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As manifestações da maioria dos entrevistados com relação aos gastos de serviço e de insumos, aplicados em diversos sistemas de bases ecológicas, são mais ou menos análogas. Outrossim, elas também são condizentes com a literatura especializada (GUZMÁN CASADO; ALONSO MIELGO, 2000). Não se trata de referir, aqui, opiniões sobre o custo de produção total de uma determinada atividade, até porque, os entrevistados não avaliam o desempenho econômico de seus sistemas. O que se pode constatar, através das falas, é que durante o processo de transição o emprego de suprimentos agrícolas externos diminuem e a mão-de-obra aumenta. No primeiro critério, o elemento básico que determina a diminuição de gastos financeiros é o maior aproveitamento dos recursos internos da unidade e o menor aproveitamento de insumos externos. No segundo, o conjunto de práticas ecológicas, requisita mais horas de serviço, o que se traduz em um aumento do custo de produção. A substituição dos herbicidas pelas lidas manuais (capinas, cultivações de tração animal) e as tarefas de carregamento e distribuição do composto orgânico ou dos estercos, até as áreas de cultivos, são os métodos mais destacados pelos entrevistados, segundo os que dizem que o tempo de trabalho aumenta132. Como podemos verificar a seguir, algumas falas extrapolam as questões econômicas atinentes aos métodos agrícolas adotados; pautam no seu

132 As práticas que visam a diminuição do trabalho manual, nas áreas de exploração, listadas por

certos entrevistados, são: cobertura do solo com as plantas que servem para o cultivo mínimo e a distribuição de serragem ou casca de arroz sobre as áreas de cultivos de olerícolas, principalmente (1FECO, 4DECO).

cotidiano de trabalho agrícola, representações que indicam precauções com o bem- estar dos membros familiares.

A despesa que eu tenho é apenas os 10 mil quilos de esterco de galinha que eu compro. É, a minha despesa.

A - E aqueles produtos que tu me mostraste, aqueles da ECOVALE? Sim, aqueles produtos. O BMbio, o Biotrich, o óleo de niem [...].

A - E em relação ao serviço, o gasto de mão-de-obra, como isso funciona? Olha, tem um pouco mais de, isso vai me dar um pouquinho mais de mão-

de-obra. Antes eu usava pra limpar os feijão [feijões] os produtos químicos, por exemplo, o fusiflex, eu fazia num meio dia uma grande área. Hoje, eu uso o cultivador. Mas não dá muita diferença. [...] Só econômicos, dá. A - Diferença com gastos?

No gasto, é. É mínimo. [...] E, depois, na valorização do produto, né, e na saúde da família. Ali, é que eu vejo o ganho maior (3DECO).

Excetuando os problemas técnicos com a produção de certas mudas de olerícolas, com as lavouras de milho (plantio do tarde) e com as colheitas reduzidíssimas de frutos de pessegueiros, em outros sistemas de cultivo a campo de olerícolas e de cana-de-açúcar, as técnicas de bases ecológicas parecem que não são difíceis de aplicar. Entretanto, elas exigem mais mão-de-obra. “Não, dificuldade não. O que exige é mais mão-de-obra, né. É isso, que nos dificulta, hoje, né. Então, não tem mais área, de repente hoje, já por causa disso, né, falta de mão-de-obra; mas a gente domina bem a limpeza e todo o trabalho dentro das áreas” (2DECO). Uma outra fala, igualmente, diz que “não era difícil, não tinha problemas, produzia bem”, exceto nos meses mais quentes, em que havia uma baixa produção de algumas explorações, como, por exemplo, o repolho (4FECO). Outro ainda, diz que “tem que ter mais paciência” e “precisa ter [aplicar] mais mão-de-obra, bem mais”. “Plantar hoje, amanhã já tá [está] saindo, vendendo produto ecológico, isso não é assim. Você precisa ter mais tempo pra preparar uma área” (4DECO).

A exploração de olerícolas comerciais, no começo, requer investimentos fixos nem sempre acessível a todos. Nessa atividade, como vimos, certos bens de produção são essenciais no sentido de melhorar a produção e a qualidade dos produtos. Os que empregam algum tipo de equipamento, até lembram desse investimento, mas não costumam contabilizar, rigorosamente, como um custo do processo geral de produção.

O da produção ecológica, o custo, aparentemente é mais barato, assim, superficialmente.

A - Por que tu achas que é aparentemente? Explica isso ?

Porque, se tu pegar adubação verde, fizer tudo, pegar de casa, sim; mas, no momento que faltar e precisar comprar alguma coisa fora, aí já entra num custo mais alto. Se tu fizer [fizeres] um investimento, comprar um sombrite

vai [vais] ter que entrar no custo, né. Vai comprar uma lona plástica, vai entrar no custo, né. Então, essas coisas no começo, geralmente não se faz, né, esse cálculo; mas comparado com o outro [ao convencional] ele [ecológico] é menor. [...] Na ecológica, os insumos, se tu tiver [tiveres] na propriedade é muito mais barato, isso sim, não tem nem comparação. A - E com relação à mão-de-obra, ao serviço?

Olha, na ecológica é muito mais serviço, tu tem [tens] muito mais serviço. A - Por que dá mais serviço, com o quê?

