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Antecedentes: descrevendo a transformação

3 CONSÓRCIOS PÚBLICOS: FERRAMENTA DE GESTÃO ASSOCIADA NA

4.3 A TRANSFORMAÇÃO MILITAR NO BRASIL: BASE NORMATIVA DOS

4.3.1 Antecedentes: descrevendo a transformação

O brigadeiro Covarrubias, tem uma posição particular sobre o processo de transformação, entendendo que há, sim, uma mudança sistêmica que exige uma evolução das estratégias, mas que existe, também, uma “cultura” latina de se replicar aquilo que é realizado pelos Estados Unidos55 (COVARRUBIAS, 2007). Contudo, o militar tem uma percepção importante sobre a natureza das Forças Armadas. Algo que, segundo ele, deve ser a essência para que exista a Força e o trilho sobre o qual ele deva seguir em direção à proteção à sua nação:

[…] é vital compreender que as forças armadas se apóiam em pilares ou componentes básicos. O primeiro é a sua natureza, já que esta nasceu para cumprir uma tarefa que a sociedade lhe legou desde sua criação. O segundo é que o estado lhes dotou com uma estrutura jurídica ou de legalidade e o terceiro é que o estado lhes proporciona certas capacidades ou meios para que cumpram suas tarefas constitucionais de acordo com a estrutura jurídica vigente. estes componentes ou eixos básicos atuam entre si e ao serem modificados influenciam os outros. Portanto, as opções de reformar, modernizar ou transformar estão profundamente ligadas e ao alcance do que se necessita realizar (COVARRUBIAS, 2007, p. 16).

Segundo Covarrubias (2007), este processo, como um todo, promove a reestruturação das Forças e compreendem três conceitos que se interligam, e compõe a estrutura final daquilo será projetado como Força: Transformação, modernização e Adaptação. Assim os define:

Reitero que o nome da transformação está se impondo pelo impacto de seu significado na agenda de defesa dos EUA. No entanto, devemos esclarecer que atualmente na região se usa o nome como um sinônimo de um processo de mudança, reforma, modernização ou reestruturação, o que não significa necessariamente a mesma interpretação norte-americana. Numa conclusão teórica, poderíamos dizer que estão se usando três conceitos que no caso dos EUA são: adaptação, modernização e transformação. Para o caso latino-americano, me parece que as interpretações mais adequadas destes conceitos seriam: adaptação ― que consiste em adaptar as estruturas existentes para continuar cumprindo com as tarefas previstas; modernização ― otimização das capacidades para cumprir a missão de uma melhor forma e transformação ― desenvolvimento das novas capacidades para cumprir novas missões ou desempenhar novas funções em combate. (COVARRUBIAS, 2007, p. 19).

Desse modo, é possível relacionar estes três conceitos com os desafios impostos pelas Revoluções Industriais, como tentará se fazer na sequência. Nesse sentido, a Modernização diria respeito à 2ª Revolução Industrial, otimização de capacidades relacionadas à internalização de plantas propulsoras, como desenvolvimento de motores, reatores e turbinas, adequando as Capacidades brasileiras ao padrão internacional de forma autônoma. A Transformação diria respeito

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A acertiva, no entanto, não se dirige ao Brasil, uma vez que a adoção do processo de transformação das forças Armadas, por meio da publicação da PND, foi anterior à ação Norte Americana. O que ocorre, contudo, é a dificuldade encontrada, no Brasil, de se implementar tal política.

ao ingresso na 3ª Revolução Industrial, a aquisição das novas tecnologias que alteram as capacidades e criam novas funções de combate, nesse caso o computador e a rede. Por fim, a Adaptação que consiste em adequar as capacidades já existentes às novas condições impostas 3ª Revolução Industrial e à endogeneização das tecnologias da 2ª Revolução Industrial.

