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3 CONSÓRCIOS PÚBLICOS: FERRAMENTA DE GESTÃO ASSOCIADA NA

3.3 CONSÓRCIOS PÚBLICOS, BASE INDUSTRIAL E DEFESA E OBTENÇÕES

3.3.1 Os Consórcios e o SisDIA

Segundo a elaboração ensaística descrita, os Consórcios Públicos, enquanto pessoa jurídica autônoma, pode estabelecer o elo, ainda inexistente, entre os “segmentos” da produção de Defesa no país: Governo, Indústria e Universidade. Esta ligação, constitui-se, portanto, na materialização da chamada tríplice hélice.

A tríplice hélice se constitui em conceito ainda em fase de efetivação, cujo planejamento segue a orientação proposta pela Portaria nº 1.701, de 2016, do Comandante do Exército (SisDIA). Segundo a diretriz proposta pela norma em questão, a organização do sistema deve ser realizada em três níveis, que se relacionam segundo as suas funções:

Art. 7º O SisDIA de Inovação será organizado em três níveis: o Nacional, estratégico, no qual se concentrarão os esforços relativos aos setores da hélice governamental; o Regional, estratégico operacional, que estimulará as potencialidades regionais das hélices industrial e acadêmica; e o Local, operativo, que executará os projetos da Força ou contribuirá com os arranjos produtivos locais.

Com uma repetição inevitável, a norma exige a existência de um ente agregador entre as instâncias previstas, que possa consolidar, de forma efetiva as diretrizes alii estabelecidas. A formação de um Consórcio Público, como já dito, é o instrumento capaz de estabelecer as relações necessárias ao desenvolvimento destas diretrizes. Contudo, a portaria enquanto instrumento normativo administrativo emitido pelo Comandante do Exército tem pouca ou nenhuma força legal. Enquanto instrumento Administrativo se presta de forma muito eficiente a descortinar os caminhos e processos a serem estabelecidos. Contudo, se constituída em lei, constituir-se-á em importante instrumento de um sistema legal formado para alavancar a obtenção das capacidades nacionais.

É de entendimento corrente que são os fatos sociais que originam o Direito e não o contrário. De fato, ao observar a base normativa sobre a aquisição das capacidades é possível visualizar o desenho institucional criado para o estabelecimento das cadeias necessárias ao atendimento das necessidades pensadas por ocasião da formação e elaboração da Política nacional de Defesa.

Relacionam-se à este fato, a lei dos Consórcios Públicos (Lei 11.107, de 2005), a lei de Mobilização Nacional (Lei 11.631, de 2007), a Estratégia Nacional de Defesa (Decreto nº 6703, de 2008) e a lei de Aquisição de Produtos de Defesa (Lei 12,598, de 2012). Estas normas se constituem em complexa teia sobre a qual as capacidades nacionais podem desenvolver-se, por meio das

obtenções. Cada uma criada a partir de um fato relacionado à obtenção e desenvolvimento das capacidades. A proposta da lei do SisDIA, portanto, será mais uma linha a auxiliar nesta sustentação, em que cada uma destas normas tem sua atuação destinada a dar legitimidade a um aspecto do processo.

A Lei dos Consórcios públicos, como já demonstrado, surge da necessidade de um ente capaz de exercer a função dirigente para execução das variadas políticas nacionais. Esta necessidade foi descrita já em sua exposição de motivos na qual se destaca como uma das principais preocupações do Poder Legislativo. Do texto apresentado para a sanção presidencial, destaca-se o seguinte parágrafo:

A segunda grande preocupação é a carência de instrumentos de coordenação de políticas públicas de responsabilidade do Governo Federal, considerando especificamente aquelas executadas de forma conjunta com Estados e Municípios. Ao se constituírem como instrumento viabilizador de ações cooperadas e coordenadas entre os entes federativos, os consórcios públicos abrem a possibilidade de ampliar o alcance e aumentar a efetividade das políticas e da aplicação de recursos públicos. Para o Governo Federal, portanto, a criação e funcionamento de consórcios públicos têm a capacidade de alavancar, por meio da maior racionalidade da execução cooperada, o impacto de diferentes políticas públicas – saúde, saneamento, geração de renda, infra-estrutura, entre outras políticas de responsabilidade partilhada entre os entes federados. (BRASIL, 2004. p. 19).

