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História oral e comunicação: conceitos e método

5. História oral e comunicação: entrevistas aplicadas sobre gênero e jornalismo

5.1. História oral e comunicação: conceitos e método

As questões referentes ao jornalismo e às mulheres são abordadas neste capítulo utilizando-se, como método, a história oral. Este recurso subsidiou a elaboração e a montagem do roteiro de entrevistas, bem como auxiliou na construção e na interpretação dos dados coletados.

A pesquisa baseia-se na obra História oral: como fazer, como pensar (2007), de José Carlos Sebe B. Meihy, professor da Universidade do Grande Rio (Unigranrio) e professor titular aposentado do Departamento de História da USP, em coautoria com Fabíola Holanda, professora e pesquisadora do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Outros referenciais utilizados são as obras da professora e pesquisadora da ECA-USP, Cremilda Celeste de Araújo Medina (1986); do professor e pesquisador da UFSC, Nilson Lage (2001); e do professor e pesquisador da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Reginaldo Moreira (2014).

Meihy e Holanda (2007, p.19) acreditam que o método da história oral é uma alternativa para estudar a sociedade por intermédio de documentação realizada e da utilização de gravações. “A história oral é um processo sistêmico de uso de entrevistas gravadas, vertidas do oral para o escrito, com o fim de promover o registro e o uso das entrevistas”.

Os autores elencam as prioridades para projetos que pretendam fazer uso de entrevistas: planejamento da condução das gravações, definição de local, duração, fatores ambientais, transcrição e estabelecimento de textos, conferência do produto escrito, autorização para uso, arquivamento e, sempre que possível, publicação dos resultados para o grupo que gerou as entrevistas – fator também indicado como “devolução social”. “É relevante lembrar que só faz sentido discutir o documento em história oral se for considerada sua utilidade pública” (MEIHY; HOLANDA, 2007, p.30).

Dos três gêneros distintos que compõem no método da história oral – história oral de vida, história oral temática e tradição oral –, optou-se pela categoria história oral temática como mecanismo de análise interpretativa dos dados apresentados neste capítulo. A escolha se deve às análises fenomenológicas que tal procedimento carrega em si. De acordo com Meihy e Holanda (2007, p. 38):

A História Oral Temática é a solução que mais se aproxima das expectativas acadêmicas que confundem história oral com documentação convencional. Aliás, o caráter documental decorrente das entrevistas é o cerne desse ramo. Também é mais considerado por jornalistas e demais pessoas que se valem de

entrevistas como forma dialógica de promover discussões em torno de assunto específico.

As entrevistas objetivaram a análise descritiva de percepções, atitudes e representações sociais acerca das temáticas mulher e jornalismo. Como justificativa sobre as escolhas que se relacionam à metodologia adotada, é possível citar o caráter social deste projeto. Por trabalhar com narrativas, debates e reivindicações sociais, a história oral também se adapta perfeitamente ao campo das ações afirmativas, aqui entendidas como políticas pontuais destinadas a beneficiar pessoas pertencentes a grupos excluídos socioeconomicamente. Como sugerem Meihy e Holanda (2007, p.78):

Em tempos de ‘políticas afirmativas’ e de inclusão social, por certo, a história oral independente teria um papel importante como formuladora de postulados ágeis para gerar argumentos que instruem políticas públicas capazes de mudar o status quo histórico.

Optou-se por realizar as entrevistas e classificar as fontes como colaboradoras, a fim de demonstrar horizontalidade na relação estabelecida entre esta pesquisadora e as mulheres entrevistadas. Meihy e Holanda são enfáticos ao descrever a confusão que existe entre entrevista e depoimento. Para os autores, depoimento é peça de um inquérito policial. Entrevista, porém, é um ato de colaboração e “apenas se justifica como tal em processos democráticos” (MEIHY; HOLANDA, 2007, p.123):

Colaborador e colaboração não equivalem a informante e informação. Para a história oral, o resultado da colaboração e o sentido do colaborador em um projeto não se restringem às referências exatas de datas e fatos. Colaboradores são seres que ao narrar modulam expressões e subjetividades e a transparência disso é relevante aos exames decorrentes do texto estabelecido em análise com os demais.

Os ensinamentos de Nilson Lage também subsidiaram as entrevistas realizadas neste estudo. Em A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística (2001), ele descreve a técnica da notícia jornalística como um dos raros exemplos de texto desenvolvido fora da tradição da literatura. Adotando-se a proposta do autor, optou-se pela entrevista temática, categoria que aborda assuntos de conhecimento pleno das pessoas entrevistadas. Ademais, as circunstâncias de realização das entrevistas inserem-se no modelo dialogal, no qual “entrevistador e entrevistado constroem o tom de sua conversa, que evolui a partir de questões

propostas pelo primeiro, mas não se limitam a estes tópicos: permite-se o aprofundamento e detalhamento dos pontos abordados” (LAGE, 2001, p.77).

A pesquisa de Cremilda de Araújo Medina na obra Entrevista: o diálogo possível (1986) soma-se às referências utilizadas. Ao refletir sobre as narrativas científicas, ela esclarece a necessidade humana de constante exercício de instigação para a concretização do pensamento unidimensional e literal. “O homem contemporâneo está sob permanente estimulação-mosaico e pensar linearmente é uma prática que quase se isola no mundo letrado e na disciplina científica” (MEDINA, 1986, p.66). No “mosaico” de palavras desenvolvidas durante cada entrevista pretendeu-se, também, entender além do esperado e do relatado, averiguando qual deve ser a lógica de vivenciar um projeto de gênero e jornalismo, concretizando iniciativas que estão na contramão do mercado convencional da mídia.

Por fim, o livro A comunicação como dispositivo terapeutizante: mais mediação, menos

medicação (2014), de Reginaldo Moreira, traz outro elemento metodológico importante para

este capítulo: a incorporação de “casos-guia” aprofundados sobre jornalismo e gênero. Estes recortes são estudos esmiuçados que podem permitir implicações analíticas além da linearidade. Conforme menciona Moreira (2014, p. 33), é necessário um circuito que desenvolva uma trajetória de pesquisa-ação:

Esse percurso será composto por acontecimentos que impliquem novos dispositivos, que, por sua vez, abrirão novos sentidos, novos eixos e novas conexões, na cartografia a ser realizada, emprestando o olhar do pesquisador sobre a vida de nossa depoente colaboradora, aqui chamada caso-guia. Os acontecimentos da trajetória examinada nesta pesquisa foram acumulados em eixos temáticos, de acordo com o que Moreira denominou dispositivos relevantes extraídos das narrativas provenientes das fontes. “A cada eixo temático, o pesquisador realizará um aprofundamento em determinado aspecto daquela trajetória, voltando, em seguida, para superfície do mapeamento, em que a produção de vida acontece” (MOREIRA, 2014, p.36).

O diálogo entre distintos pesquisadores e as entrevistadas, bem como as escutas aprofundadas e as análises minuciosas sobre o caráter público dos temas mulher e jornalismo costuraram os caminhos e a metodologia final aqui utilizados. Assim, buscou-se métodos de produção do conhecimento que possibilitaram abrir a discussão dos temas, sistematizando a coleta das informações e a interpretação do material.