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Anisotropias desmagnetizante e de superfície

Em suas formas bulk, no regime de equilíbrio térmico à temperatura ambiente, o ferro (Fe), metal de transição ferromagnético, e o cromo (Cr), metal de transição paramagnético, possuem es- trutura cristalina cúbica de corpo centrado (ou bcc, do inglês body-cubic centered). Anisotropias magnéticas têm sua origem fundamental na distribuição eletrônica das redes cristalinas, podendo ter um caráter intrínseco, resultante de interações quânticas, ou estarem relacionadas a fatores ex- trínsecos, como por exemplo o método de crescimento da estrutura nanométrica. Em um cristal magnético, o arranjo dos momentos magnéticos reflete a simetria da rede cristalina e assim ambas as interações, entre os momentos e a rede, e entre os momentos em si, são influenciadas pela si- metria do cristal. Em geral, o termo anisotropia magnetocristalina é comumente associado a estas contribuições de energia anisotrópica resultantes, cujo mecanismo dominante tem sua origem no acoplamento spin-órbita[101,102,103]. Devido a este acoplamento, orbitais eletrônicos ligam-se

fortemente ao spin eletrônico e tendem a sofrer indiretamente a influência da magnetização quando esta tem sua orientação variada no espaço. Como consequência, podem haver variações na energia de interação entre a rede e os íons portadores de momento ou, por outro lado, o mecanismo pode levar a correções anisotrópicas na própria interação de troca entre íons.

Dependendo da intensidade relativa entre o campo cristalino e os efeitos associados ao acoplamento spin-órbita, há duas possibilidades para o comportamento magnético de um íon iso- lado na rede: uma delas onde os orbitais eletrônicos estão acoplados à rede através do campo criado pelos íons desta estrutura cristalina, e outra onde os orbitais estão acoplados à magnetização através do efeito spin-órbita. Para um momento angular orbital ~L rigidamente ligado à rede, a energia de anisotropia é determinada pela variação da energia associada ao acoplamento spin-órbita, propor- cional à ~L · ~S, onde ~L é fixo e o momento de spin ~S rotaciona sob a ação da magnetização ~M . Na situação oposta, onde o acoplamento spin-órbita é dominante, o momento angular orbital ~L interage fortemente com ~S, e a energia de anisotropia deriva das variações na orientação de ~L em relação à rede, ou seja, das variações na energia da função de onda eletrônica no campo cristalino. Correções anisotrópicas para a interação entre íons surgem do grau de superposição das funções de onda dos elétrons na rede. Sendo assim, a variação na orientação das funções de onda, devida ao acoplamento spin-órbita, se dá de acordo com as mudanças espaciais na magnetização. De fato, o principal efeito da anisotropia é privilegiar energeticamente a magnetização em certas direções (ou planos cristalinos), em outras palavras, há estados magnéticos nos quais a direção da magnetização corresponde a configurações de maior ou menor energia.

A anisotropia de forma [104], também conhecida como anisotropia desmagnetizante, surge a partir do processo de magnetização de um determinado material, caracterizando-se pela formação de dipolos não compensados no seu interior, responsáveis pela formação de um campo magnético interno ~HD (gerando uma atenuação em ~M ) diferente do campo externo aplicado ~H0.

Considerando o potencial escalar φ(~r) associado a um material genérico uniformemente magneti- zado, de volume V e área A, no ponto localizado pelo vetor posição ~r (com |~r| >> |~r′|), temos que

~

∇ · ~M = 0 para todo o interior do material, e o resultado final para φ(~r) é (veja a Figura2.3a),

φ(~r) = 1 4πM ·~ Z A ~n |~r − ~r′|da ′. (2.6)

r’

r

r r’-

N(r)

M

H

D

H

0

V

A

(b) (a) N NN NN S S S S S

Figura 2.3: (a) Potencial escalar φ(~r) criado por um material genérico uniformemente magnetizado e (b) a

formação de dipolos não compensados no interior de um elipsóide (N, S) e a origem do campo interno ~HD.

Além de ser diretamente proporcional à magnetização ~M , o potencial escalar é deter- minado unicamente pela forma geométrica do material, como mostra a Equação 2.6 acima. Em particular para um objeto elipsoidal com magnetização uniforme ~M , a relação ~HD = −~∇φ(~r)

revela que o próprio campo interno também é uniforme em todo o volume do objeto. Além disso, se ~M encontra-se em um dos eixos principais do elipsóide, o campo ~HD também alinha-se nesta

mesma direção, no sentido oposto, com intensidade proporcional à magnetização (Figura 2.3b). Sob estas circunstâncias, o campo ~HD = −D ~M é usualmente chamado de campo desmagneti-

zante, onde o coeficiente D é o tensor desmagnetizante. O valor deste tensor depende da loca- lização de ~M em relação aos eixos do elipsóide. Em geral, há três fatores de desmagnetização, Dxx, Dyy e Dzz, cada um associado a um dos eixos principais do elipsóide, obedecendo à relação

Dxx + Dyy + Dzz = 1. De fato, a origem da anisotropia de forma está na variação espacial da

magnetização no interior do material. Por exemplo, para uma esfera uniformemente magnetizada, temos Dxx = Dyy = Dzz = 13. Já no caso de um cilindro, com comprimento longo, o campo

desmagnetizante é nulo na direção ˆez, e portanto Dzz = 0, e Dxx = Dyy = 12.

Para uma camada monocristalina nanométrica, o resultado global da aplicação de um campo magnético ~H0, faz com que a magnetização ~M permaneça no plano X′Z′, aquele no qual

encontra-se a estrutura. Por definição, a expressão para a energia associada à anisotropia de forma pode ser obtida a partir do produto escalar entre a magnetização e o campo desmagnetizante ~HD,

em coordenadas esféricas (sistema X′YZ) e explicitando o tensor desmagnetizante, temos

ED = 2πdMS2(DX′X′sen2θcos2φ + DYY′sen2θsen2φ + DZZ′cos2θ). (2.7)

Considerando a hipótese de um campo magnético aplicado perpendicularmente ao plano X′Z, temos D

X′X′ = DZZ′ = 0, e DYY′ = 1. Neste caso,

ED = 2πdMS2sen2θsen2φ = 2πdMY2′ = 2πd( ~M · ˆeK′)2, (2.8)

sendo ˆeK′, a direção de crescimento da estrutura. Portanto, para um crescimento na direção ˆeY′, a

energia de anisotropia desmagnetizante por unidade de área para o caso de uma tricamada é

ED = 2π 2 X i=1 di ~Mi· ˆeY′ 2 . (2.9)

A partir de argumentos similares aos discutidos acima, pode-se mostrar a existência de uma anisotropia associada aos efeitos de borda que surgem devido ao processo de crescimento de multicamadas magnéticas. De fato, observa-se uma variação da magnetização no material em função da espessura da estrutura. Fenomenologicamente, este efeito tem sua origem associada à chamada anisotropia de superfície [105], sendo praticamente ausente quando trata-se de uma estrutura relativamente menos delgada. Em outras palavras, esta anisotropia torna menor a mag- netização final de uma amostra genérica quando comparada à magnetização de saturação de uma amostra mais delgada de um mesmo nanofilme. Utilizamos este termo de anisotropia em nosso mo- delo exatamente pelo fato dele explicar fenomenologicamente o decréscimo da magnetização com a diminuição da espessura do nanofilme. Matematicamente, a energia de anisotropia de superfície por unidade de área para uma tricamada é dada por

ES = − 2 X i=1 κi as M2 i  ~Mi· ˆeY′ 2 , (2.10)

onde a constante anisotrópica, κi

as> 0, minimiza o termo ESquando as magnetizações encontram-

ES << ED, a i-ésima magnetização permanece no plano do nanofilme ( ~Mi· ˆeY′ = 0). Por outro

lado, no tratamento das propriedades dinâmicas, uma vez que as magnetizações interagem com as ondas eletromagnéticas e oscilam fora do plano X′Z, a contribuição de ambas as anisotropias,

desmagnetizante ED e de superfície ES, é considerada.

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