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Angela Davis, Judith Butler e Berenice Bento: o sujeito mulher na contemporaneidade

3. Pensamento feminista: recortes em torno da área de comunicação

3.6. Angela Davis, Judith Butler e Berenice Bento: o sujeito mulher na contemporaneidade

No combate às distorções e no resgate da cidadania, a professora e filósofa norte- americana Angela Yvone Davis alerta para o fato de que é impossível analisar a condição feminina na contemporaneidade sem levar em consideração o racismo e o sexismo como forças motrizes da exploração capitalista.

A própria trajetória de Davis é um exemplo do impacto causado pelo protagonismo das mulheres negras. Ela integrou o Partido Comunista dos Estados Unidos e os Panteras Negras. Sua notória militância passa pela luta pelos direitos das mulheres e contra a discriminação social e racial.

Quando nasceu, uma das mais populares organizações civis da época era a Ku Klux Klan, cuja trajetória ficou marcada por ataques sistemáticos à população negra. Envolvida na luta contra a discriminação, Davis se tornou símbolo internacional de resistência quando, na década de 1970, o Federal Bureau of Investigation (FBI) divulgou seu nome na lista dos dez fugitivos mais procurados. Ela foi presa pouco tempo depois, tornando-se alvo de um dos mais emblemáticos julgamentos criminais da história dos EUA. O viés político e persecutório de sua prisão deu origem a uma campanha mundialmente conhecida, intitulada Free Angela Davis (Libertem Angela Davis).

Finalmente inocentada, Davis chegou a se candidatar à vice-presidência dos Estados Unidos em 1980 e 1984, sendo até hoje uma das mais conhecidas feministas negras, com atuação contínua ecoando no pensamento contemporâneo. Exemplo disso foi sua presença e discurso na Marcha das Mulheres, em janeiro de 2017, em Washington D.C., no dia seguinte à posse de Donald Trump como presidente estadunidense.

No livro Mulheres, raça e classe (2016), Davis aborda o papel da mulher negra no trabalho escravo e na campanha pelos direitos civis nos EUA. Devido às similaridades históricas e culturais, seu pensamento pode ser utilizado como parâmetro importante para compreender as mesmas questões no Brasil.

Na opinião da ativista, foi por conta da luta das mulheres negras contra a segregação racial americana que o feminismo encontrou força e oportunidade para florescer. O exemplo destas mulheres teria se tornado um legado para as mulheres brancas, igualmente presas, mas sob outras condições menos bárbaras de desigualdade e injustiça. Segundo Davis (2016, p.41):

Foram essas mulheres que transmitiram para suas descendentes do sexo feminino, nominalmente livres, um legado de trabalho duro, perseverança e autossuficiência, um legado de tenacidade, resistência e insistência na igualdade sexual – em resumo, um legado que explica os parâmetros para uma nova condição da mulher.

Com base em Frederick Douglas, abolicionista, sufragista, orador e autor estadunidense do século XIX, Davis trabalha a questão do protagonismo feminino baseada na experiência de luta do movimento negro em busca de igualdade perante a lei. “Quando a verdadeira história da causa antiescravagista for escrita, as mulheres ocuparão um vasto espaço em suas páginas; porque a causa das pessoas escravas tem sido particularmente uma causa das mulheres” (DAVIS, 2016, p.43).

Davis (2016, p.31) aprofunda seu argumento sobre o relacionamento familiar em uma comunidade negra, definindo sua estrutura biológica como “matrilocal”, dado que este era o único espaço social onde escravos e escravas podiam vivenciar verdadeiramente suas experiências como seres humanos:

Se as mulheres negras sustentavam o terrível fardo da igualdade em meio à opressão, se gozavam de igualdade perante seus companheiros no ambiente doméstico, por outro lado elas também afirmavam sua igualdade de modo combativo, desafiando a desumana instituição da escravidão.

Outra cidadã estadunidense vem ganhando destaque na teoria feminista com discussões sobre a identidade, recorrendo amplamente a teorias psicanalistas, pós-estruturalistas e feministas: Judith Butler. Hoje, ela é uma das principais teóricas da questão contemporânea do feminismo e da teoria queer.

Filósofa pós-estruturalista, Butler é professora do Departamento de Retórica e Literatura Comparada da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos EUA. Sua pesquisa decompõe a estabilidade da categoria “mulher” e insere gradativamente um ponto de interrogação na constituição do sujeito, rejeitando uma identificação normativa e binária do sexo ao propor uma alteração no pensamento das teorias feministas que refletem a categoria de gênero de modo binário, masculino/feminino.

