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1 INTRODUÇÃO

1.3 Operacionalização

A tese, como dito anteriormente, se direciona para a compreensão mais ampla sobre a formação de ―grupos dirigentes‖, os processos de construção de ―tradições‖ e ―heranças‖ políticas, bem como a produção, apropriação e reprodução de imagens sociais, que são bem desenvolvidos por Grill (2005; 2008; 2012; 2013; 2014) e por pesquisadores do grupo de estudos LEEPOC – Laboratório de Estudos sobre Elites Políticas e Culturais, ao qual também encontramo-nos filiados desde o trabalho dissertativo. Maneira tal que a ela está inserida em uma linha de pesquisa comum a outros profissionais das ciências sociais, que, inclusive, contribuíram para sua elaboração.

A pesquisa propriamente dita teve que lidar com a raridade de pares bibliográficos, pelo menos para o tipo de abordagem ajustada ao objeto empírico que ora apresentado. Assim mesmo, alguns textos estão disponíveis sobre o estudo dos processos de estruturação, disputa e reprodução do poder político entre as ―elites‖ econômicas maranhenses do século dezenove e início do vinte. Porém, seus esquemas analíticos, a rigor, foram colhidos como contribuição indireta ou parcial, já que não compartilham dos mesmos referenciais teóricos de fundo ora utilizados.

Porém, seus esquemas analíticos, a rigor, foram colhidos como contribuição indireta ou parcial, já que não compartilham dos mesmos referenciais teóricos de fundo ora utilizados. É o caso dos estudos publicados na década de 1980 que tentaram compreender o ―campesinato‖ e o ―operariado‖ do Maranhão no Oitocentos e seguinte, mas sem maiores preocupações com os ―grupos dirigentes‖ do período e valendo-se essencialmente da categoria marxista de ―classe dominante‖ para defini-los, dentre eles Assunção (20085) e

Melo (1990). O primeiro analisa as diversas dimensões das lutas que antecederam o período regencial – e durante esse – a já mencionada ―Balaiada‖, relacionando escravos e homens livres no mundo rural em oposição aos proprietários de terras. O segundo, por sua vez,

contrapõe trabalhadores das indústrias têxteis da cidade de São Luís a seus patrões, indicando os interesses contraditórios de ambos na relação entre capital e trabalho.

Tratando de estratégias político-econômicas dos segmentos dirigentes do período, têm-se Palhano (1988), Reis (2007), Almeida (2008) e, em certa, medida Borralho (2009). Eles também abordam, em graus diferentes, a constituição de ―parentelas‖ e os usos do chamado ―discurso decadência‖/―Atenas Brasileira‖. A partir disso, indicam os repertórios de ação por parte do ―Estado‖ ou de ―tradições‖ de ―grupos‖ ou ―elites‖ pré-constituídas.

Nesses casos, a ―intelectualidade‖ não é representada como uma construção que envolve a publicação de obra escrita, compreendida enquanto recurso essencial ao jogo político do período, no sentido de promover hierarquizações e definir níveis de poder, e nem há uma maior preocupação com os processos de desenvolvimento do que seria um ―perfil político-intelectual‖. São, com isso, ignoradas as dimensões alcançadas pela publicação de livros por agentes atuantes no domínio político, suas funções enquanto veículos de divulgação de tomadas de posição, definição de papeis e leitura de mundo. Há ainda outros trabalhos de fundo acadêmico, como os de Mota (2006; 2012) e Campos (2011), que se dedicam a compreender as redes de poder estabelecidas principalmente a partir do estabelecimento de vínculos familiares. Estudos de caráter não-acadêmico, como Guimarães, Sardinha e Sardinha (2010) e Coutinho (1979; 1981; 2005b; 2007; 2010), são igualmente importantes, ante a diversificada quantidade de informações que trazem.

Quanto à preocupação do que seriam ―elites‖ ou ―grupos dirigentes‖, Coradini (2008, p. 13-14) informa que isso não é o mais relevante, pois os estudos na verdade se direcionam para a ―[...] compreensão estruturas de capital, de poder e de dominação em diferentes esferas sociais‖, e as ―lutas pela imposição de princípios legítimos de dominação‖ (CORADINI, 2008, p. 12).

