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As Diretrizes Curriculares Nacionais de Pedagogia estabelecem como finalidade central dessa licenciatura a formação para a docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental, na Educação Infantil, no Ensino Médio na modalidade normal e na Educação Profissional, ou seja, na Educação Básica. Esse nível de ensino reúne também a Educação de Jovens e Adultos, a Especial, a Indígena e a Quilombola, sendo assim responsável, como seu próprio nome diz, por fornecer educação básica para milhões de crianças, jovens e também adultos no Brasil. De acordo com os dados mais recentes disponíveis, referentes ao Censo Escolar da Educação Básica em 2014, considerando as redes pública e privada de ensino, o total de matrículas nesse nível de ensino no Brasil chegou a 49.771.371 milhões27. Tendo em vista que apenas uma pequena parte destes estudantes prolonga suas trajetórias escolares até o ensino superior, a educação recebida neste nível de ensino é a única escolarização formal a que terão acesso durante suas vidas. Dessa forma, o preparo dos profissionais responsáveis pela educação das novas gerações é, ou deveria ser, de suma importância para a sociedade brasileira de modo geral.

Todavia as licenciaturas, lócus da formação de profissionais da educação, ocupam posição periférica na hierarquia de cursos e carreiras do sistema de ensino superior brasileiro, dispondo de escasso prestígio social, não obstante o discurso de que a educação é fundamental para o país e de que os professores deveriam ser valorizados. Aranha e Souza (2013) ao explicar o que denominam “nova crise das licenciaturas”, examinam a massificação da escolarização e os

desafios que dela implicaram para a escola e para os docentes, citando também as fortes críticas

27 Conforme informações disponíveis em

http://portal.inep.gov.br/visualizar/-/asset_publisher/6AhJ/content/matriculas-em-educacao-integral-apresentam- crescimento-de-41-2 Acesso em 10 de novembro de 2015

103 ao potencial democratizador da educação feitas pela Teoria da Reprodução28. Da constatação dos limites da educação e da escola para efetivamente mudar a sociedade tornando-a mais justa e menos desigual decorreu intenso questionamento da legitimidade dos saberes escolares e da atuação dos professores. O entendimento de que no limite todo saber escolar constituir-se-ia em um arbitrário cultural legitimado por práticas pedagógicas que também não teriam em si valor intrínseco, colaborou para aumentar a sensação de insegurança dos professores acerca de quais conteúdos deveriam ser ensinados e do melhor modo de fazer isso.

A tão almejada e demandada ampliação do acesso a escolarização, ao mesmo tempo em que significou uma importante conquista trouxe também desafios antes impensados, tendo em vista que não era possível antecipar as consequências que decorreriam do ingresso de um público não acostumado ao ambiente escolar e suas exigências. E isto se deu mesmo em países como o Brasil, que ainda não universalizaram o acesso a todos os níveis de ensino, mas que diante da ampliação do acesso a escola passaram a lidar com uma nova realidade, caracterizada também

pela “precarização do trabalho e desvalorização do ofício” do professor (ARANHA, SOUZA,

2013, p.77). A profissão docente, não apenas no Brasil, mas também em outros países viveria

assim uma crise estrutural, “sem precedentes na história do ensino” (ARANHA, SOUZA, 2013,

p.77), cujo ponto central pode ser localizado no escasso prestígio simbólico e na baixa remuneração paga em troca do trabalho do professor. O baixo valor do diploma docente

expressaria uma contradição, uma vez que quanto maior é a oferta de educação formal “maior

se revela nossa dificuldade de formar professores para atendê-la. Quanto mais escolarizada (...) nossa sociedade, maior é a sensação de que a escola não corresponde ao que esperamos dela no

nosso tempo” (ARANHA, SOUZA, 2013, p.77). E essa dificuldade em formar professores se

traduziria, entre outros aspectos, no crescente desinteresse pela docência.

Com a ampliação da escolarização e a constatação de que o acesso a escola não bastava para garantir o bom desempenho dos estudantes, os professores passaram a ser responsabilizados pelo insucesso de seus alunos. Em parte, essa culpabilização decorreria das constatações de estudos e pesquisas sobre o efeito escola e o efeito professor. Bressoux (2003) apresentando o

28 A Teoria da Reprodução considera que a escola, sob uma aparência democrática, reproduz as desigualdades

sociais e dessa forma, favorece as camadas sociais médias e altas, habituadas as suas exigências (BOURDIEU, PASSERON, 1975).

