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3 PERFIS SOCIAIS

3.3 Os Ancestrais

Quanto aos ancestrais dos deputados-escritores, a primeira constatação é a marcante carência de informação nos livros consultados. O silêncio dos biógrafos é o resultado da falta de referências bibliográficas precedentes, e essas, muito provavelmente, em decorrência da dificuldade de acesso à documentação específica de época. Contudo, outra dimensão do silêncio se impõe: a opção proposital de sonegar dados que, ou têm muito pouco a contribuir para a construção da imagem de excelência intelectual/política do biografado, ou simplesmente depõem contra ela.

O caso de Cândido Mendes, acima relatado, parece se encaminhar a essas duas frações de não-ditos propositais, ou de um esforço do biógrafo em extrair elementos isolados dos antepassados que pudessem fundamentar a narrativa de exaltação. Conforme descrito por

31 Ultramontanismo é uma corrente doutrinária/administrativa católica que defende a máxima autoridade e

prerrogativas papais sobre a disciplina eclesiástica e a Fé. É tradução do latim ultramontanus, significando "além das montanhas" (no caso, os Alpes), no sentido de quem está no norte da Europa e se refere ao sul, onde está Roma e a sede da Igreja.

32 Visconde do Ouro Preto: Afonso Celso de Assis Figueiredo. Afonso Celso: Afonso Celso de Assis Figueiredo

Santirocchi (2014, p. 63): ―Tais trabalhos, todavia, possuem muitas lacunas, demonstrando muito mais um intento laudatório que crítico. Não são uma produção biográfica problematizada. As principais lacunas se referem a seus ascendentes e à sua vida no Maranhão, que ocupam poucas linhas nas biografias.‖

Assim mesmo, alguns informes relevantes puderam ser colhidos, especialmente sobre os de primeiro grau em linha reta (pais), estendendo-se, a rigor, até o segundo (avós), em que pese, principalmente nos casos de deputados-escritores portadores de títulos de nobreza, como o Visconde de Vieira da Silva, as linhas genealógicas serem mais bem trabalhadas (COUTINHO, 2005b; MOTA, 2012). De início, quanto ao local de nascimento e morte, algumas conclusões podem ser alcançadas através da distribuição abaixo:

Quadro 3 – Local de nascimento e de morte (ascendente imediato) Local de

nascimento/morte

Maranhão Outro/Brasil Portugal Outro Indefinido

Nascimento 18 2 8 - 31

Morte 7 3 1 - 47

Fonte: Coutinho (1981), e outros.

Majoritariamente, o nascimento dos pais dos deputados-escritores é no Maranhão. No entanto, para a seção da população de parlamentares das décadas de 1830-40, a presença de pelo menos um deles com nascimento em Portugal é muito maior. Sim, porque ainda distavam poucos anos da Independência, e a chegada de imigrantes portugueses dentro do projeto de colonização do Maranhão não havia cessado, ou sequer diminuído, isso em razão do povoamento ter se iniciado tardiamente, se comparado a outras regiões do Brasil ou mesmo do Império Português mundial (MOTA, 2012), tendo sua maior projeção econômica ocorrida no entresséculos XVIII/XIX.

Por isso, o número de 8 nascimentos em terras lusitanas é quase todo concentrado entre os decênios de 1780 e 1810, sendo pouco menor que a metade dos nascimentos maranhenses. Logo em seguida, os pais portugueses praticamente desaparecem, e entre 1880 e 1930 não são mais identificados.

Quanto às informações acerca do local da morte deles, essas são ainda mais raras, posto que a própria biografia do deputado-escritor ofusca a importância da trajetória de seus antecedentes. É por isso que em tal categoria os números são bem menores que na anterior, circunstância que também pode ser averiguada na coluna ―Indefinido‖, aumentada no quesito. É interessante, contudo, notar a desproporção entre os nascidos e os mortos em Portugal, o

que indica o caráter migratório – definitivo – desses agentes.

Contudo, é necessário cuidado ao analisar os baixíssimos números da formação educacional superior dos pais. Acredita-se que, nesse caso, não se trate da raridade da fonte, mas sim da ampla escassez desse tipo de recurso. Isso porque os biógrafos decerto não perderiam a oportunidade de mencionar a existência do curso superior do pai/avô para subsidiar a formação ―intelectual‖ do descendente, considerando a natureza laudatória de seus escritos.

Com 28 nascimentos identificados, e apenas 7 titulações, é de se crer que a proporção de pais/avós com formação acadêmica circulasse mesmo em torno de 25%. No curso de um século, também se constata que a quantidade de formados, nas décadas iniciais, é praticamente nula, e aumentada vagarosamente durante o período, até estabilizar-se no entresséculos XIX/XX. No início do Oitocentos não existiam instituições de ensino superior aplicado no Brasil, sendo as primeiras escolas dessa natureza criadas por decreto executivo de D. Pedro I no final da década de 1820 (Faculdades de Direito de Olinda e de São Paulo).

Também, o capital acadêmico, nesse contexto, tinha bem menos importância para a produção de outros capitais de relevância na configuração do poder (em que pese, individualmente, assegurar postos elevados na estrutura administrativa), como os derivados das relações de ―compadrio‖, ―família‖, e mesmo do capital econômico. Ainda assim, o número de diplomados nos cursos jurídicos é marcante, se comparado aos demais, o que se repetirá no caso dos filhos, deputados-escritores:

Quadro 4 – Escolarização superior dos ascendentes (primeiro e segundo graus) Modalidade Total Direito 5 Medicina 1 Engenharia - Academia militar 1 Seminário religioso - Filosofia - Letras - Outro - Sem informação 52 Total 59

Quanto à atividade econômico-profissional dos pais e avós dos deputados- escritores, comparada à de seus filhos e netos, verifica-se uma profunda transformação na dinâmica dessas ―linhagens‖. Isso porque, os pais e avós dedicam-se mais a empreendimentos ligados ao campo (13) enquanto aqueles dedicados a atividades urbanas, se comparados a eles, são pouco mais de 30% (4). É bem recordar que os próprios deputados-escritores nascem, principalmente, nas cidades, mas suas conversões vão se dividir entre a administração das fazendas de seus antecedentes e as profissões urbanas (advocacia, cargos públicos, etc.).

Por outro lado, a sua descendência (filhos/netos) desligou-se por completo das atividades rurais como meio de obtenção de recursos financeiros (0). Ao reverso, o número de profissionais liberais (advogados, médicos, professores) entre eles é quase 5 vezes maior (3/14) tomando-se como referência seus avós e bisavós. O aumento dessa categoria envolve, obviamente, a maior procura e obtenção de diplomas acadêmicos, o que explica o acréscimo numérico na categoria ―Outros‖. Sim, pois ela abarca, também, servidores estatais e, portanto, ocupantes de cargos públicos, muitos desses demandantes da titulação específica (por exemplo, os judiciários):

Quadro 5 – Atividade econômico-profissional dos antecedentes / descendentes dos deputados Atividade econômica Antecedentes imediatos

(primeiro e segundo graus)

Descendentes imediatos (primeiro e segundo graus)

Total Lavrador/Pecuarista 13 - 13 Comerciante 3 - 3 Industrial - - - Banqueiro - - - Serviço 1 - 1 Profissões liberais 3 14 17 Outros (incluindo servidor estatal) / Sem informação 39 44 83

Fonte: Coutinho (1981), e outros

Dessa forma, três fases de investimento no ambiente econômico se desenrolam na genealogia desses parlamentares: seus avós/pais são proprietários rurais, os deputados- escritores em parte são proprietários rurais e em parte são profissionais urbanos, e seus filhos/netos não são proprietários rurais.