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O PALCO DO BARROCO ALEMÃO

2.11.  Antítese ao bárbaro

Na esteira de Benjamin,  a argumentação de Paulo Freire (1991) não é sem precedentes   históricos,   o   pedagogo   trata   do   compêndio   dos   saberes   herdados   e experienciados aqui no Brasil, desde o tempo da Colônia, em que nossa cultura nativa vem sendo atravessada por influências longínquas e ideologicamente impostas pela elite   dominante.   Isto   leva­nos   a   dizer   com   Benjamin   que   esta   visão   dominante   e exploradora   através   do   capitalismo   foi   se   infiltrando   alegoricamente   no   espaço

cultural do fazer/viver educação. 

Em   Freire   (1982)   esses   episódios   históricos   são   os   originadores   das confluências   e   divergências   no   presente,   nas   diferentes   tendências   e   perspectivas educativas. Em  Pedagogia do oprimido  por exemplo, Freire (1982) se refere a duas maneiras de se fazer educação: uma que serve para libertar o ser humano dessas cadeias mecanicistas e outra que serve para escravizá­lo e colocá­los nessa redoma. Em Benjamin (1987a), é o intelectual quem pode fazer essa intervenção/subversão na história, em Freire são os professores e as professoras que definem se seguem por um caminho ou por outro. Em O autor como reprodutor, de 1934, Benjamin retoma a ideia da   obediência   servil   a   uma   única   tendência,   esta   liquidava   qualquer   tipo   de autonomia pessoal. 

Walter   Benjamin   escreveu   sua   teoria   da   alegoria   e   do   estado   de   exceção amparado no século XVII, sendo a mesma tão contemporânea quanto as teorias de Freire, Nóvoa, Selligmann­Silva e Milton Santos. Todos eles levam­nos a refletir com Benjamin sobre a barbárie que foi levando às catástrofes, e que perpassa todas as fronteiras depois do século XVII. Segundo o frankfurtiano, o fazer instrumental legado à Pedagogia Moderna pode ser encontrado nos princípios da consumação do Estado Moderno com o surgimento do estado de exceção. Este reflete hoje nas atitudes dos políticos, nas regalias  para alguns, nos  direitos para  poucos  ou em tudo o que  é imposto contra a maioria. Não é a ordem consumada que está em questionamento para Benjamin (1984a;1986), mas o estabelecimento da soberania do próprio direito quando se torna um fim para si mesmo. A alegoria atua como chave impercebível no palco ideológico/teológico e educador do Barroco alemão, desvelando os princípios do capitalismo. Este é o ponto culminante que o filósofo quer mostrar no seu Barroco alemão. Em  Experiência e Pobreza,  Benjamin (1987a, p. 115), fala da miséria que a humanidade começou a viver depois da sobreposição da técnica e da crença de que a felicidade estava apenas no trabalho (pedagogia do trabalho). Tal miséria apresenta o surgimento de uma nova barbárie.

Em síntese, desde o Brasil Colônia e da submissão ao domínio português, as correntes   e   tendências   pedagógicas   deixaram   no   anonimato   uma   fabulação   como forma de esconder a barbárie e as catástrofes existentes, na própria evolução do fazer pedagógico, na sociedade brasileira. Em outras palavras, as pedagogias silenciaram

frente a cultura da violência e os acontecimentos sociais calamitosos e acabaram por endossar o fazer autoritário e de dominação. Com base na proposta de Benjamin, Freire, Milton Santos e a Semana de 22 podemos contrapor a vinda dos europeus para cá   e   a   exploração   dos   nativos,   bem   como   defender   o   palco   dos   oprimidos.   As pedagogias   de   tendências   marxistas   falam   da   Educação   e   Barbárie,   mas   não conseguem   apresentar   à   temática   Educação   e   Barbárie,   como   foi   exposta   por Benjamin (1984a) a partir da visão barroca da história, em sua teoria da alegoria. As disputas no geral são acirradas e inconciliáveis entre os pensadores marxistas e os capitalistas. O marxistas negam o modo de produção capitalista, a divisão entre as classes sociais e endossam a educação politécnica20  nas escolas brasileiras. O ponto central na compreensão marxista é o trabalho e interação social e a superação da divisão entre as classes sociais, enquanto a visão capitalista não abre mão da produção excedente (mais­valia), da permanência da divisão entre as classes sociais e de uma educação subserviente e utilitária na manutenção do mercantilismo e manipulação dos indivíduos. 