Nesse sentido, José Murilo de Carvalho (2013) diz que o debate acerca da identificação de ―quem manda‖ normalmente se modificava para a discussão centrada apenas nos métodos de identificação utilizados para localizar as pessoas ou grupos que realmente exerciam o poder. Ignorando tal celeuma, por considerar que no Império a ―estrutura política‖ era particularmente simples em razão de sua ―indiferenciação de esferas de influência e de focos de poder‖, utiliza o critério da ocupação dos cargos estatais para encontrar tais agentes: ―É razoável supor que as decisões de política nacional eram tomadas pelas pessoas que ocupavam os cargos do Executivo e do Legislativo, isto é, além do imperador, os conselheiros de Estado, os ministros, os senadores e os deputados.‖ (CARVALHO, 2013, p. 51).

Por outro lado, havia setores excluídos da possibilidade de ascensão segundo a estrutura agrário-escravista (Carvalho não considera os setores urbanos voltados ao comércio), e que buscavam encontrar na organização burocrática tal saída. Assim, configurava-se uma contradição insfraestrutural em que o Estado era organizado pela lavoura escravocrata mas seu corpo era ocupado por ―elementos mais dinâmicos‖, instalando ―[...] uma ambigüidade básica que dava à elite política certa margem de liberdade de ação‖ (CARVALHO, 2013, p. 41).

Em seguida, passa-se à compreensão dos critérios de recrutamento e seleção de lideranças, conforme suas condições e lógicas próprias. Uma abordagem crítica sobre o conceito de ―estamento‖ (CARVALHO, 1997) tomado e utilizado pela historiografia brasileira a partir de meados do século XX, tem relevância para o problema trazido pela tese, e mais ainda em razão de seus desdobramentos quanto à citada estrutura administrativa do estado imperial e republicano. Isso porque o ―estamento‖ teria uma configuração pré- constituída, vinculado à ordem burocrática colonial, herdada pelo Império e prorrogada na República. Carvalho (1997, s/p) resume sua construção:

Ao lado do ―feudalista‖ Nestor Duarte, há o ―patrimonialista‖ Raymundo Faoro, cuja tese inverte o argumento de Nestor Duarte. O Brasil seguiu a evolução de Portugal que desde o século XIV se havia livrado dos fracos traços de feudalismo e implantado um capitalismo de Estado de natureza patrimonial. Aos poucos formou- se um estamento burocrático, instrumento de domínio do rei que se tornou independente do próprio rei. A colonização foi empreendimento capitalista- mercantilista conduzido pelo rei e por esse estamento. O estamento, minoria dissociada da nação, é que domina, dele saindo a classe política, a elite que governa e separa governo e povo, Estado e nação. O capitalismo mercantilista monárquico, com seu estamento burocrático, bloqueou a evolução do capitalismo industrial em Portugal e no Brasil e, portanto, também a sociedade de classes e o Estado democrático-representativo (Faoro, 1958).

No entanto, Carvalho (1997, s/p) questiona a pertinência do sentido de ―estamento‖, na forma como foi apresentado, através do ataque à suposta unidade burocrática do estado brasileiro, fundamental que é a ele:

A existência do onipotente estamento burocrático de Faoro é de difícil comprovação empírica. Outros trabalhos sobre a burocracia imperial mostram um quadro fragmentado, antes que unificado (Carvalho, 1980a). O próprio estudo de Uricoechea postula uma relação distinta entre burocracia e senhoriato rural, o mesmo acontecendo com recente trabalho de Graham (1990).

O livro ―A construção da ordem – teatro de sombras‖ (CARVALHO, 2013) trouxe muitas contribuições. Para além da semelhança dos elementos empíricos, e por tanto,

das informações cedidas acerca de instituições e agentes, algumas abordagens de seu autor vão ao encontro dos capítulos aqui definidos. Um exemplo disso é sua dedicação em fundamentar a proposta de ―unificação ideológica da elite imperial‖ a partir da investigação da formação educacional de seus membros (CARVALHO, 2013, p. 65).

Isso quer dizer, minimamente, que não se trata, na sua concepção – ainda que não o afirme categoricamente – de um ―grupo‖ pré-constituído, mas ao contrário, que se forma enquanto tal a partir do compartilhamento de certos elementos pessoais (que são os ―capitais‖ ou ―trunfos‖), importantes para a definição de quem ocupará as instâncias de poder, literalmente, na sua proposta, as posições formais da administração do Estado. De tão considerável monta é essa preocupação, que Carvalho (2013, p. 78) apresenta quadros com o ―Nível Educacional dos Ministros [...]‖ e ―Nível Educacional dos Senadores não-Ministros‖.

