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Toda a explicação sobre a anterioridade nas substâncias incorruptíveis incursiona pela Cosmologia e Teologia aristotélica, sendo melhor compreendida após uma prévia e resumida exposição. Em vários momentos, por exemplo, da Física é possível constatar que

257e)peiì d' e)stiì tw½n me\n eÃsxaton h( xrh=sij (oiâon oÃyewj h( oÀrasij, kaiì ou)qe\n gi¿gnetai para\ tau/thn eÀteron

a)po\ th=j oÃyewjŸ, a)p' e)ni¿wn de\ gi¿gnetai¿ ti (oiâon a)po\ th=j oi¹kodomikh=j oi¹ki¿a para\ th\n oi¹kodo/mhsinŸ, oÀmwj ou)qe\n hÂtton eÃnqa me\n te/loj, eÃnqa de\ ma=llon te/loj th=j duna/mew¯j e)stin: h( ga\r oi¹kodo/mhsij e)n t%½ oi¹kodomoume/n%, kaiì aÀma gi¿gnetai kaiì eÃsti tv= oi¹ki¿#. Θ8, 1050ª 23-28.

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eÃsxaton tem o sentido de te/loj, e xrh=sij tem o sentido de e)ne/rgeia”. Tricot, J. In: Aristote: La Métaphysique, Tome II, p.513.

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eÀwj th=j tou= a)eiì kinou=ntoj prw¯twj.. Θ8, 1050b 5-6.

260 Como já foi dito, e)ntele/xeia guarda melhor o aspecto de te/loj imanente, entretanto, Aristóteles o utiliza

bem menos do que e)ne/rgeia, mesmo para os casos em que e)ntele/xeia seria o mais indicado. É difícil responder definitivamente o motivo desta opção. Talvez pelo fato de o termo e)ne/rgeia ser mais abrangente e, por isso, mais condizente com a complexidade do real. Yepes Stork, por exemplo, acredita que “assim como

e)ne/rgeia expressa uma pluralidade de sentidos, e)ntele/xeia se limita ao segundo sentido do ato de modo principal, e só derivadamente chega a significar o primeiro sentido do ato (movimento) ou o terceiro (operação)”. Yepes Stork, R., La doctrina del acto en Aristóteles, p. 300.

para Aristóteles, além do mundo sublunar há um mundo supralunar cuja constituição é diferenciada de acordo com o movimento típico dos seres celestes. Assim como a matéria sublunar é constituída pelos quatro elementos, o elemento celestial é o éter (ai)qh/r), que não é submetido à geração e corrupção, mas somente ao movimento local, portanto, circular.261 A necessidade da matéria se deve ao fato de todo movimento requerer algo para ser movido, caso se retirasse a matéria não haveria mudança local, pois não haveria algo que ora esteja num lugar, ora em outro, não haveria algo para receber as afecções. Entretanto, as classes de movimento são de acordo com o tipo de matéria. De acordo ainda com o texto da Física, há três tipos de movimento: qualitativo, quantitativo e local262. Enquanto as substâncias sensíveis corruptíveis têm movimento qualitativo (alteração ou transformação) e quantitativo (aumento e diminuição)263, as substâncias sensíveis eternas só têm movimento local264, apenas mudam de lugar, embora voltem constantemente ao mesmo lugar. Este deslocamento não é retilíneo (para cima ou para baixo) e sim, circular265, por isso é contínuo e infinito e corresponde ao movimento da lua e dos outros corpos celestes que giram em volta da Terra.

Esse breve resumo da Cosmologia aristotélica permite compreender melhor a anterioridade do ato no sentido mais fundamental (kuriwte/rwj) aludido pelo Estagirita referente às substâncias eternas, os seres incorruptíveis:

Porém também em um sentido mais fundamental, pois as coisas eternas são em substância anteriores às corruptíveis, e nada é eterno em potência. E a razão é esta: toda potência é ao mesmo tempo potência da contradição, pois o que não é possível que exista não pode existir em nada, e, por outro lado, tudo que é possível pode não estar em ato. Assim, pois, o que é possível que exista pode existir e não existir; portanto uma mesma coisa pode existir e não existir.266

261 “Todas as coisas que mudam têm matéria, porém diferente; e, das coisas eternas, as que, não sendo geráveis, são movíveis por translação; porém matéria não gerável, apenas transladável”. Metafísica, Λ3, 1069b 24-26. Comentando a relação entre o tipo de movimento e a correspondente matéria, em Λ, Reale esclarece que: “Segundo estejam ou não sujeitas à geração e à corrupção, as coisas têm um gênero diferente de matéria. As coisas que são sujeitas à geração e à corrupção têm uma matéria sujeita a esta e a todos os tipos de mudança (os quatro elementos). As substâncias sensíveis mas não corruptíveis (os Céus) têm, ao contrário, uma matéria capaz só de movimento local (éter)”. Reale, G. Aristóteles Metafísica, vol. III, p.588. 262 Física, V1, 225b 5-6.