Ao   que   parece,   Benjamin   (1987a)   olha   esta   relação   por   um   prisma   mais apurado,   quer   dissolver   as   historiografias   dominantes   por   seus   afazeres   estarem vinculados ao capitalismo selvagem. Este camufla na alegoria barroca, o palco da barbárie e o solo que leva à catástrofe na e da educação. A barbárie, nas palavras de Benjamin,   vem   atravessando   todos   os   períodos   históricos   da   civilização   estando sempre   por   detrás   da   constituição   das   culturas   e   a   catástrofe   é   um   subproduto resultante   da  prepotência  alegorizadora   do   progresso   civilizatório,   que   com   o Capitalismo devasta todos os saberes que divergem do lucro. Por outro viés, Benjamin

20 Cf. a nossa Dissertação de Mestrado, a distinção entre a educação politécnica (pressupõe um trabalho complexo)  e a  educação polivalente  (pressupõe a alienação e homogeinização do trabalhador, com o avanço da automatização). Paulo Guiraldelli Jr (1994) em  Educação e razão histórica  trata da luta infindável entre os marxistas e os capitalistas.  Os capitalismo querem que tudo permaneça como é, enquanto os marxistas querem sanar os problemas da miserabilidade humana, da vida boa só para alguns poucos. A história das ideias pedagógicas no Brasil não apresenta algo substancial, “a pedagogia marxista brasileira está a dez anos, […], envolvida em explicar o termo politécnica”, na tentativa de unir “trabalho intelectual e trabalho produtivo”, reduzindo­se a cara equação do século XIX: “natureza humana   =   a   trabalho   =   não   bárbaro”   –   isto   deixou   de   ser   importante   há   muito   tempo   para   o marxismo, “quanto para o marxismo crítico”. Por isso Guiraldelli não vê “o marxismo como responsável por   um   desvio   de   rota”,   ele   “apenas   complementa   um   quadro   consubstanciado   pelas   noções   da modernidade, trabalho e utopia, tanto quanto os outros pensamentos que colaboraram com a reflexão pedagógica no Brasil”. A posição de Guiraldelli é importante para que seja revista, a educação brasileira no que tange “a educação do homem 'polivalente', 'multidimensional' do paradigma da Qualidade total e do homem 'omnilateral dos marxistas, no resgate do pensamento marxiano de Marx (ROSSATTO, 2000, p. 229).   

(1989) descreve em seu Diário de Moscou, a sua decepção com a esquerda, depois do que viu naquele país. Diante de todas essas armadilhas, procura concentrar o seu pensar, na origem do Barroco alemão do século XVII, pois a Pedagogia Moderna traz no seu palco, implicações da alegoria Barroca no fazer das escolas, no tempo presente. Benjamin (1984a) vai dizer que o cenário do palco teatral do Barroco alemão continua vivo entre nós. A Pedagogia Moderna ao seguir a visão dos filósofos e dos literatos alemães desabilitou a participação democrática do público no cenário teatral da escola. Deste modo, o que chegou até nós foi os vestígios de uma pseudo­tragédia helênica. Na tragédia antiga a população integrava as cenas e participava da vida coletiva. Por conseguinte, a dramaturgia alemã tinha a pretensão de ser a criadora da própria tragédia grega. Na base de sua dramaturgia, encontra­se o autoritarismo do teatro jesuítico que, paulatinamente, foi se constituindo como modelo industrial de ensinamentos.   Depois   desta   teatralidade   autoritária   atravessar   as   fronteiras   da Europa,   refletiu   na   composição   das   cenas   teatrais   ao   ter   por   base   o   Barroco   da imagem (ilustrações alegóricas do cotidiano) e o Barroco da palavra (esta já é a coisa que ela mesma representa no mundo divino). É a alegoria verbalizada ou a expressão de uma ideia, a materialização mental; o princípio da realização do Verbo. O método dialético de Benjamin fundiu esta dicotomia. A Pedagogia Moderna sucumbiu nesta dicotomia   autoritária.   No   seu   encalço   estava   a   ideologia   propagada   pelo   Barroco alemão. 

