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CAPÍTULO I – A América do Sul e o Brasil

I.1. América do Sul: fisiopolitica

I.1.4. O Brasil no Subcontinente

I.1.4.2. Antagonismos Geopolíticos no Subcontinente

O quadro geopolítico do subcontinente no qual o Brasil procura realizar a sua projecção geopolítica, “est marquée par des antagonismes de trés longue durée”92, resultantes da quase

permanente rivalidade luso-espanhola na América do Sul desde o século XV, mantida até ao presente pelas actuais unidades geopolíticas herdeiras, não só dos espaços dos antigos impérios coloniais, mas também dos seus antagonismos geopolíticos inerentes, a par de outros surgidos aquando dos conturbados processos de independência no século XIX que ainda persistem.

Com efeito, após os conturbados processos de independência, o efervescente subcontinente Sul-Americano constituiu-se em palco de um encadeamento de sucessivos conflitos militares que se iniciaria em 1825 com a guerra das Províncias Unidas do Prata contra o Brasil finda em 1828 com a independência do Uruguai, e que se prolongaria com o ciclo de guerras de 1941, 1981, 1983, 1991 e 1995 entre o Equador e o Peru, sem deixar de considerar as guerras entre a coligação Chile-Argentina contra a Bolívia entre os anos de 1836 a 1848; pela guerra não declarada entre o Brasil e a Argentina de 1843 a 1852 para assegurar a influência sobre o Uruguai; pela guerra dos aliados Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai de 1864 a 1870; pela do Chile contra o Peru e a Bolívia de 1879 a 1883; pela guerra do Chaco entre a

92 BÈGARIE, Hervé C. (1985), Géostratégie de L´Atlantique Sud, Paris: Presses Universitaires de France, p. 138.

Bolívia e o Paraguai de 1932 a 193593. Há ainda que contabilizar uma série de várias crises menores pelo que o registo dos conflitos ocorridos e conhecidos até ao presente ilustram o potencial de conflito acumulado ao longo dos dois últimos séculos, os quais se encontram subjacentes aos antagonismos geopolíticos latentes no subcontinente, podendo estes ser esquematizados da seguinte forma:

Esquema 1: Linhas dos Antagonismos Geopolíticos do Subcontinente Sul-Americano

Fonte: BÈGARIE, Hervé C., Géostratégie de L´Atlantique Sud, p. 141.

De acordo com o esquema apresentado, no sentido Este-Oeste, envolvendo duas unidades geopolíticas localizadas nas opostas vertentes longitudinais do subcontinente (Atlântico- Pacífico), verificamos a existência de um antagonismo geopolítico entre a Argentina e o Chile em torno da disputa pelo Canal de Beagle, através do qual o Chile, tendo visto a sua soberania reconhecida sobre as Ilhas Nueva, Lenox e Picton, logrou assegurar uma geoestratégica saída para o Oceano Atlântico, ao mesmo tempo que garantia um melhor posicionamento para reivindicação mais vantajosa de um futuro sector antárctico chileno, objectivos que a Argentina procurou, embora sem sucesso, negar ao seu vizinho94.

Já na vertente longitudinal atlântica, no sentido Norte-Sul, ressalta a sempre presente rivalidade entre o Brasil e a Argentina pela superioridade regional, ainda que a disputa tenha pendido decisivamente a favor do primeiro desde a década de 1970 do século passado. O antagonismo geopolítico entre estas duas unidades, da parte do Brasil, prende-se com o objectivo permanente deste de, ao Sul do seu território, manter a sua fronteira política coincidente com a fronteira natural traçada pelos rios Paraguai, Paraná e Uruguai, procurando colocar/manter o Estado-tampão Uruguai sobre a sua esfera de influência, além de satelizar o Paraguai e a Bolívia. Por oposição, a Argentina, mantém o objectivo igualmente permanente

93 Cfr. idem.

de reconstruir o antigo Vice-Reino do Prata, englobando as unidades Uruguai, Paraguai e Bolívia, tendo por sede Buenos Aires95. Consequentemente, “malgré une détente trés nette depuis quelques années, Argentins e Brésiliens continuent à mener une sourde lutte d´influence dans les pays tampons qui les séparent”96, travada agora por aqueles dois actores

regionais dentro do quadro do projecto de integração regional - o MERCOSUL.

Redireccionado o nosso olhar para a linha dos antagonismos identificados na vertente longitudinal do Pacífico, observamos a rivalidade entre as unidades Chile – Peru, resultante da anexação das províncias Tacna e Árica pela primeira, consagrada pelo Tratado de Acón assinado em 1833 na sequência da Guerra do Pacífico e que, até então haviam pertencido à segunda. Este antagonismo geopolítico Chile – Peru permanece concomitantemente com um outro, apresentando um desdobramento para a região Interior do subcontinente, onde a mediterranizada Bolívia reclama do Chile a devolução da província litoral de Antofagasta perdida para aquele, no mesmo conflito em que o aliado peruano se via amputado das duas províncias acima mencionadas97.