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estado da arte destes estudos, afirma que não são os componentes estruturais (como número de

alunos por sala, ou a homogeneidade ou a heterogeneidade de seu desempenho) que fazem mais efeito para o bom andamento do processo de ensino e aprendizagem, mas sim, a atuação do professor. Esse efeito originado pela performance do docente seria uma variável essencial para o bom desempenho dos estudantes, principalmente nos níveis mais elementares e em especial na primeira série do ensino fundamental.

Conforme Leme (2012) pesquisa realizada pelo governo norte americano na década de 1980

correlacionou problemas na qualidade da educação ao perfil dos profissionais que eram então atraídos pela docência. Segundo o estudo, os professores do nível equivalente à educação básica naquele país eram recrutados entre os alunos com pior desempenho na universidade, enquanto aqueles com bom desempenho se sentiam desestimulados a ingressar em cursos de formação de professores devido as baixas remunerações percebidas por estes profissionais. Para reverter essa situação, o governo norte americano implementou reformas que incluíram, entre outras medidas, a valorização da carreira docente de forma a torná-la atrativa para os melhores alunos.

No Brasil, a constatação da importância do professor na qualidade dos processos de ensino e aprendizagem não tem sido acompanhada por ações articuladas e permanentes de valorização efetiva deste profissional, uma vez que elementos essenciais “(...) para a profissionalização da

atividade docente, como formação, duração da jornada de trabalho, remuneração e estrutura da

carreira” não recebem “(...) em contrapartida, o tratamento adequado na pauta das políticas educacionais” (ALVES, PINTO, 2011, p. 608). Recordam Alves e Pinto (2011) que a

remuneração se constitui em elemento essencial para qualquer carreira, inclusive para os docentes. A despeito de noções ainda hoje socialmente difundidas, que vinculam a docência a

características como o sacrifício pessoal e o “amor” ao magistério que fariam tudo suportar,

inclusive as más condições de trabalho e as baixas remunerações, o licenciado é, como qualquer outro graduado, um profissional que investiu tempo e esforço para obter um diploma esperando não apenas satisfação e realização pessoal relacionados ao conteúdo da atividade exercida, mas também e porque não, remuneração justa, adequada e que estimule a permanência na profissão.

105 As pesquisas sobre as condições de trabalho e de remuneração dos egressos de cursos de formação de professores apontam, já há algum tempo, para uma realidade desanimadora. Paul

e Freire (1997) em estudo que examinou de forma aprofundada a inserção profissional de egressos de todas as graduações ofertadas pelas universidades públicas e privadas de Fortaleza em 1987, concluíram que as licenciaturas, entre todos os cursos analisados, constituíam-se, já naquele período, na pior opção em termos de retorno salarial. Os licenciados, de modo geral, eram os alunos mais pobres quando do ingresso na universidade e após concluírem a graduação recebiam em média salários mais baixos do que os demais portadores de diploma superior. Dessa forma, segundo o estudo, as licenciaturas representariam “(...) qualquer que seja a instituição considerada, o abrigo dos que não têm qualquer opção” (PAUL e FREIRE, 1997,

p.39).Não obstante o estudo se reportar ao final da década de 1980, a desvantagem salarial dos

licenciados infelizmente permanece bem atual.

De acordo com levantamentos realizados por organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), referentes ao ano de 2011, os professores do ensino fundamental brasileiro “têm um dos piores salários de sua categoria em todo mundo e recebem uma renda abaixo do Produto Interno Bruto (PIB) per capita nacional”29. O estudo comparou os salários pagos aos professores que lecionam em níveis equivalentes ao Ensino Fundamental brasileiro em 73 cidades ao redor do mundo, incluindo São Paulo e concluiu que somente 17 cidades pagavam salários inferiores aos recebidos pelos professores paulistanos. Segundo a OCDE os professores brasileiros que atuam nesse nível de ensino recebem salários inferiores à renda média nacional, sendo que em países desenvolvidos os docentes “recebem por ano uma renda 17% superior ao salário médio de seus países, como forma de incentivar a profissão” 30.