Do texto proposto extrai-se a finalidade de coordenação, articulação e gerenciamento das políticas nacionais partilhadas entre os entes da federação, das quais, de certo, fazem parte as políticas relacionadas à soberania e à defesa da nação.

Em especial, a lei dos Consórcios Públicos relaciona-se à proposta de Reforma do Estado para suprir a lacuna deixada pela projetada esfera pública não-estatal. Embora muito implícito, o caráter dirigente associado à personalidade jurídica autônoma que passou a constituir os Consórcios Públicos, foi claramente percebido por Miguel Reale (REALE, 2004). Em parecer elaborado em resposta à consulta realizada sobre o projeto de lei que institucionalizava os Consórcios Públicos (projeto de lei nº 3,884, de 2004) o destacado jurista atenta que “o consórcio público que se pretende estabelecer vem criar, por vias transversas, uma nova entidade da administração indireta, ao lado da autarquia e da sociedade de economia mista instituída por lei”. Sua atenção é fixada, portanto, nas consequências que visualiza a partir desta nova possibilidade. Em seu parecer, destaca, ainda, que “o Projeto examinado dá ao Consórcio público uma configuração jurídica que conflita com os reais objetivos visados pelo Art. 241, transformando-o em entidade da administração indireta, com o mais amplo espectro de encargos e competências”. E mais, a grande preocupação exposta no parecer reside em que:

públicos por meio de gestão associada”, a União, como parceira do “consórcio público”, pode interferir em questões locais dos Estados e Municípios, até mesmo em assuntos pertinentes à proteção do meio ambiente (Art. 3º, VI) ou na gestão e proteção de patrimônio paisagístico ou turístico comum (Inciso IX). (REALE, 2004)49

A destacada preocupação, contudo, vem ao encontro daquilo que se vem demonstrando ao longo desta pesquisa, no sentido de que é através dos Consórcios públicos que o Estado retoma o exercício de sua função dirigente, principalmente para a condução das políticas e estratégias de defesa.

A lei de Mobilização Nacional estabelece a necessidade de mobilização dos meios e capacidades nacionais, ainda em tempo de paz, para que se estabeleçam as capacidades Estratégicas e Militares aptas a garantir a defesa nacional.

A citada lei surge da necessidade de criação de um processo que envolva toda a sociedade e suas expressões de poder para a criação dos mecanismos de defesa. Relaciona-se ao fato originado pela intenção do Estado em promover o desenvolvimento das Capacidades nacionais, materializada pelas tratativas que deram origem ao Acordo Brasil -França, em 2005.

A Estratégia Nacional de Defesa constitui a rede de diretrizes a serem seguidas para a formação da Base de Defesa do país, tendo como um dos seus pilares as capacidades nacionais. Surge, também, do fato relacionado à projeção internacional do país e da necessidade de serem estabelecidas políticas de estado voltadas ao desenvolvimento das capacidades.

Por fim, a lei de aquisição de produtos de Defesa estabelece a especialidade e as particularidades com que devem ser tratadas as aquisições para a área de defesa no país. Neste sentido, estabelece os conceitos sobre o que são considerados produtos de defesa, quem está autorizado a realizar sua produção, os procedimentos para aquisição destes produtos em âmbito nacional e internacional e como estabelecer a base Industrial e Defesa.

Esta lei é uma consequência da necessidade de reorganização da Indústria de Defesa, descrita como um dos eixos estruturantes da END e do atendimento a diretriz ali descrita para que as capacidades militares sejam desenvolvidas em sinergia com o desenvolvimento das tecnologias nacionais.

Desta forma, a lei de aquisição de produtos de defesa tem por fim dar suporte à atividade industrial de defesa, possibilitando que o setor para se capacite para conquistar autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa do País. Para tanto, estabelece regimes especiais, tanto jurídicos como administrativos, para mitigar os riscos e proporcionar o ambiente de resiliência necessário ao

49 Parecer elaborado por Miguel Reale e dirigido ao O Dr. Mauro Arce, Secretário de Estado de Energia Elétrica, Recursos Hídricos e Saneamento, em resposta á solicitação de exame do texto do Projeto de Lei federal que “institui normas gerais de contratos para a constituição de consórcios públicos, bem como de contratos de programa para a prestação de serviços públicos por meio de gestão associada”. Item 5, p 2.

desenvolvimento da indústria. Em especial, a lei procurou estabelecer condições facilitadoras para as aquisições relacionadas à defesa, em complemento à lei geral de licitações e contratos – lei 8.666, de 1999.

