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É pertinente, antes de iniciarmos a análise dos temas, anotar as principais impressões apuradas durante o trabalho no campo.

Tínhamos como objetivo inicial colher relatos, comentários e argumentos dos entrevistados em relação ao modelo de agricultura por eles adotado ou praticado. Porém, à medida em que íamos avançando nas conversações, percebia-se o lado contraditório entre o que se diz (a fala) e o que se faz (a prática). Nesse aspecto, as observações in loco na propriedade, o diálogo inicial sobre temas gerais do trabalho na agricultura, as anotações no questionário constituíram uma estratégia valiosa no sentido de não concordarmos plenamente com as verbalizações de alguns entrevistados. Se, de um lado, algumas falas não expressam a realidade prática (1FECO, 1DECO)109, de outro, os discursos produzidos são relativamente coerentes com o desenvolvimento do trabalho na propriedade (2DECO, 3DECO, 4DECO, 2FECO, 3FECO, 4FECO).

A maioria das entrevistas, das escolhas das expressões-chave e do processo de hierarquização foram realizados de forma rápida, com pouca ou nenhuma hesitação (1DECO, 2DECO, 3DECO, 4DECO, 1FECO, 2FECO). Outros,

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De acordo com o nosso levantamento, 1FECO foi o respondente que mais produziu verbalizações dissociadas das suas práticas cotidianas. Ele diz optar por ter um cuidado com a saúde a partir de uma alimentação sadia produzida ecologicamente. Mas também diz preferir continuar no mercado, atendendo semanalmente os consumidores da feira municipal, com volumes de produção suficientes, nem que para isso tenha que recorrer aos agroquímicos. O outro entrevistado (1DECO), filiado da ECOVALE, fez sua fala, como pudemos observar, baseado nas premissas ecológicas (Apêndice D). As observações levantadas por nós tornaram explícito o desacordo entre as escolhas/discurso e o trabalho realizado por 1DECO, na sua propriedade. Apesar do seu empenho com a produção de olerícolas de folhas e de frutos (0,5 hectares) de base ecológica, constatamos a presença de insumos tóxicos usados nos sistemas de cultivos do fumo e do milho, além de termos visto as sobras de lenha, de mato nativo, possivelmente retiradas da propriedade para fins de cura e secagem das folhas de fumo. O corte da cobertura florestal nativa pode ter sido uma iniciativa baseada nas características internas da propriedade, como a destacada presença, em área, da cobertura natural.

ao contrário, levaram até 15 minutos para findar as preferências, face à manifesta impressão da dúvida (3FECO, 4FECO). Nesse período de escolha, enquanto o pesquisado manipulava as targetas, constatamos em três entrevistas uma clara manifestação de aprovação da interlocução, com o uso das expressões-chave (1DECO, 2DECO, 3FECO). Esses entrevistados não somente elogiaram a forma de condução da conversação, como disseram que as expressões propostas eram todas importantes110.

Genericamente, os agricultores entrevistados não tiveram dificuldades de compreensão das expressões-chave. Exceto a expressão “usar áreas nativas para a produção convencional”, se mostrou duvidosa para três agricultores (2DECO, 3DECO, 4FECO). Para uns, os quais se supõe que tiveram acesso às informações relativas à agricultura de base ecológica (leitura, cursos, palestras), as expressões- chave que se baseiam nessa premissa da agricultura são consideradas inter- relacionadas ou complementares (2DECO, 3DECO, 4DECO, 3FECO). Mas, ao solicitarmos a opinião do entrevistado para que ele formulasse livremente duas das dez expressões finais, constatamos, entre alguns, haver um certo receio (timidez) em refletir e opinar (1DECO, 2FECO, 4FECO). Os motivos para não compor as novas expressões, com as idéias próprias, partiam, quase sempre, da colocação da falta de estudo ou da incapacidade de expressar novas idéias111. Um entrevistado preferiu não opinar (4FECO). Diante das dificuldades para emitir os novos temas ou expressões, recorremos, como forma de promoção do diálogo, à lembrança de temas gerais vinculados ao dia-a-dia do entrevistado. Com isso, criou-se um cenário propositivo sobre vários assuntos. A nossa impressão inicial era que todos, ou pelo menos a maioria dos pesquisados, pudessem expor as suas idéias sem a colaboração (preâmbulo) do entrevistador. De toda forma, as provocações que fizemos foram úteis, à medida que, a partir delas, afloraram outras idéias, como a de serviço público, do tipo “melhores condições de atendimento à saúde” (1FECO). As idéias novas (sugeridas pelos entrevistados), não figuraram, em nenhum momento, entre as duas primeiras posições (vide Apêndice D). Além disso, as expressões sugeridas por alguns são consideradas menos importantes com relação às que

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Essa colocação pode ter sido reverenciada às bases da agricultura ecológica.