Em 2013, pesquisa elaborada pela fundação inglesa Varkey GEMS examinou a condição dos professores em 21 países entre eles o Brasil, a fim de construir um Índice Global de Status de

29Conforme reportagem “Professor do Ensino Fundamental no país é um dos mais mal pagos do mundo” publicada

pelo Jornal Estado de São Paulo disponível online em http://www.estadao.com.br/noticias/geral,professor-do- ensino-fundamental-no-pais-e-um-dos-mais-mal-pagos-do-mundo-imp-,939874 Acesso em 08 de março de 2015

106 Professores31. Foram entrevistados ao total 1.000 respondentes, que entre outras questões, informaram se encorajavam seus filhos a optar pela carreira docente e também se consideravam que seus filhos respeitavam ou não seus professores. Tendo em vista as respostas dos participantes a estas questões, o Brasil ficou na penúltima posição do ranking que mediu o

status dos professores nos países pesquisados, a frente apenas de Israel. A pesquisa

correlacionou também os salários médios pagos aos professores em cada um dos países e a posição por eles ocupada no PISA32 (Programme for International Student Assessment). Conforme o estudo, o Brasil ocupava a 20º posição no PISA e quanto à remuneração, somente em dois países os professores eram pior remunerados que no Brasil.

Em 2008, a regulamentação do Piso33 Nacional para os professores do magistério público da educação básica por meio da Lei nº 11.738/2008 representou um marco importante para a melhoria das condições de trabalho da categoria docente. Sua definição, contudo, não significou a concretização da garantia de remuneração justa para todos os docentes que atuam nesse nível de ensino, isto porque em alguns estados brasileiros os professores ainda recebem abaixo do valor mínimo estabelecido em Lei 34. A atribuição à docência de valores relacionados ao sacrifício e a comparação com a abnegação exigida pelo sacerdócio, anteriormente citados, prejudicaram o fortalecimento dos professores como categoria profissional, que como qualquer outra, possui direitos e deveres legalmente instituídos. Assim, apesar do professor ser socialmente considerado como aquele que exerce uma função essencial, por outro lado sua visão como o vocacionado e abnegado que suportaria qualquer adversidade dificulta que esses profissionais reivindiquem melhorias na carreira e na remuneração. Tal representação social teria raízes na “(...) própria gênese histórica da profissão e tem peso não só nas dimensões

31 DOLTON, P., MARCENARO-GUTIERREZ, O. “2013: Global Teacher Status Index”. London: Varkey Gems Foundation, 2013.

32Programa desenvolvido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que

consiste na avaliação da proficiência de estudantes na faixa etária de 15 anos em conteúdos obtidos na escolarização obrigatória.

33 O valor do Piso atualmente é de R$ 1.917,78 para uma jornada de 40 horas semanais no máximo, sendo que

esse valor se refere à formação no mínimo em nível médio na modalidade normal conforme informação disponível no sítio eletrônico

do MEC no endereço http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21011 Acesso em março 2015

34“Minas, Rio Grande do Sul e Rondônia não pagam salário de R$ 1.917,78 fora gratificações; descumprimento não tem punição” disponível online em http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2015-01-22/minas-gerais-rio- grande-do-sul-e-rondonia-nao-cumprem-lei-do-piso-de-professor.html

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materiais dos sistemas educacionais (...)” (GATTI, BARRETO, 2009, p.239), mas também nas

práticas e na identidade destes profissionais.

Além da prevalência dessa noção de sacrifício, a discussão de aspectos relacionados a remuneração e carreira dos docentes seria prejudicada também pela noção de que melhorias salariais não assegurariam maior qualidade na educação. Discurso esse fortalecido por pesquisas da área econômica, que fariam correlações entre salário dos professores e desempenho dos estudantes, apontando que a elevação de salários não significaria necessariamente a melhoria do desempenho acadêmico dos alunos (IOCHSPE, 2007), bem como por estudos que afirmam que os salários dos professores não são baixos caso se considere a carga horária trabalhada, menor do que em outras profissões, e as férias anuais maiores em média do que em outras profissões (LIANG, 200335). Barbosa (2014) afirma que uma das

críticas ao estudo de Liang (2003), financiado pelo Banco Mundial (BM), seria o fato de que o cálculo da CH de trabalho dos professores não incluiu as horas extraclasse necessárias para estudos, preparo e correção de atividades. Outra crítica apontaria que o financiamento do BM introduziria viés no estudo, tendo em vista os conhecidos interesses dessa instituição em estimular os países em desenvolvimento a diminuir os gastos em educação.