No mesmo sentido, a presente tese também abordou o tema da formação educacional dos deputados, ascendentes e descendentes em capítulo próprio. A titulação advinda do capital universitário é fundamental enquanto critério para a ocupação de longo prazo das posições de poder, ainda que não seja, conforme se verá, para a aceitação da produção e dos produtores da escrita como ―intelectuais‖. Composição semelhante já havia sido identificada para a Academia Nacional de Medicina na segunda metade do século XIX: ―[...] os critérios de seleção da ANM [...] incluem, explicitamente, a avaliação da ‗personalidade‘, dos ‗títulos‘, da ‗memória‘ e dos trabalhos publicados, nesta ordem, visando a ‗integrar o peso das diversas facetas que compõem esses indivíduos como homens públicos, profissionais e cientistas‘‖ (CORADINI, 2005, p. 35).

No caso maranhense, a mera titulação universitária não é referência muito importante no processo de construção da imagem social de uma ―intelectualidade‖ tida como inata, abundante e sobrenatural/metafísica (uma entidade personalíssima que ignora e ultrapassa os ―problemas reais contemporâneos‖ como a ―decadência da lavoura‖, sobrepondo-os e projetando-se no tempo, ad aeternum), servindo de fundamento interpretativo do Maranhão.

Conceitos com o de ―amizade‖ (―emocional‖ e ―instrumental‖) de Wolf (2011) permitiram a compreensão de determinados tipos de vínculos estabelecidos entre os agentes que investem na publicação de livros e no concurso eleitoral para a formação de redes que propiciam lucros sociais coletivos entre seus componentes, muito além das instituições oficiais às quais estão inicialmente vinculados. Frente o que nomeia de ―sociedades complexas‖, o referido Wolf (2011, p.19) propõe que:

Em contraste com a amizade emocional, existe o que chamei de amizade instrumental. Pode ser que não se tenha estabelecido uma relação de amizade instrumental com o objetivo de obter acesso a recursos — naturais e sociais — mas o empenho por esse acesso torna-se vital nesta relação. Em contraste com a amizade emocional, que restringe a relação ã díade envolvida, na amizade instrumental cada membro da díade age como uma ligação potencial com outras pessoas fora da díade. Cada participante apadrinha o outro. Em contraste com a amizade emocional, associada à limitação do circulo social, a amizade instrumental vai além das fronteiras dos grupos existentes e procura estabelecer pontas de lança em novos grupos.

Esse tipo de vínculo se dá em razão do contexto de organização social ―híbrido‖ que se está lidando. Ele é consignado no jogo de importação/adaptação/manuseio das instituições produzidas em lugares e períodos determinados, e transplantadas para outros que não compartilham dos meios e condições em que surgiram e se desenvolveram, originalmente. Seu encaixe, ao inverso, ocorre em um sistema de forte indistinção dos espaços sociais:

O envolvimento com a política através da inserção em redes de relações estruturadas em torno de disputas pelo poder (facções partidárias, clubes, agremiações, sindicatos, corporações, movimentos sociais) e nas burocracias públicas, assim como as tomadas e posição e rupturas daí resultantes funcionam, pois, como estratégia corrente na tentativa de acúmulo de um capital simbólico ativo em diferentes espaços. Invariavelmente, essa interseção que mescla princípios das lutas político-eleitorais, das burocracias do Estado e de carreiras profissionais assenta-se em relações de reciprocidade, fundamentalmente, o clientelismo e a patronagem. (SEIDL; GRILL, 2013, p. 13)

Conjugadamente, as construções conceituais de Bourdieu (1980) também são de grande importância, pois proporcionam a visualização das formas de acúmulo, valorização e escambo dos recursos portados pelos agentes.

