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No que diz respeito aos seus objetivos e estrutura, a legislação referente ao curso de Pedagogia passou por alterações na década de 1960, que apesar de não modificarem radicalmente o quadro de indefinição ou pouca definição do perfil do profissional a ser formado, trouxeram, umas mais, outras menos, mudanças importantes na estrutura curricular do curso. Essas alterações na legislação, expressavam, em certa medida as mudanças econômicas e sociais que ocorriam no Brasil naquele período. Comentando como o contexto macroeconômico brasileiro influenciou

a formulação de políticas voltadas para o ensino superior nas décadas de 40, 50 e 60, Brzezinski (1996) afirma que o desenvolvimento econômico teve como uma de suas consequências a busca por mão de obra melhor qualificada. A demanda por trabalhadores com melhores níveis de escolaridade contribuiu para a ampliação do ensino de segundo grau, o que, por sua vez,

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motivou a expansão do ensino superior, principalmente aquele ofertado nas Faculdades de Filosofia, cujos cursos visavam formar professores para lecionar nas escolas secundárias.

O curso de Pedagogia, que neste período tinha como finalidade formar técnicos de educação e docentes para as Escolas Normais e para o ensino secundário, tornou-se cada vez mais alvo de debates sobre a (in) adequação de seus objetivos. Discutia-se a possibilidade de alocar a formação do técnico de educação na pós-graduação e de manter a formação de professores de ensino secundário nos demais cursos da Faculdade de Filosofia, além de se debater se seria necessário formar em nível superior os professores da escola primária. Segundo Cruz, o ápice destes debates foi a disseminação, entre “os educadores e os legisladores” da possibilidade de extinção do curso de Pedagogia. Assim, a legislação em vigor relativa ao curso, nos anos 60, refletia esses embates em relação às finalidades e à relevância (ou não) da manutenção dessa formação. Em 1962 três pareceres introduziram modificações que, com maior ou menor profundidade, colaboraram para conformar o perfil do curso. Tendo em vista que já existia um espaço reservado para a preparação de professores da escola primária, no curso Normal, e considerando a complexidade de transpor a formação deste profissional para a graduação, o segundo marco legal do curso de Pedagogia, o Parecer CFE nº 251/ 62 debruçou-se somente sobre sua estrutura curricular “(...) e a ideia de extinção não foi levada a efeito” (CRUZ, 2011, p.37). Posteriormente, o curso sofreu também influências advindas da Reforma Universitária de 1968, sendo que em 1969, um ano após a Reforma, vivenciou a alteração de maior impacto até então, com a publicação do Parecer nº 252/1969, que introduziu as habilitações. Nas próximas seções são apresentadas as alterações decorrentes dos Pareceres e comentadas as conexões entre a Reforma Universitária de 1968, a Faculdade de Educação e o Curso de Pedagogia.

1.2.1 1962: os Pareceres CFE nº.251/62 e nº.292/62

Em 1962 o Parecer CFE n º 251/62 estabeleceu que o curso visava formar o técnico de educação e o docente de disciplinas pedagógicas do curso normal; no primeiro caso por meio do bacharelado e no segundo, através da licenciatura, a partir de então cursada concomitantemente

34 ao bacharelado (CHAGAS, 1962a). No texto, redigido pelo Conselheiro Valnir Chagas10, que também produziu os demais documentos que conformaram a identidade do curso durante boa parte de sua existência, é possível identificar o conflito, anteriormente mencionado, entre a continuidade e a extinção da graduação em Pedagogia, sendo que o documento expressa o ponto de vista de seu relator, favorável a que o curso formasse o professor da escola primária e que a preparação do técnico de educação passasse a se dar na pós-graduação. Como já citado, essas alterações não foram efetivadas e a formação do técnico de educação permaneceu como uma das finalidades do curso, tendo sido mantida a divisão entre bacharelado e licenciatura. Quanto à inserção profissional dos egressos, o documento se reportava vagamente à atuação do pedagogo, mencionando que os professores atuariam em funções docentes enquanto os técnicos atuariam como administradores e demais especialistas de educação e em funções não-docentes do setor educacional (CHAGAS, 1962a). Assim, apesar de introduzir alterações no currículo, o Parecer não chegou a abordar questões fundamentais relativas ao perfil profissional e à dicotomia na formação (SILVA, 2006; CRUZ, 2011).

