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A tutela antecipada nas lides coletivas

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 85-89)

A Lei nº 7.347/1985, que regulamenta a ação civil pública, principal forma de tutela de interesses coletivos lato sensu, prevê expressamente a possibilidade de ser ajuizada ação cautelar coletiva para a tutela de interesses transindividuais (art. 4º). E, para que a medida venha a ser deferida, impõe-se a presença dos requisitos ge- rais das cautelares (fumus boni juris e periculum in mora). A redação do dispositivo, contudo, dava margem a dúvida; tratava-se de tutela cautelar ou de tutela inibitória?

Apesar da dúvida, os autores, com base nesse art. 4º e também na redação do art. 12 da Lei da Ação Civil Pública (LACP), antes mesmo da reforma introduzida ao CPC em 1994 e antes também da edição da Lei nº 8.078/1990, já admitiam a concessão de medida urgente de natureza satisfativa. Assim se pronunciou Fredie Didier Junior, a propósito da redação do art. 4º da Lei nº 7.347/1985:

Embora mencione expressamente a tutela cautelar, a redação do dispositivo não dá margem a dúvida: não se trata de tutela cautelar, mas sim, tutela ini-

bitória, que é satisfativa e visa exatamente obter providência judicial que im-

peça a prática de ato ilícito e, por conseqüência, a ocorrência de um dano.82

Posteriormente, com a redação do art. 273 do CPC, dada pela Lei nº 8.952/1994, e a edição do Código de Defesa do Consumidor, nenhuma discussão paira mais acerca da admissibilidade da antecipação de tutela nas lides coletivas. É que, embora nada se dissesse expressamente a propósito do assunto, por força do que veio a determinar o art. 21 da Lei nº 7.347/1985, tornou-se inquestionável a apli- cação da regra do § 3º do art. 84 do CDC às lides coletivas. Ademais, a noção de microssistema processual para as lides coletivas, integrado especialmente pela Lei de Ação Civil Pública, pela Lei de Ação Popular e pelo Código de Defesa do Con- sumidor, permitirá extrair-se a mesma conclusão.

Por essa razão, pode-se afirmar que o processo coletivo admite a liminar co- mo medida cautelar ou como antecipação dos efeitos da sentença, com natureza satisfativa. Daí o ensinamento de Hugo Nigro Mazzilli, para quem ―em ação civil pú- blica ou coletiva, a liminar pode consistir na autorização ou vedação da prática de ato, ou na concessão de qualquer providência de cautela, com ou sem imposição de multa diária.‖83

Além disso, o art. 12 da Lei nº 7.347/1985 já permitia ao juiz concedesse mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão interlocutória sujeita a agravo. E por liminar deve-se entender a decisão dada no início da lide, ―que tanto

82 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p. 309. 83 MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 445.

pode ter como finalidade assegurar uma providência acautelatória, como antecipar provisoriamente alguns dos efeitos práticos da sentença.‖84

Assim, na defesa dos interesses metaindividuais, qualquer dos legitimados à propositura da ação civil pública poderá requerer a tutela antecipada, desde que presentes os requisitos. E quais seriam esses requisitos: os do Código de Processo Civil ou os do Código de Defesa do Consumidor?

Por força do que estabelece o art. 21 da LACP, acrescentado pelo art. 117 da Lei nº 8.078/1990, o art. 84, § 4º, desta última, aplica-se a todas as ações coletivas. Esta, aliás, a opinião de Hugo Nigro Mazzilli, para quem a ―tutela será cabível se re- levante o fundamento da demanda e justificado o receio de ineficácia do provimento final‖. 85 Assim, são aplicáveis os requisitos do Código de Defesa do Consumidor.

Além do mais, o Código do Consumidor não diferencia o tratamento da tutela anteci- pada em ações individuais e em ações coletivas.

Outras considerações importantes ainda merecem destaque, na hipótese da concessão da tutela antecipada em lide coletiva.

Por primeiro, a decisão que concede a tutela antecipada em processo coletivo haverá de produzir eficácia erga omnes ou ultra partes, nos termos do art. 103 do CDC, aqui utilizado analogicamente. Daí a responsabilidade do magistrado na con- cessão da tutela provisória.

