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CAPÍTULO II O Sábado Santo no Coração do Ano Liturgico e do Mistério Pascal

3. O Ano Litúrgico

Sem alongar em grandes considerações sobre esta temática, é importante referir que são os mistérios da vida que Cristo que pautam o ritmo do Ano litúrgico.

No entanto, e não querendo entrar nas discussões cronológicas, que efectivamente limitam o pensamento humano, sobretudo nas suas considerações Kairóticas, e entrar na abordagem dogmática sobre o «tempo» da morte, da «descida aos infernos» e da «Ressurreição», importa salientar:

«a liturgia da Igreja deve ser como um momento da história salvífica, o que significa que o componente temporal é-lhe intrinsecamente conatural. Neste sentido, o ano litúrgico – enquanto tempo litúrgico – é continuação do tempo

265 Cf. S. MARSILI, «“Il Tempo litúrgico” attuazione della storia della salvezza», 222. 266 A. M. TRIACCA, «Tempo e Liturgia»,1169.

267 Cf. CEC 1104. Tempo de Israel • Criação (Começo do tempo) Jesus Crito (Plenitude do Tempo) • Encarnação, Ressurreição, Ascensão Tempo da Igreja • Parusía (fim dos tempos)

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bíblico ou histórico-salvífico no qual sucederam os eventos da salvação: as celebrações do ano litúrgico tornam eficaz no presente a realidade salvífica de tais eventos»268.

3.1. Definições

A expressão «Ano Litúrgico» é uma expressão relativamente recente, que surgiu da preocupação de organização conceptual dos tempos modernos, que no campo da liturgia procurou organizar o conjunto das festas litúrgicas cristãs, como uma unidade e um tempo sacro contraposto ao tempo cósmico e profano269. Assim o procurou fazer Dom Prosper Guéranger

na sua obra «L’Année Liturgique», ainda que este termo esteja muito ligado à nomeação e distribuição das festas que nele se encontram270, pois o seu grande objectivo «iniciar os fiéis aos mistérios da liturgia à medida que eles se desenrolam ao longo no ano litúrgico»271

Assim como o ano solar é marcado pelo movimento giratório em torno do sol, o ano litúrgico gira em torno dos mistérios de Jesus Cristo. Assim o ano, a sua subdivisão em quatro Têmporas, abandonada na reformulação do Calendário litúrgico pelo Concílio Vaticano II272, o mês e a semana e o dia litúrgicos têm como centro o mistério pascal. Na verdade, a celebração diária da Eucaristia, a celebração dominical273, e a festa anual da páscoa, são três momentos de uma única Páscoa274. Desta forma se percebe a definição retirada por Policarpo Rado da Encíclica Mediator Dei: «O Ano litúrgico é o ano solar estatuído pela Igreja em que se celebram os mistérios de Cristo sempre presentes e operantes para que os fiéis consigam a santificação»275.

268 M.AUGÉ,«Teologia do Ano Litúrgico». In Anámnesis 5. O Ano Litúrgico: História, Teologia e Celebração.

Paulinas, São Paulo 1991, 11.

269 Cf. M. AUGÉ, L’Anno Liturgico, 12-13.

270 A Obra de Prosper Guéranger «L’Année Liturgique» é uma longa publicação em vários volumes, onde explica

os vários tempos do Ano litúrgico e as celebrações nele contidas. Cf. «Préface génerale», in Prosper GUÉRANGER,

L’Année Liturgique. L’Avent. Maison Alfred Mame et Fils, Tours 1929, XI-XXVIII.

271 Cuthbert JOHNSON,Dom Guéranger et le Renouveau Liturgique. Une introduction à son oeuvre liturgique.

Tequi, Paris 1983, 31.

272 Cf. A. NOCENT, «Panorâmica histórica da evolução do ano litúrgico», in Anamnesis 5, 50. 273 Cf. C. FLORISTÁN SAMANES, El Año Litúrgico, 22.

274 Cf. C. FLORISTÁN SAMANES, El Año Litúrgico, 14-20.

275 «Annus liturgicus est annus solaris ab Ecclesia constitutus quo Christi mysteria recoluntur praesentiaque continenter adsunt et operantur, ut fideles ea attingerent ac per ea quadammodo viverent» (MDei n. 163): P.