Por sua vez o esquema 3 + 1 seria extinto ainda em 1962, pelo Parecer CFE nº 292, sendo que

a partir de então o estudante poderia cursar o bacharelado e a licenciatura concomitantemente. De acordo com este Parecer, o currículo mínimo do curso seria composto pelas disciplinas

Psicologia da Educação (Evolutiva; Aprendizagem Diferencial), Sociologia (Geral e da Educação), História da Educação, Filosofia da Educação e Administração Escolar. Os alunos deveriam ainda cursar duas disciplinas optativas, escolhidas entre uma relação composta por: Biologia, História da Filosofia, Estatística, Métodos e Técnicas de Pesquisa Pedagógica, Cultura Brasileira, Educação Comparada, Higiene Escolar, Currículos e Programas, Técnicas Audiovisuais da Educação, Teoria e Prática da Escola Primária, Teoria e Prática da Escola Média, Introdução à Orientação Educacional. O Parecer CFE nº 292/1962 estipulava que as licenciaturas seriam compostas pelas disciplinas Psicologia da Educação, Elementos de Administração Escolar, Didática e Estágio Supervisionado em Prática de Ensino (CHAGAS, 1962b).

10 Segundo Pinto (2010),Valnir Chagas participou do Conselho Nacional de Educação durante o período de 1962

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Essas sucessivas tentativas de alterar o currículo e as finalidades do curso não chegaram, contudo, a alterar significativamente a questão da indefinição do perfil do profissional pedagogo, tendo em vista que naquele período, a imprecisão quanto ao seu campo de trabalho era visível tanto no caráter vago dos objetivos do curso como na ausência de regulamentação da profissão do licenciado. Ainda que já na década de 1950 começassem a surgir possíveis espaços de atuação profissional para o técnico de educação na burocracia estatal e em algumas escolas públicas e privadas; nos anos 1960 ainda não havia sido estabelecido, de fato, um mercado para a inserção deste profissional. Em decorrência disso, em 1967, estudantes de Pedagogia reunidos em congressos em Rio Claro e no município de São Paulo, produziram manifestos que expressavam sua insatisfação. Os estudantes pleiteavam, entre outras demandas, que os pedagogos participassem de forma mais efetiva da definição dos rumos da política educacional brasileira, atuando, por exemplo, no levantamento de dados estatísticos educacionais11. Uma das principais queixas se referia à “invasão do mercado de trabalho do licenciado em pedagogia por outros profissionais” (SILVA, 2006, p.22). A demora na realização de novos concursos públicos assim como a inexistência, na Secretaria de Educação do estado de São Paulo, de cargos que pudessem ser ocupados exclusivamente por pedagogos eram algumas das situações negativas apontadas.

Para os estudantes, enquanto não se regulamentasse o mercado de trabalho do licenciado e não se realizassem novos concursos públicos, as alterações no currículo e na estrutura do curso de Pedagogia não seriam plenamente eficazes. A preocupação com a inserção profissional passava ainda pela constatação de que devido à sua formação, ou seja, por possuir conhecimentos referentes a teorias e técnicas educacionais, o licenciado em Pedagogia deveria ocupar em caráter exclusivo e por meio de concurso público, funções e cargos regulamentados no setor educacional, tais como orientador educacional, diretor escolar, inspetor escolar e técnico em educação. Além disso, demandavam também a inserção do pedagogo em ambientes não escolares mas nos quais se realizassem atividades relacionadas às suas esferas de atuação, tais como recursos humanos, programas de televisão com conteúdo educativo, entre outros. Comentando essas queixas e demandas, Silva pondera que se no estado de São Paulo essa era a situação do campo de trabalho destes profissionais “não é difícil imaginar a extensão de sua

11 De acordo com Silva, em meados dos anos 60, estes procedimentos eram realizados apenas por estatísticos. A

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indefinição nos demais estados” (SILVA, 2006, p.22).

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