Além disso, conforme recordam Moriconi e Marconi36(2008), “Uma das grandes controvérsias na literatura de economia da educação diz respeito à relação entre os salários dos professores e

o desempenho dos seus alunos” (sem página), ou seja, não há consenso em relação a essa

questão. E como recordamGatti e Barreto, não obstante ser difícil estabelecer uma correlação direta e indiscutível entre aumento salarial e desempenho dos estudantes, quanto mais atrativas as condições de carreira e remuneração proporcionadas por uma profissão, mais ela tenderia a atrair bons profissionais, o que possibilitaria melhores resultados. Deve-se considerar ainda, em relação às pesquisas mencionadas, que:

35 LIANG, Xiaoyan. Remuneração dos Professores em 12 países da América Latina: como se compara a

remuneração dos professores com a de outras profissões; o que determina, e quem são os professores? Documentos PREAL, Washington, n. 27, p. 1-38, dez. 2003.

36“Os salários dos professores públicos são atrativos no Brasil?” Gabriela Miranda Moriconi CEPESP/FGV

Nelson Marconi CEPESP/FGV e PUC-SP

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“Os dados que, mais ou menos, sustentam o discurso de que aumentar salário de professor não redunda em melhoria do ensino são dados passivos (também a considerar a margem de erro nos modelos estatísticos empregados), porque relativos a quem já está no sistema, não se levando em conta o movimento de procura inicial da carreira e as características dessa procura, bem como a permanência na atividade. O salário inicial de professores no geral tem sido baixo quando comparado a outras profissões que exigem formação superior (...) e isso tem peso sobre as características de procura por esse trabalho. Entre outros fatores, carreira e salários que estão associados a desprestígio profissional com certeza pesam tanto na procura por esses cursos, como sobre o ingresso e permanência na profissão” (MORICONI, MARCONI, 2008, s/p).

Utilizando dados da PNAD relativos ao ano de 2009, Alves e Pinto (2011) apresentam uma análise comparativa dos rendimentos percebidos por professores da educação básica em relação aos salários de profissionais que atuam em outras áreas, tais como medicina, arquitetura, psicologia etc. Segundo o ranking salarial elaborado pelos autores, os docentes que atuam nesse nível de ensino figuram na 27º posição em uma lista contendo a remuneração de 32 diferentes profissões. Sendo assim, não é de estranhar que as licenciaturas sejam a escolha de um número cada vez menor de estudantes que ingressam a cada ano no ensino superior brasileiro. A pouca atratividade do magistério nos anos iniciais da escolarização seria apontada por pesquisas realizadas ainda ao final do século XX, quando por exemplo, já se registrava a preocupação com o crescente desinteresse entre parte das normalistas em exercer o magistério, devido as condições de trabalho e de remuneração insatisfatórias (CATANI, 2000). Recentemente Louzano, Rocha, Moriconi e Oliveira (2010) examinando a atratividade da docência tentaram responder à questão acerca de “quem quer ser professor”. Segundo os autores, o Brasil não forneceria estímulos adequados para atrair os melhores estudantes para as licenciaturas:

Atualmente não existem estudos quantitativos que documentem a atratividade da carreira docente no Brasil. Entretanto, a pesquisa qualitativa sugere que o benefício mais significativo oferecido – estabilidade no emprego para os contratados –não é suficiente para compensar as condições negativas de trabalho, como o pouco reconhecimento público, e o baixo status, além dos baixos salários e poucas oportunidades de influenciar as políticas públicas, especialmente aquelas que afetam o trabalho docente em sala de aula (..) (LOUZANO et al, 2010, p.548-549).

Louzano et al analisaram especificamente a remuneração como um dos fatores relacionados à escassa atratividade do magistério, utilizando dados da PNAD de forma a comparar os rendimentos dos professores com os percebidos por trabalhadores de outras categorias

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ocupacionais com o mesmo nível de escolaridade. Os autores concluíram que os professores que atuam em escolas da rede pública de ensino recebem 52% menos do que trabalhadores com nível superior de escolaridade que exercem outras ocupações no serviço público e 36% menos

do que trabalhadores com mesmo nível de escolaridade que exercem funções diversas no setor privado. A desvantagem salarial desses professores também é verificada em relação aos seus colegas que atuam em escolas da rede privada, que recebem 19% a mais do que aqueles que lecionam na rede pública. Em suma, quanto aos salários, a profissão de professor não seria

atrativa, tendo em vista que “(...) os salários recebidos pelos professores não são tão compensadores, especialmente em relação às tarefas que lhes são atribuídas” (GATTI,

BARRETO, 2009, p.247). Assim, as baixas remunerações médias pagas aos docentes seriam

um dos fatores relacionados a pouca atratividade da docência, afastando dessa carreira profissionais que encontrariam oportunidades de trabalho melhor remuneradas em outros setores, e por outro lado, tornando-a mais atrativa para estudantes com origem socioeconômica nas camadas populares.

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