Por segundo, indaga-se sobre a necessidade de pedido para a antecipação de tutela nas lides coletivas. Parece-nos acertada a posição de Mazzilli, para quem a concessão da tutela depende, sim, de expresso pedido do autor da ação. Poderá, contudo, impor multa liminar que vise a assegurar o cumprimento da decisão, inde-

84 MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 442. 85 Idem, p. 461.

pendentemente de pedido neste sentido. ―Em síntese, tutela antecipada ou liminar de ofício, não; multa diária de ofício para assegurar o cumprimento da decisão, sim‖86. A necessidade de obediência ao princípio da demanda estaria implícita no

dispositivo e seria externada pela redação do art. 273 do CPC.

Além disso, interessante a discussão acerca da legitimidade para pleitear a tutela antecipada nas lides coletivas. Pode-se afirmar que qualquer dos co- legitimados à propositura da ação coletiva pode pleitear a antecipação de tutela; po- dem-no, inclusive, os terceiros intervenientes, que passam a atuar como litisconsor- tes. Assim, como parte (art. 81, CPC), inquestionavelmente pode o Ministério Público requerer a tutela antecipada, bem ainda a imposição de multa ou de medida de sub- rogação.

Atuando a Instituição como custos legis, há distintos posicionamentos. Para Fredie Didier, Rafael Oliveira e Paula Sarno Braga ―poderá o Ministério Público apoi- ar, repelir, sugerir o pleito antecipatório formulado; não poderá, entretanto, formular pedido antecipatório autônomo, pois lhe falta legitimidade para formular a demanda‖

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. Nada obstante, os mesmos autores citam outros doutrinadores que sustentam o contrário. Assim, Cássio Scarpinella Bueno entende que, na qualidade de fiscal da lei, o membro do Ministério Público pode solicitar antecipação de tutela, desde que seu pedido esteja em consonância com os interesses e direitos que ensejam sua atuação no feito.

Pensar diferentemente não é somente apequenar o Ministério Público e seus misteres constitucionais; é muito mais do que isso. É apequenar a fun- ção social do processo e o interesse do próprio Estado – imposto pela pró- pria Constituição Federal – em que ele, o processo, seja eficaz, em que ele

86 MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 445.

produza os efeitos que devem surtir em prol daquele que, procedimental- mente, apresenta-se com melhor direito do que o outro.88

Esse último o posicionamento é o que se nos mostra mais adequado.

Nessa perspectiva, como defende Zavaski, as medidas provisórias devem ser compatíveis com a natureza da demanda proposta, respeitados os limites dos pode- res outorgados ao legitimado para a sua propositura, assegurando ao indivíduo, que teve seu interesse tutelado pela ação coletiva, a possibilidade de submeter-se ou não ao resultado da ação, por força, inclusive, das características da coisa julgada nas ações para a tutela, em especial, de interesses individuais homogêneos, que se opera, secundum eventus litis. (arts. 103 e 104 do CDC).

Daí que:

A pretensão possível de ser deduzida por substituto processual na ação civil coletiva é apenas a que conduz a uma sentença genérica. Não há substitui- ção processual na fase de cumprimento da sentença (liquidação e execução individuais). A atividade executiva depende da iniciativa do próprio titular do direito material. Não é compatível com o sistema, destarte, pretender-se, em regime de substituição processual, pleitear, ainda que em caráter provisório, medidas cuja eficácia possa atingir imediata e necessariamente a esfera ju- rídica dos substituídos, sonegando-lhes a liberdade de optar pela não vincu- lação. Essa limitação se estende também às providências cautelares: o substituto processual poderá pleiteá-las, mas desde que se trate de medi- das (a) relacionadas com a ação de conhecimento, pois a legitimação extra- ordinária não existe para a liquidação e execução, já que se esgota com a sentença, e (b) que não importem vinculação necessária do patrimônio jurí- dico do substituído aos efeitos do provimento jurisdicional89

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 85-89)