No caso do Brasil, é possível identificar com clareza a adoção dos conceitos estabelecidos por Covarrubias, para a reestruturação das Forças Armadas. A Estratégia Nacional de Defesa identifica a necessidade da reestruturação das Forças Armadas, no sentido proposto pelo autor:

A presente Estratégia Nacional de Defesa trata da reorganização e reorientação das Forças Armadas, da organização da Base Industrial de Defesa e da política de composição dos efetivos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Ao propiciar a execução da Política Nacional de Defesa com uma orientação sistemática e com medidas de implementação, a Estratégia Nacional de Defesa contribuirá para fortalecer o papel cada vez mais importante do Brasil no mundo. (BRASIL, 2013, p. 42).

Esta reorganização e reorientação de que trata a Estratégia Nacional de Defesa, decorre da identificação, como setores estratégicos essenciais para a defesa nacional, o setor espacial, o cibernético e o nuclear56, exigindo, portanto, as ações correlatas a estes processos, como se pode identificar:

No que diz respeito a transformação, foi estabelecido o acordo militar Brasil-França, por meio do Decreto nº 6.011, de 5 de janeiro de 2007, que permitiu a obtenção do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC-1), projetando o Brasil no seleto grupo de países que disputam o espaço. No mesmo passo, para o desenvolvimento do setor cibernético, o Ministério da Defesa, atribuiu a coordenação do setor ao Exército Brasileiro, conforme a Diretriz Ministerial do MD nº 14/2009. Em consequência, foi criado, em 2010, o Centro de Defesa Cibernética (CDCiber), com a missão de coordenar e integrar os esforços dos vetores da Defesa Cibernética.

No que diz respeito a modernização, sua execução vai ao encontro da estratégia que defende o setor nuclear, materializado pela obtenção do Submarino Nuclear de Ataque Brasileiro (SNBR), por meio do Decreto Legislativo nº128, de 2011, tendo sido ratificado pelo Plano de Ação estabelecido no Decreto Presidencial nº 8.630, de 30 de dezembro de 2005.

Não menos importante, o processo de Adaptação vem sendo realizado, prioritariamente, pelo Exército Brasileiro, notadamente no contrato para aperfeiçoamento da Viatura Blindada de Combate Obuseiro Autopropulsado (VBCOAP) – M109 A5+BR, e a Viatura Blindada de

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A Estratégia Nacional de Defesa defende, em suas diretrizes, a importância destes setores: Diretriz nº 6: Fortalecer três setores de importância estratégica: o espacial, o cibernético e o nuclear. Esse fortalecimento assegurará o atendimento ao conceito de flexibilidade. (BRASIL, 2013).

Transporte de Pessoal (VBTP) M113 A2Mk1BR, que busca atender às novas necessidades da Força, diante da necessidade de mobilidade identificada pelo processo de transformação.

Assim, será possível verificar que todos estes processos, que compõem a reestruturação das Forças Armadas, são ativos propulsores na obtenção de Capacidades nacionais e impulsionadores do desenvolvimento e da projeção do Brasil Potência.

A partir da Política Nacional de Defesa, diversas leis, decretos e normas administrativas vieram sustentar estas ações que objetivam dar o seguimento à política de estado de defesa. Porém, em muitos casos, ainda não se viu a efetividade destas medidas, talvez, devido à ausência de uma estrutura própria, pensada, desenvolvida e criada para pôr em prática determinados projetos, estratégias e políticas de estado. E é por este viés, que se poderá entender a necessidade da aplicação dos consórcios públicos.

Por este percurso, pode-se verificar, na estratégia brasileira, que seus pilares estão mantidos. A transformação aqui proposta não altera a essência da Força Terrestre, mas redireciona seus objetivos, exigindo, como afirmado pelo brigadeiro, novas capacidades. De fato, do mesmo modo que as guerras podem produzir avanços tecnológicos para serem empregados em tempo de paz, os avanços obtidos na paz podem, e devem, ser empregados na obtenção de capacidades para efeitos de dissuasão (evitar a guerra). Nisto consiste a evolução militar. Covarrubias estabelece esta relação, indicando que ocorre com os dispositivos militares, o mesmo que ocorre com a sociedade, aonde os avanços tecnológicos são uma rotina constante, sendo certo grande impacto deste avanço nos campos estratégico e tático (COVARRUBIAS, 2007).