Na capina; tu tem [tens] que fazer três capinas (2FECO). Como se disse anteriormente, a base ecológica, quando é aplicada no início do processo de transição, fornece rendimentos mais baixos, “o retorno é mais lento”. Mas, por outro lado, se torna “financeiramente” mais em conta, “porque tu acaba [acabas] não gastando com adubos. [...] Tu tem [tens] apenas o custo de sementes” (1DECO). Em outras palavras, temos também a declaração de 4FECO: “O que gastava mais era [eram] sementes, mais era [eram] sementes, só, viu, que a gente tinha gastos. O resto a gente tirava tudo, assim, como o esterco, né. Era só despesas com sementes ou mudas, a gente comprava, né”. Questionamos este mesmo agricultor, diante da pouca despesa financeira, se não era conveniente ele continuar com o trabalho, na perspectiva de venda direta ao consumidor, nas feiras mantidas pela ECOVALE. Segundo 4FECO, o comércio “não era vantajoso”, “arrecadava muito pouco, o resultado era mínimo”, por isso a interrupção da produção para a venda, inclusive, na feira de seu município sede. Objetivamente, “o gasto financeiro [...] ele se torna mais barato para produzir, só que ele é um pouco mais trabalhoso. [...] Dá mais serviço, ele é mais pesado pra fazer o ecológico” (3FECO).

Mesmo com a redução de gastos e dos demais benefícios aportados pelos métodos de base ecológica, não se persiste na transição agroambiental, pelo fato deste processo, na ótica de alguns, ser pouco produtivo e lento.

Se eu pudesse plantar ecológico, claro que seria bem melhor. Na minha opinião se eu entrar na parte de produzir ecológico, eu não tenho como resistir na minha propriedade. Eu acho que não. Apesar, que não vou ter dívidas, né. Vou diminuir meus custos, mas não vou ter produção. Isso é um trajeto de longo percurso, não é um percurso curto. Por que eu chamo isso de um longo percurso? Em primeiro lugar a terra, o solo, como eu tava [estava] contando tem que tá [estar] apropriado pra isso (1FECO).

Este agricultor, embora tenha retornado aos métodos da agricultura convencional, por questões, fundamentalmente, econômicas, não dispensa o aproveitamento de resíduos animais da propriedade, devido aos benefícios que os mesmos geram para o agricultor. Ele diz: “tu tem [tens] que cuidar bem o solo”.

Fui criado em casa, se pegava aquele esterco fresco e botava tudo na roça; agora tô [estou] deixando curtir; a gente sabe que dá um resultado melhor. Tudo isso a gente vai aprendendo. Aí, tu tem [tens] ‘menos custos’ na tua lavoura e tem [tens] uma propriedade forte, também. Só que leva anos, né, pra tu poder [poderes] recuperar (1FECO).

A recuperação completa de uma determinada área, depende, notoriamente, de cada caso. Conforme a literatura (Igue et al., 1984), em solos empobrecidos, geralmente a adubação orgânica melhora a eficiência dos fertilizantes sintéticos industriais, através do efeito complementar que cada um proporciona. Para os propagadores da transição agroecológica (Altieri, 1998), esse processo pode levar de um a cinco anos, dependendo do grau de artificialização e/ou degradação da área original. Mais informações pertinentes à região de estudo, vide o Cap. 7.

Nem todos os entrevistados têm opiniões equivalentes acerca dos gastos, na perspectiva da transição agroambiental. Se tiver que comprar, sistematicamente os insumos alternativos, a produção ecológica de base familiar, pode tornar-se antieconômica. Esse alerta, vindo de um entrevistado, é congruente às críticas antes aludidas (vide Cap. 4) e que se referem à permanência da dependência externa aos insumos, quando se executa uma agricultura baseada na substituição de insumos. A substituição de insumos pode até amenizar alguns efeitos negativos no meio ambiente, como o dos resíduos e o da resistência a agrotóxicos (Rosset e Altieri, 2002), mas não reduz a dependência econômica. “Na produção ecológica você precisa trabalhar com perdas”. Uma considerável compra de produtos naturais pode não ser a melhor opção para alguns agricultores. O custo considerado alto inviabiliza o manejo consecutivo desses produtos.

Se a gente vai correr atrás só daqueles produtos, o custo vai ser quase superior a sua produção, né. Agora, você pode de vez em quando comprar um desses produtos naturais, mas você tem que frear, porque esses produtos já são mais caros, todos eles, né, acima do valor do convencional, né, então, você precisa ir devagar, você precisa ver, precisa analisar, se é mais vantagem você perder a produção ou investir o dobro do valor, né (4DECO).

Diante das colocações deste agricultor, perguntamos:

A - Se, em um padrão ecológico, gasta-se mais com a mão-de-obra e também se tem gastos, conforme o caso, como tu falaste, por que, então, insistir na produção ecológica? O agricultor respondeu sem titubear:

“Ah! pela saúde. E, também, pelo alimento. [...] Na propriedade, você sabe como ele é produzido, como é que ele é, né. O fundamental já é a sua alimentação”

(4DECO). Esse diálogo permite evidenciar que há a valorização das dimensões sociais, nas práticas cotidianas. Entretanto, apesar da permanência do manejo convencional, em lavouras de fumo, não se diminuem, neste caso, os méritos, os esforços da família, na perspectiva da produção ecológica, em todo o sistema.