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105 Em 2015, o Banco Central do Brasil cancelou a carta de autorização de funcionamento do Banco

Caixeiral do Crato. A instituição foi sucumbida em meio à concorrência desleal das grandes corporações financeiras que estendem seus tentáculos por todas as partes do globo.

106 In: Jornal do Cariri apud Gazeta do Cariri. Banco Central fecha instituição financeira no Crato.

<http://www.gazetadocariri.com/2015/07/banco-central-fecha-instituicao.html>. Acesso em 25 de março de 2018.

Empreendimentos financeiros desse cunho foram responsáveis por criar uma rede de articulações financeiras com outras localidades do país, especialmente no tocante à economia agroexportadora, tendo o algodão e a cana de açúcar como os dois principais gêneros primários de maior destaque na economia do Cariri cearense. Aqui faremos uma breve consideração. Analisar esse contexto é decisivo não apenas para entender a atuação dos bancos na articulação econômica (e seus impactos na promoção de um processo de modernização urbana excludente) da cidade com a rede urbana da região e de outras localidades, mas também para perceber a posição de centralidade a qual ocupava Crato na economia da região.

Pensando o espaço como um processo histórico, e considerando os aspectos regionais da formação histórica, geográfica e econômica da cidade do Crato, podemos afirmar que esse período de financiamento da classe dominate é fundamental para compreendermos os reflexos específicos (mesmo atualmente, em uma economia cada vez mais globalizada) das entranhas dos circuitos (superior e inferior) da economia urbana (SANTOS, 1978) não apenas do Crato.

Caracteristicamente, as atividades do circuito superior têm presença maciça de capital, a atuação (gerenciamento) de órgãos reguladores e burocráticos, e acesso a crédito bancário em larga escala. O circuito inferior, embora atualmente já apresentando maior nível de financeirização, é composto pelas atividades mais informais, inclusive até resguardando características regionais. Para pegarmos um exemplo neste texto já mencionado, podemos citar o tradicional comércio varejista desenvolvido na cidade do Crato, a condição dos feirantes que há décadas vivem na informalidade, o trabalho dos artesãos da região, entre outras atividades (SANTOS, 1978). Ou seja:

O circuito superior emana diretamente da modernização tecnológica, mais bem representado atualmente, nos monopólios, não está ligado ao local ou regional, mas sim dentro da estrutura de um país ou de países. O circuito inferior é formado de atividades de pequena escala, servindo, principalmente, à população pobre; ao contrário do que ocorre no circuito superior, essas atividades são profundamente implantadas dentro da cidade, usufruindo de um relacionamento privilegiado com sua região (SANTOS, 1978, p. 34-35). O pontapé inicial nesse tocante foi dado com a inauguração do Banco do Cariri, em 08/09/1921, se configurando como a primeira instituição fornecedora de crédito não apenas do Cariri, mas do sul do Ceará. Em 1936 as instalações do Banco do Cariri deram lugar a primeira agência do Banco do Brasil no Crato. A oferta de serviços desse cunho

propiciavam a concentração de capitais e maior dinamicidade dos fluxos com outras praças do país. Em 1925 o Crato já contava com uma população de 35.000 habitantes, cerca de 5.000 casas, e comércio bastante diversificado (SOUSA, 2016).

O ritmo das construções atingiu cifras consideráveis, principalmente no magnífico Bairro do Pimenta onde foi enorme a venda de terrenos e onde surgiu um bairro elegantíssimo. Grandes vendas de terrenos se registraram em outros bairros da cidade. O aspecto das nossas ruas também melhorou consideravelmente, principalmente no centro da cidade, onde a construção do banco Caixeiral veio dar nova visão a um dos nossos principais logradouros [...] Várias ruas receberam pavimentação. Foi construído e inaugurado um novo sistema de posteamento, ao mesmo tempo em que vários serviços de urbanização foram executados107.

A passagem acima ressalta que “a construção do Banco Caixeiral veio dar nova visão a um dos nossos principais logradouros”. Percebe-se que além da articulação financeira, da mobilidade de fluxos de capitais e financiamentos, a estrutura arquitetônica é ressaltada como algo maior, pondo em relevo até a construção do Banco Caixeral, tratando-o como algo que veio a abrilhantar o logradouro. Aliás, a mesma passagem salienta o quão o setor imobiliário cresceu, apresentando “cifras consideráveis”, dando a entender que já estava em curso um incipiente processo de especulação imobiliária na cidade, com a valorização do solo urbano, mesmo diante de tantos contrastes sociais.