As modalidades de estratégias de reprodução (estratégias de fecundidade, profiláticas, educativas, econômicas, de acúmulo de relações socais, matrimoniais, simbólicas e de sociodiceias) acionadas pelos agentes para acumular recursos de luta e o sistema de compensações e funções cronologicamente articuladas que formam possuem pesos e composições variados de acordo: 1) com os mecanismos de reprodução disponíveis; 2) grau de objetivação dos capitais (Bourdieu, 1994). Ou seja, dois modos de dominação podem ser caracterizados de forma típica-ideal. (GRILL, 2013, p. 230)

Atendendo à circunstância de que as redes não são um dado previamente estabelecido, mas sim o fruto de ―estratégias de investimento social consciente ou inconscientemente orientadas para a instituição ou a reprodução de relações sociais diretamente utilizáveis‖, Bourdieu (1980, p. 2), informa, por exemplo, que:

O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis. Essas ligações são irredutíveis às relações objetivas de proximidade no espaço físico (geográfico) ou no espaço econômico e social porque são fundadas em trocas inseparavelmente materiais e simbólicas cuja instauração e perpetuação supõem o re-conhecimento dessa proximidade. O volume do capital social que um agente individual possui depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado.

As estruturas promotoras do ―interreconhecimento‖ servem para a identificação dos agentes tidos como ―vultos‖, tanto na época em que viveram como, longamente, por períodos posteriores, quando servem de parâmetro para a localização dos contemporâneos que sobre eles escrevem e se colocam como iguais.

Com efeito, essa abordagem já foi utilizada em trabalho anterior, na análise dos processos de recrutamento de lideranças no âmbito da Associação Comercial do Maranhão (NEVES, 2011), e também o foi no presente. Outra contribuição relevante é a de Badie (1990) e Badie e Hermet (1992), que fornece perspectivas de análise de compreensão dos processos de ―adaptação‖ das instituições importadas em meio às estruturas de poder preexistentes, que as moldam, desenvolvem e naturalizam. Suas propostas serão mais detalhadamente descritas em lugar próprio, que cuidará do processo de montagem das instituições européias políticas e intelectuais no Brasil e Maranhão, especialmente o parlamento (representação política, organização, eleições, etc.) e os lugares culturais/científicos (academias de letras, de medicina, institutos históricos, grêmios literários, faculdades).

Com isso, foi possível a investigação de como os investimentos na publicação de livros, por parte dos parlamentares maranhenses entre os anos de 1830-1930 teriam contribuído para a construção de suas próprias carreiras políticas, definição de hierarquizações e legitimações vinculadas também à interpretação das relações econômicas locais. Considerou-se, assim, os processos de estabelecimento e operação dos mecanismos de seleção, recrutamento, mediação e reconversão dessas lideranças ―político-intelectuais‖.

De plano, alerta-se que a produção historicamente localizada, objetivos e circunstâncias da chamada ―Atenas Brasileira‖ não foi objeto central da presente tese. Assim mesmo, algumas publicações que a abordaram serviram à pesquisa, no sentido de fornecerem elementos sobre ―escritores‖, ―poetas‖, ―jornalistas‖ e outros mais ou menos contemporâneos entre si. Eles teriam pertencido a uma suposta ―intelectualidade maranhense‖, que tentara

demonstrar, por seus criadores e legitimadores, o pertencimento a um conjunto homogêneo e representativo de uma ―sociedade‖ voltada ao gosto das ―boas letras‖ e ―cultura‖.

Esse slogan cultural foi estudado por Corrêa (2001), Borralho (2009) e Leão (2013), mas não na perspectiva de trabalho político que ora é proposto. De fato, os investimentos eleitorais dos agentes estudados por eles são, a rigor, excluídos do esforço de produção ―intelectual‖, o que redunda, ao final, na conclusão de que existiram campos sociais distintos (―político‖, ―cultural‖, ―econômico‖, etc.). De fato, esse resultado vai de encontro aos pressupostos ora colocados, centrados que estão na percepção de que essas divisões não se verificam, ao menos tão marcadamente, no objeto empírico abordado.

Dessa maneira, a construção da ideia da ―Atenas Brasileira‖ é percebida como parte dos recursos intelectuais em jogo, mas que, segundo o que se defende, é integrante das configurações sociais que a relacionam à atividade política, vínculo esse que se tem por fundamental.

É através dessas configurações que se analisou as trajetórias de agentes que não tiveram maiores proximidades entre si, pelo menos no sentido de uma ―produção intelectual‖ conjunta, como a chamada ―Atenas Brasileira‖ os ―vultos‖ de Coutinho tentam fazer crer. Entretanto, eles ocuparam cargos políticos a nível central e regional, e lograram franca identificação como ―intelectuais‖ ao tempo em que viveram e, ainda assim, um amplo e muito diversificado conjunto de publicações, inclusive recentes, evidenciam quase que unicamente a produção literária dos referidos, ―esquecendo‖, não sem propósito, outros tipos de investimentos, e com os quais ela se relaciona.

