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3 FORMAÇÃO DOCENTE: UM FATO MEMORIALÍSTICO

3.3 Form(ação) escolar e docente

3.3.1 Anos fundamentais, anos medianos

Dos meus primeiros anos de vida escolar, tenho uma vaga lembrança. Mas acredito que as reminiscências relacionam e auxiliam nossa reconstrução do vivido e do experienciado. Além disso, as lembranças surgem em nossa memória quando nos propomos ou somos instigados a buscar nossas reminiscências, que retomamos ao longo de nossa formação.

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representação que povoam nossa consciência atual. (BOSI, 1995, p. 55). Fiz o ensino fundamental com meus irmãos mais velhos. A faixa etária dos alunos era de 7 a 14 anos. Eu tinha 8, mas recordo que a heterogeneidade me constrangia. Fui alfabetizada pelo método tradicional da época: “a repetição”: decorar o alfabeto, as lições e a tabuada; e era punida quando não acertava as arguições: ficava sem recreio ou permanecia na escola após a aula para decorar o que havia errado. Quando chegava em casa, levava puxões

de orelha do meu pai. Ele não fazia questão que eu fosse para escola; mas, como eu queria estudar, não tinha o direito de errar a tabuada.

Como as lembranças são vagas, não me recordo de professores e professoras dessas séries. Mas me lembro da professora da 4ª série: meiga, carinhosa. Eu gostava dela! Em 1981, fiquei para recuperação em Estudos Sociais. Na 5ª série, tive problemas de adaptação: o aumento do número de disciplinas e docentes me assustou. Sempre repetiam: “A 5ª série é muito difícil, cuidado para não ‘tomar bomba’, repetir a série”. Alguns, na reunião de pais, insistiam em falar com minha mãe — faltei de aula uma semana com vergonha de contar que morava só com meu pai. A professora de Geografia era atenciosa e me ajudou a superar o medo da 5ª série; dava aula no pátio da escola, desenhava (esboçava) o mapa do Brasil no chão e o dividia em regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul; os estados, ela mandava estudar em casa. No fim da aula, deixava a gente brincar de amarelinha no mapa — era a melhor parte! Mas aprendi quais eram as regiões e os estados do Brasil. No início da 6ª série, um fato marcou minha vida: a morte da minha irmã mais velha. Por isso, fui morar com minha mãe, em Capinópolis, onde terminei o ensino fundamental e médio numa escola estadual. A mudança de cidade, escola e a falta da minha irmã dificultaram meu rendimento e comportamento escolar. A professora de Português me comparava com meu irmão caçula: “Por que você não fica caladinha igual seu irmão? Ele é um ótimo aluno”. Isso me deixava triste e desestimulada, pois não conseguia ser como ele nem ouvir elogios dela. Hoje sei que ser igual ao meu irmão significava não conversar, não questionar. Era a realidade do ensino tradicional: do aluno tido como ser absorvedor de conhecimentos prontos.

A criança é vista como receptor passivo de informações, que deve aprender a dar evidências de progresso cotidiano, o que pode excluir a visão do processo de aprendizagem, no qual os conflitos são necessários. Na maior parte das vezes, os procedimentos didáticos tradicionais têm transformado a alfabetização em simples ato de codificar e decodificar a recitação e a escrita de sílabas, palavras e frases que aparecem de frases dissociadas de seus significados e do contexto, retirando do ato de ler e de escrever seu prazer e sua função social. (AROEIRA, 1996, p. 111).

Em geral, os textos de leitura eram curtos, simplificados e desvinculados da linguagem cotidiana do educando. Livros de literatura eram raros. A aprendizagem ocorria mediante associações entre o desenho das letras e os sons correspondentes. Era a realidade do ensino tradicional: da predominância da autoridade docente na relação entre professores e alunos, da exigência de atitude receptiva dos alunos e do impedimento de qualquer ato de comunicação entre os discentes na aula (LUCKESI, 1991).

Da fase da 7ª série do ensino fundamental à 1ª do médio, não tenho lembranças marcantes de nenhum professor, nenhuma professora, nem de alguma disciplina. Mas me lembro que Física e Matemática eram difíceis. O professor de Física era aposentando, mas continuava a ministrar aulas; recordo como corrigia as avaliações: era segundo o comportamento do aluno, e não conforme a aprendizagem produzida. A professora de Matemática corrigia a prova com base no número de acertos, os exercícios tinham de ser resolvidos consoante os passos indicados por ela, que não aceitava que nós alunos criássemos alternativas (caminhos diferentes) para resolver os exercícios. Como eu resolvia os exercícios da forma direta — do jeito que aprendi com o professor da 8ª série —, eu sempre tirava nota menor que esperava; e a nota gerava ansiedade em mim, pois eu já tinha tirado muita nota baixa e no ano seguinte cursaria a 2ª série do ensino médio.

Nesse ínterim, outro fato marcou minha vida: a construção de uma família. Conheci meu esposo e me casei jovem. Mesmo com nosso amor, a razão principal para o casamento foi uma gravidez não planejada. Então abandonei os estudos, pois quando minha primeira filha nasceu eu ainda não tinha 18 anos de idade. Após dez anos, em 1996, retomei meus estudos para concluir o ensino médio. Como mãe da segunda filha, era uma aluna diferente: sempre preocupada com a repercussão dos meus atos e bastante reflexiva. Mas me lembro que alguns professores pareciam ter parado no tempo: edições de livros didáticos com conteúdo atualizado contrastavam com estratégias pedagógicas antigas. Após concluir o ensino médio, acreditei que seria possível realizar meu sonho de criança: ser professora, que eu sempre dizia que seria quando crescesse. A escolha da área de Biologia veio da paixão pelos seres vivos — pela vida.

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