Por extensão, porém circunscrito por inteiro à região Interior do subcontinente, constituindo um antagonismo geopolítico distinto daquele, transversal às regiões andina e interior envolvendo Peru – Chile – Bolívia, identificamos a linha de tensão Bolívia – Paraguai assente nas disputas territoriais em torno da região do Chaco, tendo a primeira perdido para o segundo a região do Chaco Boreal, após a guerra que teve lugar entre os anos de 1932-3598.

Já no Norte do subcontinente, no sentido Oeste-Este, envolvendo também duas unidades geopolíticas localizadas nas opostas vertentes longitudinais Atlântico-Pacífico, porém ambas voltadas para a região das Caraíbas, identificamos a linha de antagonismo geopolítico Colômbia-Venezuela. Esta resulta da perda, por parte da Venezuela, da margem esquerda do rio Orenoco para a Colômbia em 189299, na sequência das disputas fronteiriças surgidas aquando da fragmentação da Republica da Gran Colombia que era constituída pela Colômbia, Venezuela, Nueva Granada (actual Panamá) e Equador, sob a égide de Simon Bolívar. Actualmente, o latente antagonismo geopolítico entre a Colômbia e a Venezuela, ganha novos contornos com o apoio prestado por Caracas às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

95 Cfr. ibidem, p. 140. 96 Cfr. ibidem.

97 Cfr. CASTRO, Therezinha de (Jan./Fev./Mar./Abr./1999), Op. Cit., nota 72, p. 21. 98 Cfr. BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz (2010), Op. Cit., nota 84, pp. 157-187. 99 Cfr. BÈGARIE, Hervé C. (1985), Op. Cit., nota 92, p. 140.

(FARC) por um lado, e a permissão colombiana para a instalação de seis bases militares norte-americanas, em nome da guerra ao terrorismo e combate ao narcotráfico, por outro. Seguindo ainda um pouco mais no sentido Oeste-Este, já na vertente longitudinal atlântica, em área de transição para a região das Caraíbas, observamos a linha de antagonismo Venezuela-Guiana. Nesta linha de antagonismo geopolítico verificamos que, além da Colômbia, tem a Venezuela com a Guiana um contencioso sobre a Bacia do rio Esequibo perdida no início do século XX100, pelo que reclama da Guiana 2/3 do território desta, a qual reclama ao Suriname, por sua vez, o sector de Red River, junto à fronteira com o Brasil101. Ainda na vertente atlântica, seguindo agora na direcção Norte-Sul, observamos o antagonismo Venezuela-Brasil a propósito das reivindicações de ambos sobre a Guiana, procurando cada qual expandir o respectivo litoral: a primeira buscando uma saída alternativa às congestionadas e confinantes Caraíbas; o segundo pretendendo estender a sua fachada marítima norte atlântica102, a qual, a par da sua ampla fachada sul-atlântica, lhe conferiria um posicionamento semelhante ao tipo bioceânico.

Debruçando-nos novamente sobre a vertente Pacífico do subcontinente, observamos no sentido Norte-Sul, a linha do antagonismo geopolítico intermitente envolvendo a Colômbia e o Peru, resultante da disputa entre as duas unidades geopolíticas, ocorrida na década de 1930, sobre a cidade colombiana de Leticia. Por sua vez, tendo o Peru a sua posição ao sul bloqueada pelo Chile, poderá aquele sentir-se impelido a exercer pressão a Norte sobre o Equador103, despertando o latente antagonismo geopolítico já identificado entre ambos.

Sendo certo que “cette présentation est très schématique [e que] tous ces antagonismes n´ont pas la même intensité, [bem como] ils n´excluent pas des rémissions temporaires (du type de celle à laquelle on assiste actuellemente dans la rivalité Brésil-Argentine) [e que alguns] ne s´expriment pas en raison de l´écart trop grand entre les protagonistes ou des contraintes diplomatiques [o facto é que] ils persistent dans la longue durée”104, constituindo o tabuleiro

do xadrez geopolítico, no qual o Brasil “joga” a sua projecção geopolítica sobre o subcontinente Sul-Americano.

100 Cfr. idem.

101 Cfr. CASTRO, Therezinha de (Jan./Fev./Mar./Abr./1999), Op. Cit., nota 72, p. 19. 102 Cfr. BÈGARIE, Hervé C. (1985), Op. Cit., nota 92, p. 141.

103 Cfr. idem.