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O Crato Tênis Clube é uma das construções mais emblemáticas desse período porque este serviu como uma espécie de modelo para muitos outros constructos arquitetônicos, inclusive de algumas casas situadas no próprio Bairro Pimenta. Na realidade, “Os terrenos em sua proximidade se valorizaram, surgiram novos loteamentos e novas casas [as mansões da época] foram sendo construídas [...] a prefeitura construiu o acesso à rua Cel. Antônio Luís, pavimentando-o” (FARIAS FILHO, 2007, p. 193).

Na época, quem observasse, no papel ou no próprio erigir da obra, os detalhes luxuosos da estrutura, rapidamente sentiriam o reflexo de uma estética que já denunciava a exclusão social. Observando com acuidade os traços sinuosos da planta, percebia-se que a efetivação desse projeto não estaria ao alcance de todas as classes sociais. Não era todo mundo que poderia acessar o seu luxo, ir às suas festas e bailes, comer, beber e desfrutar dos seus serviços de lazer e entretenimento. Eis agora o novo point da burguesia cratense.

As transformações mais céleres e bruscas ocorreram notadamente em meados do século XX (1940 e 1950). A partir de um rigoroso trabalho documental-bibliográfico,

71 Sítio, nesse caso, diz respeito à uma área de natureza rural, que por vezes corresponde a uma chácara,

Waldemar Arraes de Farias Filho traça um perfil da evolução urbana e arquitetônica (1750-1960) da cidade do Crato. Em passagem referente a meados do século passado ele enfatiza as construções mais impactantes desse período:

As construções da época que merecem destaque são: o Edifício Caixeiral na praça Três de Maio; o Palácio Episcopal (palácio do Bispo), projeto de Agostinho Baumes construído em 1940; o prédio dos Correios e Telégrafos (um dos primeiros em “estilo Déco” construído em 1932); a igreja de São Vicente Ferrer em 1942; o Crato Hotel (construído em 1936 por Pedro Jaguaribe o mesmo construtor do canal da rua da Vala); o edifício Lucetti 66 de 1947, o primeiro edifício de apartamentos da cidade; o Grande Hotel, em 1947 [...]; Hospital São Francisco de Assis e a maternidade de 1951 e 1952; o Patronato de Pe. Ibiapina de 1951, o Banco Caixeiral de 1931; a Coletoria Estadual, construída no terreno da praça da Sé onde existia a casa de Bárbara de Alencar; o Edifício Palácio do Comércio, todos seguindo a linha da arquitetura Art Déco (FARIAS FILHO, 2007, p. 189-190).

Essas obras significam muito mais do que meros constructos de concreto acrescidos à paisagem da urbe cratense. São construções responsáveis por incrementar serviços financeiros, jurídicos, de comunicações, de saúde, ou seja, atividades que integram o centro administrativo e burocrático de uma cidade. Ações que materializam de forma expressiva as ações modernizadoras, revelando uma lógica financeirizada da produção do espaço.

Investir naquilo que aparentemente é “público” constitui-se como uma poderosa estratégia que, contraditoriamente, beneficia os grandes agentes detentores do lucro e aplicadores da espoliação, ou seja, a minoria. Esses são fatos que denunciam mudanças imersas em uma dimensão político-ideológica maior: “[...] o fenômeno urbano [...] como realidade global implicando o conjunto da prática social” (LEFEBVRE, 2008, 51).

Em meio a esse plano de formação e organização do centro tecnocrático, emerge, na cidade do Crato, novos loteamentos privados, a construção de casarões e a pavimentação de ruas. Isso mostra que os agentes produtores do espaço urbano dialogam entre si. Reflexo de uma relação que pode ser estabelecida entre os agentes imobiliários e um:

[...] aparelho de Estado cuja missão fundamental foi criar condições favoráveis à acumulação lucrativa do capital pelos capitalistas domésticos e estrangeiros [...]. As liberdades que encarna refletem os interesses dos detentores de propriedade privada, dos negócios, das corporações multinacionais e do capital financeiro (HARVEY, 2008, p. 80).