111 Vergonha de não ter estudo suficiente, de não saber responder às questões formuladas, de

estarem com as vestimentas e as mãos sujas são alguns dos elementos que interferem nas práticas discursivas, de casos estudados, entre agricultores e agricultoras, cultivadores de fumo, no município de Santa Cruz do Sul (FIALHO, 2006).

foram apresentadas pelo entrevistador (Apêndice D - 2DECO, 3DECO). Entre as idéias novas, as que foram mais pronunciadas estão relacionadas à política agrícola, isto é, com a política de preços justos à produção agrícola de base familiar (1FECO, 2FECO, 3FECO). O primeiro (1FECO) diz lamentar as oscilações de preços provocadas pelo mercado. De fato, quando ocorrem variações nos preços, muitas vezes, devido às intempéries, não se consegue manter a regularidade de produção, o que acaba prejudicando as receitas. Outrossim, a atual política de preços não atrai os que gostariam de aumentar a exploração de produtos alternativos ao da produção de fumo.

O preço não poderia ser diferenciado. O preço quando dá super safra, ele cai lá em baixo. Se dá safra fraca [problemas de clima] o preço vai lá em cima. O que adianta ter preço, se eu não tenho o produto. O que adianta ter produto e não ter preço. Então, é ali que muitas vezes [...] os colonos quebram [...]. Se tivessem preços justos no milho, no feijão, que não caía [caísse] de um ano pra outro, ou criá [criar] uma galinha, um frango, que me desse uma resistência, eu deixava de plantar fumo, sem dúvida nenhuma. Pra mim seria [...] um alívio se eu não precisava [precisasse] plantar mais fumo (1FECO).

Poderia ter uma opção, né, uma alternativa ao fumo, poderia ser, né. Mas, aí tem que entrá [entrar] em cima de preço. [...] Vamos dizer assim, dá [dar] uma certa equilibrada nos preços, né, pro preço final de lucro, assim [...]. Se começar emparelhar um pouco os preços, né, e se ficar igual ao fumo, ao preço de fumo, qualquer outra coisa que der pra manter ou emparelhar os preços líquidos, ficar parelho, 80% do pessoal vai parar de plantar fumo, porque ninguém tá [está] plantando porque gosta de fumo. Acho que a maioria não gosta (2FECO).

A baixa remuneração obtida na agricultura poderia estar, segundo ex- membros da ECOVALE, gerando uma onda de incertezas, com relação aos possíveis investimentos na produção agropecuária alternativa à fumicultura, e interferindo no fenômeno de esvaziamento da população rural, na região, e na perda do poder de sustentação material das unidades de produção. A verbalização a seguir exprime a possível interferência dos preços baixos nas rotinas da agricultura112.

Eu acho assim, que se nós tivesse [tivéssemos] o preço justo de nosso produto, nós teria [teríamos] mais facilidade de produzir, porque ia diminuir um pouco a nossa despesa, ia melhorar a nossa qualidade de vida aqui. Porque daqui um pouco, olha, eu tenho cinco filhos, mas ninguém ficou aqui, porque o preço do nosso trabalho não é justo. É mais fácil trabalhar em outro setor, do que na agricultura, hoje. [...] Eu faço empréstimo pra

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Esse caso apresenta uma situação financeiro-econômica diferente, entre os demais pesquisados. È o que plantou mais fumo e o que gastou mais com mão-de-obra contratada, emergencialmente. As dívidas da família são aparentemente consideráveis, pelo fato de ter havido uma quebra de parceria entre o entrevistado e um grupo familiar responsável, naquele período do ano (2006), pela safra de fumo.

comprar as sementes, aí eu vou plantar, eu preciso pagar ainda a mão-de- obra, de vez em quando, pra ajudar. Aí, quando eu vou vender o meu produto, ele no máximo cobre as despesas que eu tinha [tive]; [lágrimas] e aí eu não tenho renda, eu não posso comprar um calçado, eu não posso comprar uma roupa melhor, porque eu não tenho preços justos. Eu não posso fazer a melhoria nos meus implementos, na minha carroça. Que nem tá [está] acontecendo, hoje, eu até tenho que me desfazer de coisas pra poder continuar vivo na agricultura [...]. No leite eu já ganhei R$ 0,56 por litro, hoje, eu ganho R$ 0,41 (3FECO).