Obviamente que não esteve nos objetivos desta tese desmistificar ―tradições literárias‖ e ―trajetórias políticas‖, menos ainda opor uma à outra. O que se propôs foi tentar compreender como se opera a integração de investimentos políticos e intelectuais no sentido da produção de hierarquizações, mobilidades e significações na dinâmica política no período em destaque. Buscou-se então analisar como a publicação de livros teria contribuído para a afirmação política dos agentes com investimentos em ambas as atividades, percebendo as dimensões atingidas pela produção escrita com a definição de hierarquias e papeis de representação e mediação, implementados durante as disputas pelo controle e perpetuação do poder a partir do trabalho ―intelectual‖ no âmbito político regional.

Também se procurou expor a contextualização histórica geral do período compreendido entre os anos de 1830-1930, a construção de um perfil geral, com a investigação das propriedades sociais dos deputados-escritores, bem como a identificação e estudo de suas trajetórias, inclusive relacionalmente à de outros agentes que não investiram na

produção escrita. De igual maneira, tentou-se perceber como os deputados provinciais/estaduais maranhenses posicionaram-se sobre temas atinentes à atividade política, como produziram bens simbólicos através da edição de livros, construíram representações acerca de si mesmos, e sobre outras esferas sociais, definindo inclusive o que é a ―política‖ para aquele período, seus códigos de validade e legitimação, elaborando os critérios do que é a ―liderança‖ nesse domínio e quem a deve exercer.

Um problema de imediato se impôs para a operacionalização da pesquisa: quem são os deputados-escritores? Como mencionado, utilizou-se como ponto de partida o livro ―O poder legislativo no Maranhão, 1830-1930‖, de Mílson Coutinho (1981). Essa publicação foi redimensionada para cinco volumes, publicados entre os anos de 2009 e 2011, sob o título de ―História da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão‖, em cinco volumes. Contudo, não houve acréscimo relevante ao texto de 1981, que constou, na segunda, como o primeiro volume, permanecendo tanto o número de deputados descritos, e a estrutura de identificação de ―vultos‖.

Dessa maneira, para o período cronológico por ele definido, de um século, entre 1830 e 1930, contabilizou-se 580 deputados (o número total de mandatários na Assembléia Legislativa, nesse período, é praticamente o dobro). A elevada quantidade se explica pelo fato de que, durante o Império, que engloba pouco mais de 2/3 do tempo cronológico da pesquisa, os mandatos eletivos eram de apenas dois anos, sendo que a ampla maioria deles não conseguia ser reconduzido ao cargo nos escrutínios que se seguiam (eleitos novamente, pelo menos mais uma vez, representam cerca de 1/3 da população total).

Segundo o mesmo autor, 39 deputados teriam publicado títulos em formato livro (excluídos os editores de periódicos6), dos mais variados gêneros7 e modalidades de escrita, desde poesia, passando pelo teatro, educação pública, e até tratados militares, como a

6 Segundo o ―Dicionário Aurélio‖, a palavra ―livro‖ é conceituada como ―Reunião de folhas impressas presas por

um lado e enfaixadas ou montadas em capa.‖ (FERREIRA, 2004, p. 520). Nesse sentido, considerou-se como ―livro‖ todo tipo de publicação encadernada, independente do tamanho, qualidade das folhas ou tipo de capa. Aboliu-se também o número mínimo de páginas. Com razão, a definição desse objeto, na presente tese, tem a ver com os usos pretendidos por seus autores, que se direcionam para a preservação, pelo menos a médio prazo, das ideias nele consignadas. Como se verá em momento oportuno, a sua oposição, quanto ao uso, se dá com os periódicos, que têm formato próprio e utilização imediata. O periódico, aliás, é talvez o primeiro e mais frequente veículo utilizado para a divulgação do pensamento dos parlamentares, e quando tratam de temáticas específicas, e sendo bem recepcionados, não raro são convertidos em livro. Foram contabilizados, portanto, todas as publicações com essas características (considerando-se apenas uma edição, excluídos os títulos post mortem), cuja autoria, isolada ou conjuntamente, pertence a quem foi mandatário na Assembleia Legislativa do Maranhão entre 1830-1930.

7 Os gêneros são eixos temáticos que perpassam as formas de escrita adotadas, e que revelam uma ―variedade de