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Leon-Paul Fargue, Léon Felipe, Carmen Bernos de Gasztold, Arnoul Gréban,

4. O CÂNONE DOS POETAS-TRADUTORES

4.1 Tradução de poesia década a década

4.1.2 Anos 1970: uma década de retração

Entre 1968 e 1973, a economia brasileira teve uma forte expansão, com crescimento anual entre 9% e 11%. Nessa época, segundo Hallewell, a indústria editorial teve aumento das vendas, mas não dos lucros. Em seguida, em 1973, sobreveio a crise do petróleo, que foi sentida também pela indústria editorial, causando um enorme aumento nos custos de produção e, consequentemente, no preço de capa dos livros. A crise econômica, somada ao ambiente político repressivo da Ditadura Militar que teve início em 1964 e recrudesceu-se em 1968, com o Ato Institucional Nº 5, podem ser apontados como fatores que provocaram a retração refletida nos números da tradução de poesia nessa década. O AI-5 instituiu a censura prévia à imprensa, e foram promulgadas leis que determinavam a punição de editores que publicassem “material difamatório, obsceno e sedicioso”. Em 1970, o decreto-lei nº 1077 estendeu a censura prévia aos livros “sobre temas referentes ao sexo, moralidade pública e bons costumes” (HALLEWELL, p. 585). Sem dúvida, a Civilização Brasileira foi a editora que mais sofreu as retaliações do sistema. Em 1970, Ênio Silveira, seu editor, foi preso várias vezes, além de ser alvo de diversos processos. Quase diariamente, centenas de livros eram confiscados pela polícia política no depósito da editora, e um incêndio suspeito destruiu os seus escritórios centrais e a sua principal livraria no centro do Rio de Janeiro (IBIDEM, pp. 586-588).

A década foi ambivalente, pois iniciou com a repressão e a censura, marcada por fatos como o suicídio do poeta e compositor Torquato Neto em 1972, e fechou com a euforia da abertura, com o anúncio da anistia e da volta dos exilados. Segundo descreve Moriconi, usando os termos da época, foram tempos de contracultura, de “curtição” e “desbunde” (MORICONI, 2010, p. 9) Mas também de luta

armada e contestação política e de costumes. Tal conjuntura repressiva levou os novos escritores, poetas e artistas a buscarem meios alternativos de difusão. Surge a chamada “Geração Marginal” ou “Mimeógrafo”, que usou essa tecnologia disponível para distribuir a sua criação poética em livrinhos artesanais. Assim, formou-se um circuito de produção cultural alternativo e “marginal”, ou seja, às margens do sistema formal, de caráter artesanal e que circulava fora dos canais tradicionais.

Figura 2: Poesia Postal63

Na figura acima está a mala-direta poética Poemínima, criada pelo poeta Luiz Roberto Guedes em 1981. Foram 500 exemplares de um folheto com 32 poemas, material que já havia sido publicado no Almanaque Jornal Dobrabil, do também poeta Glauco Mattoso. Na onda da arte postal, a Poemínima foi remetida pelos Correios.

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Figura 3:típico folheto da geração mimeógrafo, de Chacal.

Em termos de tradução de poesia nos circuitos formais de difusão, a década inaugura com a tradução do virulento Os cantos de Maldoror, poema em prosa de 1869, de autoria do misterioso Conde de Lautréamont (pseudônimo do franco-uruguaio Isidore Ducasse). A tradução foi feita por Claudio Willer e publicada pela editora Vertente em 1970. Por esse poema, Lautréamont (1846-1870) havia sido alçado por André Breton a precursor do surrealismo.