RADO,Enchiridion Liturgicum II. Complectens Theologiae Sacramentalis et Dogmata et Leges Iuxta novum Codicem Rubricarum. Herder, Roma 1961, 1078.

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O ano solar identifica a causa material, os mistérios de Cristo a causa formal, e a participação de todos os fiéis nos mistérios de Cristo a causa final. Na verdade o Ano litúrgico não é um conjunto de festas, ele próprio identifica-se com Cristo, uma imagem da eternidade projectada no tempo, dando ao cristão a possibilidade de cada ano se aproximar cada vez mais perfeita do mistério total da salvação276. O Ano Litúrgico é o mistério de Cristo celebrado cujo conteúdo histórico-salvífico apresentado em forma de ritual dá à celebração litúrgica o valor de Kairós, momento salvifico: «Após a gloriosa Ascensão de Cristo, a obra da salvação é continuada sobretudo por meio da celebração da liturgia, a qual não sem razão é considerada como o ultimo tempo da história da salvação»277.

3.2. A celebraçãocíclica do Ano litúrgico

O tempo da salvação inserido no tempo cósmico apresenta-se sob a forma cíclica, intimamente ligada ao tempo cósmico. Recorde-se que algumas datas das festas do Ano litúrgico estão dependentes dos fenómenos do tempo cósmico, por exemplo própria páscoa.

O Annus circulus, caracterizado pela celebração circular do Ano litúrgico onde são inseridos anualmente a celebração dos mistérios de Cristo, é uma expressão que aparece nos Sacramentário Gregoriano-Adrianino, século VIII278.

Porém, apesar da sua circularidade, o Ano litúrgico não é identificado com o fatalismo de um eterno retorno de estações. Na verdade, se o ano litúrgico apresenta, na sua relação com o tempo cósmico esta circularidade, também é verdade, que a sua actualização dos mistérios de Cristo, como continuação do tempo bíblico ou histórico-salvífico, faz dele um tempo linear279. A sua repetibilidade aparece como uma espiral progressiva em direcção à parusia, isto é, o Ano litúrgico tem uma dinâmica que remete para a escatologia. Ele começa e termina da mesma

276 Cf. J. A. GONI, Historia del Año Litúrgico y del Calendario Romano. Centre de Pastoral Litúrgica, Barcelona

2010, 236; cf. C. FLORISTÁN SAMANES, El Año Litúrgico, 23.

277 «Prenotanda 11», in CONGREGATIO PRO CULTU DIVINO, Collectio Missarum de Beata Maria Virgine. Editio

Typica, Cidade do Vaticano 1987, XII: «Post gloriosam Christi ascensionem, opus salutis per liturgiae praesertim

celebrationem continuatur, quae non immerito tempus ultimum historiae salutis habetur».

278 Cf. Le Sacramentaire Grégorien. Ses principales formes d’aprés les plus anciens manuscrits. Édicions

Universitaires Friburg Suisse, Fribourg 21979, 85.Cf. M. Augé, «Teologia do Ano Litúrgico», 28-29. 279 Cf. M. AUGÉ, L’Anno Liturgico, 41.

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forma: com a Parusia, o eschaton, o último. O Advento celebra a esperança da vinda ultima de Cristo Salvador, assim também a Festa do Cristo Rei com que termina o Ano Litúrgico. É preciso fomentar este equilíbrio entre a participação presente, e o cumprimento futuro. Só assim se pode estabelecer uma relação harmónica com a história, como Paulo quer apresentar com o texto de 1 Cor 11, 16: A atualização do mistério pascal, no hoje daqueles que participam do Pão e do Vinho, anunciando a morte do Senhor, até que Ele venha.

3.3. Nascimento e evolução do ano litúrgico

A organização do ano litúrgico não é aleatória, mas está associada a uma determinada pedagogia, que visa celebrar na vida de cada crente os misteria Christi. Este é o seu objectivo primeiro.

O Ano Litúrgico tem como partícula semanal o domingo, no qual se centra a celebração do mistério da redenção. Desde de São Paulo que se celebra o Domingo como a festa Pascal anual (Cf. Cor 16, 1).

Segundo o que refere Origenes, as festas nos três primeiros séculos reduziam-se ao «Dominicis, Parasceves, Paschatis, Pentecostes»280. Com o desenrolar da liturgia romana, ao longo dos séculos V, VI e VII. Sucessivamente foram aparecendo as festas da Natividade, no contexto das lutas cristológicas. No século III, no Egipto, aparece a festa da Epifania como celebração do Nascimento de Cristo. Porém, em Roma, com o objectivo de transformar a festa do sol pagã, nasce a festa da Natividade entre os anos 325-335281.