Por fim, podemos afirmar que na esteira das transformações econômicas e sócio- espaciais, capitaneadas sobretudo por uma elite agrária, que passa efetivamente a usufruir de créditos institucionais, têm-se uma série de mudanças na dinâmica da cidade, seja no aspecto do lazer, da infraestrutura, nos índices de urbanização e na modernização de alguns setores e serviços. A nossa abordagem, problematizada a partir de imagens (dialéticas) e outros fragmentos, sempre esteve consubstanciada em uma perspectiva de tempo não linear.

Consideramos o ir-e-vir, o vai-e-vem incessante, abrolhando a ideia do “Eterno Retorno”, como já vaticinou Lefebvre (1991). Tal abordagem não permite o entendimento do espaço como mera acumulação, somatória de fatos e acontecimentos, mas constructo humano, histórico e social a partir de mortes e ressurreições, em, parafraseando o autor supracitado, um “Eterno Conflito”.

Nessa perspectiva, o que podemos dizer sobre a produção da cidade, do urbano ao longo desse período analisado? É possível olhar para o hoje e se identificar com o passado, e vice-versa? O que permaneceu? Tudo foi reduzido a pó? As marcas residuais (se é que elas existem) refletem lampejos de uma cidade que só existe enquanto memória afetiva ou mera nostalgia? Ao retomarmos à concepção de imagem dialética proposta por Benjamin, ideia essa mencionada já no início desse capítulo, percebemos que o mesmo tinha razão ao dizer que “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como relampeja no momento de um perigo” (BENJAMIN, 1985, p. 224).

Não conseguimos “pegar” o passado, capturá-lo e colocá-lo dentro de uma caixinha. Entretanto, “apropriar-se de uma reminiscência” constitui-se como uma possibilidade para problematizar e entender as contradições do cotidiano em um dado contexto. A primeira imagem explorada nesse capítulo foi a dos passageiros esperando a chegada do trem, a famosa “Maria Fumaça”, à estação do Crato. Essa imagem não foi elegida aleatoriamente. Tal escolha está intrinsecamente ligada à nossa leitura, objeto de nossa análise, dos livros “Matozinho Vai à Guerra” e a “A Delicada Trama do Labirinto”. Essa “imagem-reminiscência” nos possibilita olhar para esses dias que correm cada vez mais velozes permitindo-nos constatar que:

Em sua trivialidade, o cotidiano se compõe de repetições: gestos no trabalho e fora do trabalho, movimentos mecânicos (das mãos e do corpo, assim como de peças e de dispositivos, rotação, vaivéns), horas, dias, semanas, meses, anos; repetições lineares e repetições cíclicas, tempo da natureza e tempo da racionalidade etc. O estudo da atividade criadora (da produção no sentido mais amplo) conduz à análise da re-produção, isto é, das condições em que as atividades produtoras de objetos ou de obras se re-produzem elas mesmas, re- começam, re-tomam seus elos constitutivos, ou, ao contrário, se transformam por modificações graduais ou por saltos. (LEFEBVRE, 1991, p. 24).

Sem nenhuma pretensão de fazer uma reconstituição do passado, ou seja, do período histórico aqui abordado, a análise feita a partir das imagens dialéticas (consubstanciada nas histórias narradas por Zé Flávio Vieira) simplesmente não nos mostra o passado constituído de fatos isolados, momentos estáticos, retratos emoldurados do passado. A comprovação da concepção do “Eterno Retorno”, verificável a partir da análise da reprodução, dos (re)começos, da incessante retroalimentação do mundo dos Homens, não para de gerar imagens que refletem contradições, como, por exemplo, a

exposta abaixo (Foto - 22), possibilitando “[...] o passado a colocar o presente numa situação crítica” (BENJAMIN, 2009, p. 513, fragmento [N 7a, 5]).

Foto 22 – Veículo leve sobre trilhos (VLT) saindo da cidade do Crato em direção a Juazeiro do Norte