Ademais,   o   professor   de   filosofia   medieval   N.   D.   Rossatto   (2017,   p.   162), argumenta que “Os exercícios espirituais dos jesuítas de Ináco de Loyola, o fundador da   Companhia   de   Jesus”,   estão   presentes   na   “técnica   de   compor   uma   narrativa mediante o recurso à memória e à imaginação”. Sendo assim temos: 

O primeiro passo é a composição (composición) de um cenário, o qual resulta da   elaboração   de   significados   a   partir   de   uma   narrativa   repassada   de memória e imaginada nos seus mínimos detalhes. A composição toma por base   os   fatos   admiráveis  (mirabilia),   geralmente   extraídos   dos   relatos bíblicos, tais como as cenas da vida de Jesus. Em nossas escolas, os mais antigos devem ter praticado um exercício que recebia o nome de 'composição' e   que   consistia   na   composição   de   um   texto   com   baase   em   uma   figura, paisagem ou desenho, em tudo parecido com este procedimento jesuítico. O primeiro passo dos exercícios espirituais prevê a revisão de memória desses momentos   perfeitos,   orientando   assim   a   imaginação   com   uma   série   de conteúdos, já elaborados. Com isso, ao final, obtém­se a boa condução do

espírito, impedindo que este divague no vazio sem um rumo certo. Outros exercícios   espirituais   consistem   na  reflexão,   em   que   o   praticante   elabora mentalmente um significado moral para sua vida; na contemplação, em que o exercício   mental   é   suspenso   para   que   Deus   se   manifeste;   e,   por   fim,   no

compromisso prático, em que o praticante assume a tarefa da transformação

pessoal. Semelhantes passos podem ser encontrados na pedagogia jesuítica da  ratio studiorum  até hoje vigente em nossos meios escolares, consistindo basicamente   na  preleção  do   professor,   como   parte   correspondente   à composição   e   à   reflexão;   na  repetição  pelo   aluno  (repetitio   est   mater

studiorum), como parte correspondente ao exercício de memorização; e nos exercícios  (ação), em que professor e aluno resolvem uma tarefa conjunta

(ibid., 2017, p. 162). 

A delimitação da pesquisa toma por base o palco jesuítico do século XVII, que com   o   surgimento   do   Estado   de   exceção,   criado   no   barroco   alemão,   passou   a dramatizar alegorias bíblicas com o intuito de iludir e manipular os espectadores. Destaca­se,   neste   horizonte,   a   forma   inigualável   com   que   Benjamin   trata   a incompetência estatal desde a efetivação do Estado soberano. Para dissolver esse fazer dominante,   Benjamin   retoma   a   mística   judaíca,   o   surrealismo   e   outros   saberes culturais excluídos considerados marginalizados como contraponto à industrialização. O Barroco alemão do século XVII cifrou um “feixe” de imagens alegóricas consagradas e carregadas na mobilidade do palco “educador”, podendo as mesmas alegorias serem levadas de cidade em cidade, dentro de uma “caixinha”. O leigo, sentia­se inábil para decifrar o espetáculo teatral apresentado no barroquismo.  É por este motivo que Benjamin (1984a), em sua pesquisa quis desvelar esse saber secreto, próprio ao hermetismo da época, apreciado apenas por membros da elite. Esses resguardavam o seu caráter manipulador e secreto. No entanto, quando Benjamin segue as pegadas de Scholen, quer trazer  à luz o que foi abafado pelo cristianismo católico e pelo cristianismo protestante. O círculo erudito dos alemães, conservou   fechada   a   sabedoria   contida   nas   ilustrações   ou   imagens   alegóricas.   A tradição da mística judaica e do surrealismo eram uma verdadeira arte, mas foram renegados a um segundo plano, frente a técnica instrumental de guerra.

Mesmo grandes artistas e teóricos de primeira ordem, como Yeats, mantêm o ponto de vista de que a alegoria é uma representação convencional entre uma imagem ilustrativa e sua significação. Em geral, os autores só têm um conhecimento muito vago dos documentos autênticos relativos à nova concepção alegórica das coisas introduzidas no período moderno, e incorporada na obra emblemática do Barroco, em sua forma literária e em sua forma gráfica. [...] a alegoria não é frívola técnica de ilustração, por imagens, mas expressão, como a linguagem, e como a escrita Walter Benjamin, (1984, p. 184). de:https://www.google.com.br/