Até ao século IV, a páscoa terá sido a única festa a ser celebrada no contexto ao Ano Litúrgico. Era a festa por antonomásia282. Porém, a partir deste século detecta-se a uma tendência para a fragmentação do mistério de Cristo, que vão pautando o ano litúrgico. É também a partir do século IV que em torno da Páscoa começa a surgir a Quaresma e consolida-se a semana santa

280 ORIGENES, Contra Celsum 8, 758. J. P. MIGNE (PG11)Paris 1857, 1550. 281 Cf. C. FLORISTÁN SAMANES, El Año Litúrgico, 25.

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e o Tríduo Pascal como tempos de preparação espiritual, e também um tempo de prolongação desta, até à celebração da festa da Ascensão, quarenta dias depois desta.

Com o desenvolvimento do Ano litúrgico, das suas festas e celebrações, que não me detenho a enunciar na sua diversidade, foi crescendo também a diversidade de opiniões acerca do início do Ano: para uns seria a na Natividade, outros a 25 de Março, na festa da Anunciação, outros na Vigília Pascal, 1 de Março, 1 de Janeiro, no início do Advento283. Assim, também nem sempre o Mistério Pascal fora o núcleo central do Ano litúrgico. Porém a redescoberta da sua importância dá-se com desenvolvimento do movimento litúrgico, no século XX.

Ao longo dos séculos foi-se estabelecendo o círculo do Ano Litúrgico, cujo calendário não importa referir aqui, no entanto pode-se apresentar a variação que dele se estabeleceu quer no Código de Rúbricas de 1960284, quer a sua reformulação desenhada nas Normae universales de Anno Liturgico et de Calendario285 aprovadas pela Carta Apostólica em forma deMotu Proprio «Datae quibus normae universales de Anno Liturgico et novum calendarium Romanum Generale approbantur: Mysterium Paschale» de Paulo VI, de 1969286.

Assim pode-se expressar no seguinte esquema elaborado pelo Código de Rúbricas de 26 de Julho de 1960: D E A N N I TE MPO R IBU S

Ciclus Tempus Decurrit ad Usque ad

Ciclus Nativitatis De Tempore Adventus I Vesperis dominicae I Adventus Nonam inclusive vigiliae Nativitatis Domini De Tempore Natalicio

Tempus Nativitatis I Vesperis Nativitatis Domini

Nonam inclusive diei 5 ianuarii

Tempus Epiphaniae I Vesperis Epiphaniae Domini

Diem 13 ianuarii inclusive

283 Cf. C. FLORISTÁN SAMANES, El Año Litúrgico, 26.

284 Cf. SACRA RITUM CONGREGATIO - «Rubricae Breviarii et Missalis Romani (26 iulli 1960)». AAS 52 (1960)

607-608.

285 Cf. Missale Romanum ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II instauratum auctoritate Pauli

PP. VI promulgatum, editio typica, Typis Vaticanis, 1970, 100-125.

286 PAULUS VI,«Littera Apostolica deMotu Proprio “Datae quibus normae universales de Anno Liturgico et novum

82 Ciclus Paschalis De Tempore Septuagesimae I Vesperis Dominicae in Septuagesima Post Completorium feriae III hebdomadae Quinquagesimae De Tempore Quadragesimali Tempus Quadragesimae Matutino feriae IV cinerum Nonam inclusive sabbati ante dominicam I Passionis Tempus Passionis I Vesperis dominicae I Passionis Missam Vigiliae paschalis exclusive De Tempore Paschali

Tempus Paschatis Missam Vigiliae Paschalis Nonam inclusive vigiliae Ascensionis Domini Tempus Ascensionis I Vesperis Ascensionis Domini Nonam inclusive vigiliae Pentecostes Octavam Pentecostes Missa Vigiliae Pentecostes Nonam inclusive sabbati sequentis Tempus extra- ciclicus De Tempore «per annum» Ante

Septuagesimae Die 14 ianuarii

Nonam sabbati ante Dominicam in Septuagesima Post Pentecostes I Vesperis festi Santissimae Trinitatis Nonam inclusive sabbati ante Dominicam I Adventus