263 Física, VIII7, 261a 23-24. 264 Física, VIII7, 216a 1-2. 265 Física, VIII8, 265a 10-11. 266

a)lla\ mh\n kaiì kuriwte/rwj: ta\ me\n ga\r a)i¿+dia pro/tera tv= ou)si¿# tw½n fqartw½n, eÃsti d' ou)qe\n duna/mei a)i¿+dion. lo/goj de\ oÀde: pa=sa du/namij aÀma th=j a)ntifa/sew¯j e)stin: to\ me\n ga\r mh\ dunato\n u(pa/rxein ou)k aÄn

As substâncias eternas não estão submetidas à geração e corrupção porque nelas prevalece o ato, por isso são anteriores às corruptíveis; nelas não há potência porque tudo o que é em potência pode ser ou não ser alguma coisa, estar em algum lugar ou em nenhum lugar. Se toda potência guarda a contradição (ser e não-ser) não há como conceber que seres eternos tenham potência, senão, em algum momento, fatalmente, eles poderiam ser algo diferente do que são. Os contraditórios somente podem acontecer na potência, nunca no ato. Visto que os seres eternos são desde sempre os mesmos, eles não podem ora ser, ora não ser. Portanto, os seres eternos são sempre em ato e não têm potência.

Apesar disso, Aristóteles confirma que os seres eternos são constituídos de matéria e que, por essa razão, de algum modo, eles têm movimento, e o movimento é uma característica do que pode ser ou não ser, pois ora se está num lugar, ora não. Dessa forma, os seres eternos guardam uma característica própria da potência, parecendo contradizer a afirmação anterior de que eles não a teriam, porque em caso contrário ameaçaria sua própria existência. Para evitar a contradição, Aristóteles esclarece que a corruptibilidade, intrinsecamente associada à potência, tem que ser entendida de um modo específico, diferenciado: “Porém, pode não existir o que é possível que não exista; e o que pode não

existir é corruptível, ou absolutamente ou no sentido em que se diz que pode não existir, ou segundo o lugar ou a quantidade ou a qualidade; e absolutamente segundo a substância”.267 Pode-se concluir que a coisa pode ser corruptível (fqarto/n) de modo absoluto ou relativo. Ser corruptível de modo absoluto se refere à principal categoria, a ou)si/a; é quando a coisa perde sua essência e perder a essência é deixar de ser o que é. Caso os seres celestes fossem corruptíveis neste sentido eles não poderiam ser eternos, pois perderiam sua essência que é ser eterno e incorruptível. A corrupção relativa se refere somente às outras categorias268 (qualidade, quantidade, lugar, etc) e, como os corpos celestes mudam de lugar, eles estão submetidos à corrupção relativa, apesar de nunca mudarem sua qualidade ou sua quantidade.

u(pa/rceien ou)qeni¿, to\ dunato\n de\ pa=n e)nde/xetai mh\ e)nergeiÍn. to\ aÃra dunato\n eiånai e)nde/xetai kaiì eiånai kaiì mh\ eiånai: to\ au)to\ aÃra dunato\n kaiì eiånai kaiì mh\ eiånai. Θ8, 1050b 6-12.

267 to\ de\ dunato\n mh\ eiånai e)nde/xetai mh\ eiånai: to\ de\ e)ndexo/menon mh\ eiånai fqarto/n, hÄ a(plw½j hÄ tou=to

au)to\ oÁ le/getai e)nde/xesqai mh\ eiånai, hÄ kata\ to/pon hÄ kata\ to\ poso\n hÄ poio/n: a(plw½j de\ to\ kat' ou)si¿an.

Θ8, 1050b 12-16.

268 “Uma coisa é corruptível

a(plw½j quando perde sua essência; kata\ to/pon, se ela muda de lugar (o Sol, por

exemplo, em seu deslocamento no espaço); kata\poso\n, se ela muda de quantidade (a planta que cresce), etc. Mas, de qualquer modo, há corruptibilidade”. Tricot, J. In: Aristote: La Métaphysique, Tome II, p.515.