Para os poetas concretos, a década foi produtiva em termos de tradução. Em 1970, Augusto de Campos e José Paulo Paes publicam ABC da Literatura, de Ezra Pound (Cultrix, 1970), que além de formulações teóricas do poeta sobre a poesia, traz uma mini-antologia do paideuma poundiano. Ali estavam poemas traduzidos de Homero, Safo, a poesia chinesa de Li Po, alguns trovadores provençais, Dante, Villon, Donne, Rimbaud, Laforgue, entre outros. No ano seguinte, Augusto, Haroldo de Campos e Décio Pignatari publicam Mallarmagem (Noa Noa, 1971) e aproveitam para exaltar no prefácio o poema “Un coup de dés” e, assim, posicionar Mallarmé com pai ou patrono da nova poesia a que se propunham, uma vez que, para eles, esse poema

representaria a própria crise do verso. Augusto traduz ainda O Tygre, de Blake (Edição do autor, 1977), O dom e a danação, com poemas do poeta metafísico inglês John Donne, que fora reabilitado ao cânone por Eliot e outros modernistas, 20 poemas de e.e.cummings (Noa Noa, 1979), além da antologia Verso, reverso, controverso, com poemas de Donne, Herbert, Carew, Suckling, Crawshaw, Marvell, Blake e Hopkins (Perspectiva, 1978). Já Haroldo de Campos traduziu Seis cantos do paraíso, de Dante Alighieri (Gastão de Holanda Editor, 1976), outro dos nomes que compunha o paideuma poundiano.

Os poetas da Geração de 45, como Péricles Eugênio da Silva Ramos, Oswaldino Marques, Cristiano Martins, Darcy Damasceno, Paulo Mendes Campos e Dora Ferreira da Silva também publicam traduções nesta década. Silva Ramos verte Sonetos de Shakespeare (Civilização Brasileira, 1970); Oswaldino Marques lança Quarto quartetos, de Eliot (Opera Mundi, 1970); Cristiano Martins publica O inferno, de Dante (Imprensa, 1971), e alguns anos depois, A Divina Comédia completa (Itatiaia, 1976). Dora traduz Elegias de Duíno, de Rilke (Globo, 1972) e, mais para o final da década, com a abertura política, Paulo Mendes Campos publica Canto geral, de Neruda (Difel, 1979). Não se pode esquecer que Neruda era comunista, e Canto geral denunciava as injustiças históricas sofridas pela América Latina. Também se beneficiando dos ares da abertura, Thiago de Mello publica Salmos, do poeta e sacerdote socialista nicaraguense Ernesto Cardenal (Civilização Brasileira, 1979).

Enquanto o panorama da tradução de poesia foi de retração, o mesmo não se pode dizer da publicação de prosa, principalmente a norte-americana, que foi alvo de uma política pública de incentivos a partir de 1967. Trata-se do acordo MEC-SNEL-Usaid (Ministério da Educação, Sindicato Nacional de Editores de Livros e United States Agency for International Development), que subsidiou a tradução e a produção de milhares de livros da literatura norte-americana, mais especificamente, 51 milhões, destinados às escolas. Eram títulos como Moby-Dick, LittleWomen [Mulherzinhas], The last of the Mohicans [O último dos Moicanos] etc.

Para Irene Hirsch,

O exame de clássicos em prosa da literatura norte-americana, de romances do século XIX, traduzidos durante esse período de forte ação da censura e de grande crescimento do mercado, revelou um forte traço conservador, seja na seleção de temas, seja nas escolhas lexicais e gramaticais (HIRSCH, 2009, p. 64).

Hirsch, no entanto, destaca a oposição entre a tradução de prosa e de poesia no período: a tradução de prosa, conservadora, e a de poesia, inovadora e transgressiva, mas voltada um público mais erudito e seleto. Para ela, “é na própria seleção dos poetas a serem traduzidos que o pioneirismo almejado pelos tradutores se revela”, pois “representavam uma inovação no panorama literário, e sua incorporação ao sistema literário nacional obedeceu a uma tendência transgressiva das vanguardas nacionais” (IBIDEM, pp. 64-65). É certo que, numa visão de conjunto entre as cinco décadas tratadas aqui, os anos 1970 foram os mais tímidos em relação ao número de poetas traduzidos, de poetas- tradutores atuando e de línguas traduzidas. No entanto, mesmo em menor número, as escolhas tradutórias dos poetas tiveram uma qualidade inegável, marcada pela ousadia.

Nesta década também surgem novos locais de edição de poesia traduzida, como Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), Recife (PE), Belo Horizonte (MG) e Feira de Santana (BA). A maior concentração, no entanto, segue na Região Sudeste, mas, desta vez, com equilíbrio numérico entre editoras do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Tabela 6

RESUMO DA TRADUÇÃO DE POESIA NA DÉCADA DE 1970: