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A antecipação de tutela nas lides coletivas contra a Fazenda Pública

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 89-95)

O art. 1º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, estabelece não ser cabível qualquer medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, quando providência

88 BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela antecipada, p. 49.

89 ZAVASKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, p.

semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em vir- tude de vedação legal.

Daí que podemos afirmar não ser admissível a liminar, em ação coletiva: a) contra ato do qual caiba recurso administrativo, com efeito suspensivo, independen- temente de caução (Lei nº 12.016/2009, art. 5º, I); b) contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo (Lei nº 12.016/2009, art. 5º, II); c) contra deci- são judicial transitada em julgado (Lei nº 12.016/2009, art. 5º, III); d) se o objeto da cautela visar à compensação de créditos tributários, à entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, à reclassificação ou equiparação de servidores públi- cos e à concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou a pagamento de qualquer natureza (Lei nº 12.016/2009, art. 7º, § 2º); e) se a liminar esgotar, no todo ou em parte, o objeto da ação (Lei nº 8.437/1992, art. 1º, § 3º); f) antes de ouvido o representante da Fazenda Pública (Lei nº 8.437/1992, art. 2º).

Quanto a essa última hipótese, proclama o art. 2º da Lei nº 8.437/1992: ―No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas‖.

Aplicando este dispositivo, já decidiu o STJ que ―a liminar concedida sem res- peito a este prazo é nula‖.90

Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., a razão do artigo está:

na defesa do patrimônio público contra a amplitude da liminar em processos coletivos (...). Trata-se do reconhecido expediente do processo cooperativo, já denominado contraditório preventivo, evitando a surpresa e aprofundando o compromisso dialético do juiz com as partes.91

90 BRASIL. STJ. Resp nº 88.583/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, j.

21.10.1996.

Nada obstante, os Tribunais têm atenuado o rigor da restrição imposta. As- sim, se, em determinado caso, a prévia oitiva da Fazenda Pública puder acarretar a ineficácia do ato a ser praticado, não deverá o magistrado condicionar a concessão da liminar à medida constante do referido art. 2º. Parece necessário que o julgador, diante da situação concreta, faça o controle de constitucionalidade difuso da norma, para afastá-la, sempre que a manifestação prévia do representante judicial da pes- soa jurídica de direito público puder acarretar risco de dano irreparável ou de difícil reparação a direitos de natureza transindividual; nesse caso, a liminar haverá de ser concedida inaudita altera pars.

Daí que, no nosso entendimento, o jurisdicionado tem o direito de obter do Judiciário tutela jurisdicional adequada. Caso seja necessária a liminar, o juiz deverá concedê-la, haja ou não previsão para tanto, ouvida ou não a Fazenda. A vedação somente poderia ser aplicada pelo juiz se não ofender o princípio constitucional do direito de ação.

A conclusão geral é a de que todas as leis que limitam, regulam ou restrin- gem a concessão de tutela de urgência (em processo individual ou coletivo) poderão ser submetidas ao controle difuso de constitucionalidade. Esse controle garantirá sua razoabilidade, sempre tendo em vista o risco de inefi- cácia da decisão futura, que, em ação de mandado de segurança, onde a prestação do direito é in natura, poderá inviabilizar o pedido. Nos demais casos concretos, dever-se-á atender para os valores em jogo, diante dos fa- tos e da discricionariedade do juiz.92

E, ainda sem questionar a constitucionalidade da norma, há argumentos que permitem sustentar seja a medida antecipatória concedida, sem a prévia oitiva da Fazenda. Para Teori Albino Savaski, não se pode falar em inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.437/1992; todavia,

O dispositivo agora comentado apenas explicita o princípio. Pode ocorrer, porém, situação de tal gravidade e urgência que não permita sequer aguar-

dar-se o prazo de setenta e duas horas. Se tão excepcional hipótese se a- presentar, poderá o juiz, em nome do direito à utilidade da jurisdição, con- ceder a medida antecipatória. Para tanto estará autorizado pelo sistema constitucional, em face do qual, configurada a incompatibilidade, deve ceder a restrição prevista na lei ordinária93

Não bastasse isso, a própria Lei nº 8.437/1992, em seu art. 4º, estabelece a possibilidade de pedido de suspensão da execução da medida antecipatória deferida contra a Fazenda Pública, por decisão fundamentada do Presidente do Tribunal competente para apreciar eventual recurso.

Neste mesmo sentido, o art. 15 da novel legislação, que disciplina o mandado de segurança coletivo e individual (Lei nº 12.016/2009), também admite a mesma providência de sustação da liminar deferida contra a Fazenda Pública, sempre para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 15), por requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público.94

A medida, por óbvio, não obsta à interposição de agravo de instrumento ende- reçado ao Tribunal, com pedido de efeito suspensivo, nos termos dos arts. 527, III, e 558 do CPC, visando a cassar incontinenti a cautela concedida. O relator do recurso (e não o Presidente do Tribunal), nesse caso, demonstrada a relevância dos funda- mentos e a possibilidade de lesão grave e de difícil reparação decorrente da execu- ção da medida, poderá atribuir efeito suspensivo ao agravo, sustando a liminar. O pedido de suspensão, diferentemente, deve ser apreciado privativamente pelo Presidente do Tribunal e dispensa a análise das questões processuais e do mé- rito do agravo, privativas do juízo recursal do agravo. Para tanto, basta se comprove

93 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, p. 209.

94 Disposição semelhante, aliás, já constava da Lei nº 4.348/1964, que estabelecia normas processu-

que a liminar: a) é manifestamente contrária a interesse público ou de flagrante ilegi- timidade e b) causa grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pú- blicas.

Não é necessário ao pedido de suspensão, ademais, que tenha sido interpos- to agravo da decisão que concedeu a liminar. Da decisão do Presidente do Tribunal, que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo interno, em 5 dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à interposição (§ 3º do art. 4º da Lei nº 8.437/1992). Do julgamento desse agravo, se desfavorável à Fazenda Pública, ca- berá, ainda, novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para apreciar eventual recurso especial ou extraordinário (§ 4º do art. 4º da Lei nº 8.437/1992), ainda que negado provimento a eventual agravo de instrumento tam- bém interposto.

Advirta-se, ademais, que o art. 4º, § 1º, da Lei nº 8.437/1992 admite o pedido de suspensão da execução em sede de sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, em processo de ação popular e em processo de ação civil públi- ca, enquanto não transitada em julgado.

De todo modo, o referido art. 4º tem merecido interpretação cautelosa, conso- ante se depreende de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Fazenda Pública. Suspensão da Medida. Concedida a tutela antecipada contra a Fazenda Pública, é cabível o pedido de suspensão da medida, con- forme disposições da L 4348/64 4º e L 8437/92 4º, aplicáveis à espécie por força da L 9494/97. Entretanto, somente deve ser deferida a suspensão, em caso de manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública. Trata-se de norma de exceção, que deve ser aplicada sempre restritivamente. Não se defere o pedido de suspensão em ACP movida pelo MP em favor dos di- reitos coletivos relativos à infância e juventude (ECA 201 V), em que se o- brigou a Fazenda Pública a matricular as crianças, com idade de sete anos incompletos, na primeira série do ensino fundamental. Se é verdade que o ato combatido gera reflexos, não de pequena monta, na estrutura da admi- nistração pública, afetando a ordem e a economia públicas, não se pode ig- norar a extrema relevância dos interesses tutelados na demanda, ou seja, o direito, protegido constitucionalmente, de crianças receberem o ensino fun-

damental. Diante dessa situação em conflito, se mostra prudente, pelo me- nos neste instante, sacrificar-se estes em prol do acenado interesse da ad- ministração. Ademais, o ato impugnado desafia a impugnação por recurso de agravo de instrumento, com possibilidade de obtenção do efeito suspen- sivo, meio esse adequado à discussão do mérito da decisão95

E não poderia ser diferente, sob pena de admitirmos a criação de privilégios à Fazenda Pública, em evidente violação ao princípio constitucional de acesso à Justi- ça. Aliás, a inconstitucionalidade dessas regras, que limitam a concessão de limina- res contra a Fazenda Pública, é defendida por diversos autores, na medida em que parecem verdadeiramente não contribuir à obtenção da tutela jurisdicional adequa- da, violando o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Esse é posicio- namento que se nos mostra mais adequado, apesar da opinião contrária dos Tribu- nais Superiores.

Ademais, tem-se de ter em conta que as ações de natureza coletiva normal- mente tutelam direitos indisponíveis, que merecem proteção especial, ainda que seja necessário colocar em segundo plano determinadas regras processuais, em função dos valores postos em conflito. Neste sentido, interessante decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que admitiu a tutela antecipada contra a Fazenda Pública, em ação de obrigação de fazer promovida com o objetivo de compelir o Estado de São Paulo ao fornecimento de medicamento para paciente portador de Aids.96 Na ocasi- ão, afastou-se tratar-se de hipótese em que havia proibição à concessão da liminar, decorrente das revogadas Leis nº 4.348/1964 e nº 5.021/1966 (substituídas pela vi- gente Lei nº 12.016/2009), e atenuou-se eventual irreversibilidade da medida anteci- patória, para dar guarida à vida e à saúde do autor da demanda.

95 SÃO PAULO. TJSP. Pedido de Suspensão de Tutela Antecipada em ACP 47026/0-2, decisão do

Presidente, Desembargador Dirceu de Melo, j. 23.1.1998, apud. NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Op. cit., p. 532.

96 SÃO PAULO. TJSP. Agravo de Instrumento nº 081.168.5/7, 7ª Câmara de Direito Público, Relator

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