempo, dramaturgos, críticos, cenógrafos, diretores e cenotécnicos que, com base cultural sólida, conhecimentos técnicos aprofundados, baseando seu trabalho nos princípios da ética profissional, viessem a integrar o nosso teatro ainda incipiente, frágil mesmo, mas que tantas esperanças justificadas nos trazia.113

Para alguém que, como imigrante, não objetivou construir fortuna no Brasil, alguém que, como intelectual, preferiu não seguir carreira universitária, certamente o ambiente da EAD atraía Rosenfeld.

Em pouco tempo ele dominou a matéria e conseguiu coisas espantosas com os alunos. Porque ele tinha também um dom didático. E mais do que isso, se integrou ao teatro. Ele disse uma frase que me comoveu: “A EAD mudou o rumo do meu interesse artístico literário, das minhas leituras. Antes, apenas gostava de teatro. Hoje, sou um

112 FERRARA, José Armando. Encenar/Ensinar. In: ESCOLA DE ARTE Dramática (48-68): Alfredo

Mesquita. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1985, p. 15-16. Ainda que as relações se estabelecessem dessa maneira, é necessário considerar que, concernente ao conteúdo, método, teoria, fundamentos técnicos e interpretação, havia na EAD um projeto intelectual específico. Esse era condição primordial tanto no que se refere à inserção dos professores quanto ao ingresso e permanência dos alunos. “A estrutura montada por Alfredo Mesquita era fundamentada em um tripé básico: formação cultural, fundamentos técnicos e trabalho de interpretação propriamente dito. Os dois primeiros itens, evidentemente, deveriam preparar o aluno para a plena realização do último. Esse tripé básico já existia em embrião, desde a fundação da Escola, com as seguintes matérias: história do teatro, drama e comédia (interpretação), impostação vocal, mímica e francês. Tal estrutura seria aperfeiçoada em 1951-1952, quando foram introduzidas as seguintes disciplinas: preparatório, estética geral e estética da língua portuguesa, ritmo e português”. SILVA, Armando Sérgio da. Uma oficina

de atores: a escola de arte dramática de Alfredo Mesquita. São Paulo: EDUSP, 1988, p. 58.

113 MESQUITA, 1966, apud ESCOLA DE ARTE Dramática (48-68): Alfredo Mesquita. São Paulo:

Pág

in

a

38

apaixonado pelo teatro”. Ele não perdia um espetáculo em São Paulo. Lia teatro, lia tudo e se maravilhava, discutia e vibrava.114

Esse processo permitiu que começasse não apenas a escrever sobre crítica teatral nos jornais, mas se tornasse, ao lado de Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi, um importante crítico de teatro em São Paulo.115

No documento M ARIAA BADIAC ARDOSO (páginas 48-50)