A lógica financeirizada sob a qual a cidade é produzida, e coagida, pode ser refletida através de momentos e marcas históricas. Quando essas relações caem na teia do capital financeiro, tendo como centros de comando grandes agentes empreendedores unidos ao poderio estatal, a produção da cidade, do urbano, passa a ser propriedade privada, transformando o solo urbano, que se valorizara a partir das ações privadas e estatais, em títulos de propriedade rentáveis, tornando-os comercializáveis, moeda de troca, mercadoria. Curioso é que a partir do momento em que o imóvel entra no círculo do capital, ele só poderá “sair” mediante a ratificação do próprio sistema, ou seja, a compra, a utilização do sistema de crédito (HARVEY, 2008).

Essas forças impõe um ritmo de mudanças à cidade, ao rumo do urbano, que se revelam tanto em sua dimensão física como na cultura do povo. A devastação da cidade, a implosão das suas referências históricas, a celeridade de sua destruição criativa a partir de forças hegemônicas, dos agentes que atuam incessantemente em prol do grande capital, é bem-humoradamente narrada na seguinte passagem:

Rui Pincel invadiu o sagrado espaço da Siqueira Campos, hoje pela manhã, todo fiota, mais contente que pinto em monturo de restaurante. Abancou-se, chamou plateia e lascou: Nosso Crato velho está, definitivamente, se tornando uma cidade grande e civilizada, não se compara com a rafameia das vilinhas que existem aqui por perto, não! vocês viram o furação de ontem? Pois é, este bicho soprador não se mete a aparecer em cidade pequena, não, senhor. Ante o pasmo geral, Rui começou a fazer um inventário causado pelo furação cratense: O bicho destelhou pra mais de quinhentas casas, derrubou todos os outdoors da cidade. [...] - Nosso Crato, hoje, é cidade importante, meus amigos, só tá faltando um vulcãozinho e um tsunami pra gente entrar definitivamente no primeiro mundo (VIEIRA, 2013, p. 229).

Chega-se, definitivamente, a um período no qual o planejamento urbano e todas as ações em torno da cidade são capitaneadas por uma lógica tecnocrática, seja por parte da gestão governamental ou das classes mais abastadas (ambas facetas de uma mesma moeda). Isso acarreta a produção de um espaço alheio à vida social na urbe. A modernização urbana é caracteristicamente o meio pelo qual esse processo é viabilizado, uma vez que essa é pautada na divisão social do trabalho.

Portanto, as “benfeitorias”, isto é, “as obras públicas”, feitas em prol do “coletivo”, fazem parte de um processo que escamoteia a realidade, são subterfúgios que o capitalismo “[...] encontrou um novo alento na conquista do espaço, em termos triviais, na especulação imobiliária, nas grandes obras (dentro e fora das cidades), na compra e na venda do espaço” (LEFEBVRE, 2008, p.140).

Ainda se tratando de construções de referência, em meados do Século XX, na cidade do Crato, não podemos deixar de mencionar o até hoje existente Parque de Exposições Agropecuárias Pedro Felício. Apesar da primeira edição, em 1944, já ter como patrono Pedro Felício, idealizador do evento e cunhado do prefeito em exercício Wilson Gonçalves, só a partir da quinta edição é que o evento foi removido para o atual local onde até hoje é sediada a famosa ExpoCrato. Cogitações em torno de uma possível transferência do local de ocorrência desde a quinta edição para o Palmeiral, no Bairro

Vilalta, foi alvo de muitas discussões polêmicas72. Com base nesse debate podemos

perceber heranças históricas e contradições evidentes em discursos que giram em torno do processo de modernização da cidade.

Foto 4 – Primeira Exposição Regional Agropecuária, ocorrida entre os dias 4 e 7 de dezembro do