Destaca-se, neste sentido, o enunciado no ítem 34, da exposição de motivos da medida provisória que antecedeu a lei em questão, da qual extrai-se o seguinte parágrafo:

34. O segundo eixo reflete o momento de inflexão histórica da atualidade brasileira, caracterizado pela ampliação das atividades de defesa que refletem sobremaneira na proteção aos diversos setores do Estado e da sociedade, cujos efeitos alcançam a projeção do País nos planos interno e internacional, este particularmente no âmbito da recém-criada Unasul, o que implica demanda de capacitação para fazer face ao ciclo de grandes eventos e desafios dirigidos ao poder público, tais como o Plano Estratégico de Fronteiras e os programas afetos às áreas nuclear, cibernética e espacial, além da efetiva participação nas atividades de segurança da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. (BRASIL, 2011, p. 5).

Assim, com vistas a atender, de forma mais direcionada, as particularidades afetas à produção e desenvolvimento e materiais de defesa, foi editado o Decreto 7970, de 2013, que estabelece a Comissão Mista da Indústria de Defesa (CMID), tendo por finalidade assessorar o Ministro de Estado da Defesa em processos decisórios e em proposições de atos relacionados à indústria nacional de defesa50. Contudo a CMID compõe-se exclusivamente dos órgãos governamentais, representando apenas uma hélice do sistema do qual deve ser composto o desenvolvimento da BID. Aí a necessidade das Casas de União, na forma de Consórcio Público de natureza pública.

Outra medida que merece ser aqui descrita, constante do Decreto 7.970, de 2013, é o Termo de Licitação Especial – TLE. Este termo se constitui enquanto elemento essencial para as aquisições realizadas com fundamento na lei do PRODE. Contudo, pelo que se extrai da conceituação dada pelo dispositivo legal, é antes um elemento de justificação para utilização da lei especial, em lugar da geral, do que um facilitador ou desburocratizador para as aquisições de produtos de Defesa. Por estes dois motivos, a “rede normativa” ainda não oferece a sustentabilidade suficiente a formação da esperada base Industrial de Defesa, em razão “vazios” deixados pela lei, que são preenchidos com a aplicação da lei geral de licitações – lei 8.666, de 1999.

A transformação da Portaria do SisDIA em lei é, portanto, muito necessária. Sua necessidade surge do fato de se estabelecerem, de forma legal, as ligações a serem estabelecidas entre os entes da federação para a formação da tríplice hélice, anunciar (taxativamente) os Consórcios Públicos como vetor de execução e implementação das estratégias de defesa e

estabelecer vias especiais e específicas que protejam e fomentem a indústria nacional de defesa, para a criação de uma Base Industrial de Defesa que possibilite a autonomia para ao desenvolvimento das Capacidades Estratégicas.

Verificada a necessidade de elaboração de lei, a partir da portaria do SisDia, que promova maior eficácia para a retomada do desenvolvimento das capacidades nacionais, é importante identificar a origem dos recursos para realizar do intento, mormente quando se trata de recursos para aquisição dos produtos originários dos grandes projetos de defesa considerados neste estudo: PROSUB, ASTROS 2020, SGDC 1 e Centro de Defesa Cibernética.

Conforme já apresentado na seção referente aos Consórcios Públicos, estes entes constituídos enquanto personalidade jurídica autônoma, possui fontes de captação de recursos para o desenvolvimento de seus projetos. Contudo, ainda que se consigam os recursos para o desenvolvimento e produção dos meios, é preciso que o Estado, por via das forças Armadas, tenha condições concretas de arcar com os custos da compra.

O problema é a existência da lei do Teto dos Gastos Públicos, que limita, sobremaneira, a possibilidade de aquisição das capacidades militares, sem que haja profundo impacto em outros setores da economia. Este, portanto, outro fato a ser considerado na elaboração de nova lei que complemente a lei de Aquisição de produtos de defesa.