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Traduções das grandes profecias de Blake começam a aparecer no Brasil como fragmentos em antologias. São principalmente duas as antologias que contêm tais fragmentos: Escritos de William Blake, livro com traduções de Alberto Marsicano e Regina de Barros Carvalho publicado em 1984 e reeditado em 2007 (sem as traduções de Barros Carvalho); William Blake – Poesia e Prosa Selecionadas, tradução de Paulo Vizioli publicada em 1993. Tudo o que vive é sagrado, tradução de Mário Alves Coutinho (que reúne textos selecionados de Blake e de D.H. Lawrence) publicada em 2001, é a terceira das antologias de Blake publicadas no Brasil; ela não menciona, contudo, as profecias mais longas do poeta: seu conteúdo inclui os textos integrais de O Casamento

do Céu e do Inferno (The Marriage of Heaven and Hell), Todas religiões são uma única (All Religions Are One) e Não existe religião natural (There is No Natural Religion), além de aforismos selecionados

de cartas, cadernos, catálogos comerciais e da marginália.

Entre a seleção de Marsicano & Barros Carvalho e a de Vizioli, a primeira é ligeiramente mais abrangente em relação às profecias longas. Assim, Escritos de William Blake apresenta o texto integral de The Book

of Urizen e trechos de America, Milton e Jerusalem, enquanto Poesia e Prosa Selecionadas mostra fragmentos de The French Revolution, Milton e Jerusalem. Marsicano e Vizioli parecem seguir critérios

diferentes para a seleção de Milton e Jerusalem, bem como para a sua tradução; é possível dizer que o primeiro inclina-se mais para a prosa, enquanto o segundo mostra preferência pelo verso, sobretudo o de metro mais regular: Vizioli escolhe de Jerusalem um fragmento do corpo da profecia e, de Milton, o poema em tetrâmetro iâmbico que serve de introdução à profecia; Marsicano elege o fragmento em prosa que serve de apresentação a Jerusalem e excertos da profecia de Milton, incluindo o tetrâmetro iâmbico, que ele intitula ―Jerusalém‖, em uma seção posterior – ―Poemas‖ – da antologia.

Awake! awake O sleeper of the land of shadows, wake! expand! I am in you and you in me, mutual in love divine:

Fibres of love from man to man thro Albions pleasant land. In all the dark Atlantic vale down from the hills of Surrey A black water accumulates, return Albion! return! Thy brethren call thee, and thy fathers, and thy sons, Thy nurses and thy mothers, thy sisters and thy daughters Weep at thy souls disease, and the Divine Vision is darkend:

“Desperta! Desperta! Oh tu que dormes na terra das sombras, acorda! Expande-te!

Estou em ti e estás em mim, em mútuo amor divinal:

Fibras de amor de um humano por outro, na terra deleitosa de Álbion. Em todo o escuro vale do Atlântico, para baixo das Colinas de Surrey, Uma água negra se acumula. Retorna, Álbion! Retorna!

Chamam por ti teus irmãos, e teus pais, e teus filhos. Tuas amas e tuas mães, tuas filhas e tuas irmãs

Choram pela enfermidade de tua alma. E a Divina Visão se escurece. (Vizioli – Blake, 1993: 103)

The nature of infinity is this: That every thing has its Own Vortex; and when once a traveller thro Eternity. Has passd that Vortex, he percieves it roll backward behind His path, into a globe itself infolding; like a sun:

Or like a moon, or like a universe of starry majesty, While he keeps onwards in his wondrous journey on the earth Or like a human form, a friend with whom he livd benevolent.

(M, B: 14)

Esta é a Natureza do infinito:

Todas as coisas possuem seus próprios Vórtices, e quando um navegante da Eternidade

Alcança este Vórtice, percebe que ele turbilhonante gira no sentido inverso E penetra numa esfera que se engloba como o sol, a lua, ou como um firmamento de constelada magnitude

Entretanto prossegue em sua feérica trajetória pela terra,

Sob a forma humana, como um amigo com o qual pode-se compactuar luminosamente a existência.

(Marsicano – Blake, 1984: 72) Esta é a Natureza do infinito:

Todas as coisas possuem seus próprios Vórtices, e quando um navegante da Eternidade

Passa este Vórtice, percebe que ele turbilhonante gira para trás

E torna-se uma esfera que se engloba a si mesma como o sol, a lua, ou como um firmamento de constelada magnitude

Entretanto prossegue em sua maravilhosa trajetória pela terra,

Ou como forma humana, como um amigo com o qual conviveu-se benevolentemente.

(Marsicano – Blake, 2007b: 78)

Milton e Jerusalem compartilham elementos que caracterizam as

profecias maduras de Blake: um eloquente verso heptâmetro irregular, com muitas aliterações, assonâncias e outros paralelismos. Neste excerto da gravura 4 de Jerusalem, destacam-se as repetições awake-(a)wake e

return-return, a assonância entre man-man-land no segundo verso do

fragmento, o polissíndeto, ao estilo bíblico, nos versos sexto e sétimo e as aliterações em ―v‖ e ―d‖ em Divine-Vision e Divine-darkend. Na tradução de Vizioli, o verso de Jerusalém não se afasta muito de um esquema de sete acentos por verso, o que é semelhante ao ritmo do original. Dos outros elementos poéticos, somente as repetições e o paralelismo dos versos sexto e sétimo foram mantidos.

Marsicano, por sua vez, assume uma liberdade maior em sua tradução, utilizando opções mais abertas em relação ao original de

Milton. A rima interna (no primeiro verso do fragmento da gravura 14

do exemplar B), as assonâncias (como a que existe no quarto verso) ou o polissíndeto (nos versos quarto e quinto) não são refeitos na tradução; o heptâmetro irregular de Milton dá lugar a longas linhas em prosa, somando ou separando versos quando o tradutor considerou conveniente. Na reedição da antologia, a tradução apresenta ajustes nas opções semânticas mas mantém a maior parte das escolhas da primeira versão.

A seleção de textos feita por Marsicano & Barros Carvalho e por Vizioli sugere que houve a intenção de apresentar uma amostra do conjunto da obra do autor. No que se refere às profecias maduras de Blake, ambas as antologias causaram pouco impacto no sistema de tradução. Talvez o fato de terem sido apresentados fragmentos dessas obras, sem seu contexto, seja um dos motivos para isso. Na verdade, ambas as antologias privilegiaram outros textos (é o caso também de

Tudo o que vive é sagrado), sobretudo pela quantidade dos textos

selecionados, em detrimento das grandes profecias – a de Marsicano dá destaque ao Casamento; a de Vizioli, a poemas breves, especialmente às

Canções.