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Veículo leve sobre trilhos (VLT) saindo da cidade do Crato em direção a

Essa parece ser uma viagem sem fim. Sob os trilhos da antiga linha férrea,

inaugurada em 1926 e desativada para o transporte de pessoas em 1988108, hoje desfila de

Juazeiro do Norte a Crato (e vice-versa) o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A implementação desse meio de transporte faz parte de um conjunto de medidas institucionais que culminou com a instauração da Região Metropolitana do Cariri (RMC). Por força da Lei complementar Estadual, aprovada pela Assembleia Estadual do Ceará e sancionada em ato público na cidade de Crato, em 29 de junho de 2009, pelo Governador do Estado do Ceará, foi criada a Região Metropolitana do Cariri, compreendida pelos três municípios polos do Crajubar (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha) e mais seis municípios limítrofes dessa aglomeração urbana, a saber, Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri (QUEIROZ, 2015, p. 99).

Existe um debate histórico (capitaneado pelo Estado, mas de grande interesse da

iniciativa privada109, prova disso é que hoje há uma vasta gama de empresas

multinacionais instaladas no Cariri) em torno de um planejamento estratégico com

108 CORTEZ, Ana Isabel Ribeiro Parente. Memórias Descarrilhadas: O Trem na Cidade do Crato.

Fortaleza, 2008. UFC. Dissertação de mestrado, p. 24.

109 Exemplo disso é o próprio monopólio do transporte urbano que circula entre Crato, Juazeiro do Norte

ambições de inserir o Cariri em um patamar de destaque no estado. A justificativa dos gestores públicos consiste em ressaltar que há uma acentuada disparidade entre o interior (especialmente o Cariri) e a capital (especialmente a região Metropolitana de Fortaleza). As ações do Estado se configurariam como uma tentativa de descentralizar, de equilibrar os investimentos e os fluxos (de capitais, de bens, de serviços, de pessoas, etc.) polarizados em Fortaleza e sua região metropolitana. Na visão de Joaquim Cartaxo, à época secretário das cidades, “[...] essa desigualdade se manifestam na concentração de população e atividades na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF); de outro lado, na

concentração da pobreza e no crescimento incipiente das cidades do interior110”.

Figura 4 – Ranking das cidades cearenses com maiores e menores contribuições no PIB (2015) Fonte: IBGE (2015).

O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) cearense, distribuído entre os 184 municípios, mostra que, em 2015, houve uma nítida concentração espacial da produção dentro do estado com o município de Fortaleza participando com 43,2% desse total. Resssalta-se que a soma dos seis maiores municípios (Fortaleza, Maracanaú, Caucaia, Sobral, Juazeiro do Norte e Eusébio) registrou uma participação de 60,9% no PIB total do estado no referido ano111.

110 Passagem extraída do artigo intitulado “A Região Metropolitana do Cariri”.

<http://www.cidades.ce.gov.br/cidades/categoria4/cidades-do-ceara>. Acesso em 12 de abril de 2018.

111 “PIB dos Municípios Cearenses 2015”.

<www.ipece.ce.gov.br/informe/ipece_informe_121_15_Dezembro_2017.pdf>. Acesso em 12 de abril de 2018.

Os dados apenas ratificam a desigual produção (e distribuição) da riqueza material assentada sobre uma forte desigualdade socioespacial. Essa discussão parece recente, mas, na realidade, ela já tem registro nos anais oficiais da história há mais de um século. A tentativa de promover o Cariri, tendo o Crato como a sua capital, seu centro político- administrativo, se arrasta desde o século XIX, quando em 1828 os representantes do legislativo do Crato “[...] dirigiram ao Governo uma representação, advogando a criação da Província do Cariri Novo, cuja capital seria o Crato” (FILHO e PINHEIRO, 2010, p. 28). No senado do império, em 16 de agosto de 1939, José Martiniano de Alencar já havia solicitado a criação do “Estado do Cariri”.

Figura 5 - Mapa do Estado do Cariri Fonte: Acervo do Instituto Cultural do Cariri

Aspirações expressas em projetos desenvolvimentistas, “emancipatórios”, encabeçados por representantes dos poderes imperiais, por uma elite que desejava ratificar seu poder hegemônico através da anexação de territórios, da arrecadação de impostos etc., e que para isso justificavam que “[...] a primeira conveniência deste projecto é ser um meio de se levar a civilisação a estes lugares já bastante populosos” (ANAIS DO IMPÉRIO, 1839, p. 205). Como expomos em passagem supracitada, essa luta para “cratequizar” o Cariri se apoiava no passado de uma cidade soerguida a partir

de histórias gloriosas de seus personagens e fatos épicos112.

Um tempo onde, contraditória e paralelamente existia a exploração do homem pelo homem, já imperava o subjugo, a hegemonia dos mais abastados. Luxo e opulência ocupavam os prédios de arquitetura moderna, praças, jardins verdes, ruas iluminadas. Ao contrário, agonizava na periferia aqueles que pereciam de subsídios sem os quais a vida não poderia se sustentar, como o abastecimento de água. Não basta se basear no beletrismo dos intelectuais e na visão “progressista” de políticos, bem como “[...] ainda de uma infinidade de Coronéis da Guarda Nacional, títulos por vezes comprados e outros tantos distribuídos entre senhores feudais aqui do Nordeste” (VIEIRA, 2013, p. 289).

Crato, o que essa cidade hoje representa? A “Princesa do Cariri”; o epicentro cultural, a alma vanguardista da região, hoje apenas figura em gráficos e tabelas com pouca expressividade no PIB do Ceará e outros indicadores socioeconômicos se comparando a outras cidades há um século, como, por exemplo, Juazeiro do Norte. Provavelmente esse não era o futuro que as gerações de décadas passadas (na famosa “era de ouro”, meados do século XX) imaginavam. As construções em Art Decor que no apogeu de uma classe dominante defensora do “progresso” custe o que custar era o símbolo de modernidade de uma cidade que sepultava traços de arcaísmo para o surgimento do novo, hoje parece muito menos rugas que resguardam um tempo glorioso e mais espaços de apropriação pelo capital a partir de uma tentativa opaca de ressignificação do espaço. É comum a apropriação de construções arquitetônicas antigas que hoje abrigam comércios, sobretudo bares e restaurantes.

112 Há uma interessante discussão acerca desse assunto na dissertação de José Ítalo Bezerra Viana. VIANA,

José Ítalo Bezerra. O Instituto Cultural do Cariri e o centenário do Crato: Memória, escrita da história e representações da cidade. 183 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Ceará, Departamento de História, Fortaleza, 2011.

Foto 23 – Prédio histórico recém reformado, situado na esquina das ruas Miguel Lima e João Araripe.