O papel da indústria da capacidade produtiva, atualmente, tem tal importância que o governo americano, emitiu, em 2017, a Executive Order 130657 , que realiza uma avaliação e entende pela necessidade de fortalecimento da Base Industrial de Defesa Americana, determinando ao Secretário de Defesa a confecção de um plano de ação que implementasse a nova estratégia nacional de defesa. O relatório deste plano foi publicado, em maio de 2019, no ao “ANNUAL REPORT TO CONGRESS FISCAL YEAR 2018”, com o título Industries Capabilites.

Neste relatório, o então Secretário de Defesa, James Mattis, conclui que para que se desenvolvam as três linhas de esforço delineadas na estratégia de defesa americana- letalidade para o combatente, fortalecimento de alianças e parcerias, e reforma dos negócios – é necessário que se desenvolva uma base industrial saudável, robusta e segura. Segundo o relatório, “sem uma forte indústria de defesa e um setor manufatureiro saudável, tanto nacionalmente quanto com aliados e

57 EO 1306 – Presidential Executive Order on Assessing and Strengthening the Manufacturing and Defense Industrial Base and Supply Chain Resiliency of the United States. Disponível em https://www.whitehouse.gov/presidential- actions/presidential-executive-order-assessing-strengthening-manufacturing-defense-industrial-base-supply-chain- resiliency-united-states/.

parceiros estrangeiros, não é possível garantir a segurança nacional”58 .

Com anterioridade, a PND (2013) do Brasil já reconhecia, a partir de uma análise do ambiente internacional, as vulnerabilidades existentes em relação ao domínio tecnológico, identificando a necessidade da posse e controle de tecnologias nos setores nuclear, cibernético e espacial, o que se associa diretamente, ao desenvolvimento de tecnologias domésticas para atendimento não só ao setor militar, mas à proteção e desenvolvimento da administração como um todo59. Estabeleceu, então, três objetivos estratégicos que servem de baliza para o desenvolvimento das capacidades internas, com reflexo na projeção internacional do Brasil:

- desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis;

- estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e operacionais; e

- desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional. (BRASIL, 2013, p. 31).

Para que veja atendidos estes objetivos específicos, o documento estabelece a orientação para que se desenvolva, de forma conjunta e integrada, as capacidades industriais e tecnológicas do país:

7.7. Os setores governamental, industrial e acadêmico, voltados à produção científica e tecnológica e para a inovação, devem contribuir para assegurar que o atendimento às necessidades de produtos de defesa seja apoiado em tecnologias sob domínio nacional obtidas mediante estímulo e fomento dos setores industrial e acadêmico. A capacitação da indústria nacional de defesa, incluído o domínio de tecnologias de uso dual, é fundamental para alcançar o abastecimento de produtos de defesa (BRASIL, 2013, p. 32).

Extrai-se, portanto, a importância do estabelecimento de uma política pública voltada para o fomento e desenvolvimento da indústria nacional. Daí a necessidade de ser estabelecido um arcabouço normativo que contemple e permita esta relação o que se deu, em especial, por meio do Sistema de Mobilização Nacional – Lei 11.631, de 2007 (sua importância reflete no preparo contínuo das capacidades do país, desde a situação de normalidade, estabelecendo um marco para o desenvolvimento da indústria em alinhamento com as necessidades de defesa), da Lei 12.598, de 2012, que regula e estabelece as condições para aquisição, contratação e desenvolvimento de produtos de defesa e do SisDIA (Portaria 1.701, de 21 de dezembro de 2016), complementados por diversos outros instrumentos normativos que a fundamentam e seguem no caminho para a construção de uma Base Industrial de Defesa que permita a construção de Capacidades para uma

58 ANNUAL REPORT TO CONGRESS FISCAL YEAR 2018. Pág. 29.

inserção positiva do Brasil na 3ª Revolução Industrial.