Em uma de suas obras mais provocativas, Problemas de gênero (2003), cuja primeira edição é de 1990, Butler (2003, p.11) explica sua análise:

Como estratégia para descaracterizar e dar novo significado às categorias corporais, descrevo e proponho uma série de práticas parodísticas baseadas numa teoria performativa de atos de gênero que rompem as categorias de

corpo, sexo, gênero e sexualidade, ocasionando sua re-significação subversiva e sua proliferação além da estrutura binária.

Para ela, “a crítica feminista tem de explorar as afirmações totalizantes da economia significante masculinista, mas também deve permanecer autocrítica em relação aos gestos totalizantes do feminismo” (2003, p.33). Para tanto, “a tarefa dessa investigação é centrar-se – e descentrar-se – nessas instituições definidoras: o falocentrismo e a heterossexualidade compulsória” (2003, p.9).

No livro Judith Butler e a teoria queer (2015), de Sarah Salih, professora de inglês na Universidade de Kent, em Canterbury, na Inglaterra, Butler é apontada como uma teórica que faz da identidade um processo sem fim e um devir.

Para a autora, Butler segue continuamente empenhada em examinar o “sujeito”, questionando quais os processos e em que meios se dá esta construção, sem resolver os pontos que levanta em suas obras, mas mantendo o processo em aberto e não resolvido. “O sujeito de Butler não é um indivíduo, mas uma estrutura linguística” (SALIH, 2015, p.11). Salih (2015, p.13) observa ainda:

De fato, ela vê a resolução como perigosamente anti-democrática, pois ideias e teorias que se apresentam como “verdades” autoevidentes são, com frequência, veículos para pressupostos ideológicos que oprimem certos grupos sociais, particularmente as minorias ou grupos marginalizados.

Salih (2015) menciona que a crítica genealógica de Butler se adequa à sua noção de identidade generificada. Neste aspecto, Butler colabora com as inovações empíricas no debate feminista contemporâneo, ampliando o famoso insight de Beauvoir de que “ninguém nasce mulher: tornar-se uma mulher” (BEAUVOIR, 2016b, p.11) para sugerir que mulher é algo que “fazemos” mais do algo que “somos”.

Teoria queer, termo famoso de Butler e empregado por diversos pesquisadores e ativistas, fala do não comum, do que foge às formulações habituais. Países de língua inglesa empregaram a palavra queer para classificar aqueles a quem a sociedade renunciava, enxergando-os como pervertidos, perdidos, devassos e desmoralizados.

Ao longo do tempo, o termo passou a ser apropriado pela comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBTs) e militantes, principalmente os transgêneros, que ressignificaram a palavra, passando a demarcar o empoderamento político na construção de uma nova concepção pós-identitária. Como revela Salih (2015, p.20):

Enquanto os estudos de gênero, os estudos gays e lésbicos e a teoria feminista podem ter tomado a existência de “o sujeito” (isto é, o sujeito gay, o sujeito lésbico, a “fêmea”, o sujeito feminino) como um pressuposto, a teoria queer empreende uma investigação e uma desconstrução dessas categorias, afirmando a indeterminação e a instabilidade de todas as identidades sexuadas e “generificadas”.

O livro Problemas de gênero (2003), de Butler, é um dos grandes marcos teóricos da terceira onda feminista14, assim como Segundo sexo (2016), de Simone de Beauvoir, foi extremamente influenciador para a segunda onda.

Também no Brasil, a produção textual feminista se destaca ao longo da luta e da história das mulheres. Berenice Bento, uma das grandes referências da área no país, é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), coordenadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Diversidade Sexual, Gêneros e Direitos Humanos (Tirésias) e autora dos livros A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual (2006) e O que

é transexualidade (2008).

Bento (2011, p.79) descreve, no artigo Política da diferença: feminismos e

transexualidades, o seguinte argumento:

Nomadismo, fragmento, diferença, pluralidade, esquisitices. Eis algumas das expressões que andam nos textos e bocas de pesquisadores/as brasileiros/as que se dedicam ao estudo dos conflitos e fissuras nas questões de gêneros e sexualidades. Aqui há um saudável incômodo em relação à velha dicotomia “nós” e “eles”. A alteridade está em todos os lugares. Habita-nos.

3.7. Asunción Aragón Varo e Inmaculata Díaz Narbona: sobre a prática jornalística e as