• Nenhum resultado encontrado

Se The Marriage of Heaven and Hell é o livro que mais participa do repertório de uso cotidiano do sistema cultural, Songs of Innocence

and of Experience continua sendo a mais valorizada obra de Blake no

cânone brasileiro da literatura traduzida. No contexto anglófono, os poemas curtos e muito musicais de Songs of Innocence and of

Experience têm espaço de destaque nas coletâneas e nas obras de

história da literatura inglesa. ―The Sick Rose‖, ―Chimney Sweeper‖ e ―The Lamb‖ são exemplos dos mais citados, além de, é claro, ―The Tyger‖, que é o poema mais antologizado da língua inglesa11

. No Brasil, os mesmos poemas são especialmente famosos sob a pena de poetas tradutores, como José Paulo Paes, Ivo Barroso e Augusto de Campos. Todos esses poetas tradutores buscaram reescrever em suas traduções o metro, as rimas, as aliterações e os demais elementos poéticos desses sofisticados poemas de Blake. De fato, nunca houve em língua portuguesa outra estratégia de tradução para as Songs que não fosse a tradução poética.

A primeira tradução de Songs, Canções da inocência e da

experiência, foi publicada em 1984. Trata-se da tradução feita pelo

poeta pernambucano Antonio de Campos, em edição pouco conhecida. Em 2005, três traduções deste livro vieram à luz: Canções da Inocência

e da Experiência, tradução de Mário Alves Coutinho e Leonardo

Gonçalves; Canções da Inocência e Canções da Experiência, tradução de Gilberto Sorbini e Weimar de Carvalho e Canções da Inocência e da

Experiência, tradução de Renato Suttana, publicada em sua página

pessoal na internet. Todos os tradutores são professores de língua ou literatura inglesa ou estão envolvidos com o estudo acadêmico de literatura. Em Portugal, são duas as traduções publicadas até o momento: a de Manuel Portela, Cantigas da Inocência e da Experiência (2006) e a de Jorge Vaz de Carvalho, Canções de Inocência e de Experiência (2009).

Little Fly Thy summers play, My thoughtless hand Has brush’d away. Am not I

A fly like thee? Or art not thou A man like me? For I dance And drink & sing: Till some blind hand Shall brush my wing. If thought is life And strength & breath: And the want

Of thought is death; Then am I A happy fly, If I live, Or if I die (SIE, C: 47)

Figura 1 – SIE, C: 47: ―The Fly‖ Pequena mosca,

O brilho de teu verão Foi varrido

Por azar de minha mão. Não sou eu

U‘a mosca como tu? Ou não és

Um homem como sou? Pois bebo

Conto e bailo Até que mão vã Acabe meu vôo. Se vida é pensar, Força e hálito, E é morte

Ó Mosquitinho, Seus jogos de verão Tiveram o seu fim Por minha tola mão. Não serei eu Mosquito como tu? Ou não serias tu Homem como eu? Pois sei dançar E beber e cantar Até uma mão cega Vir minha asa arrancar. Se pensamento é vida Se ele é alento & energia: E sua carência

Pequenina Mosca; Minha mão, em distração, Repeliu num gesto Teu lazer de verão. Então, como tu, Uma mosca Eu seria? Ou tu, ser um homem Também poderias? Pois posso dançar Beber e cantar, Até que mão cega Me abata no ar. Se o pensar é vida, É fôlego e é forte; E sua ausência cultiva

A falta disto, Então sou U‘a mosca feliz, Quer viva, Quer morra.

(Campos – Blake, [?]: 45)

Como a morte seria; Logo sou

Um mosquitinho, Se fico vivo, Ou se definho.

(Coutinho & Gonçalves – Blake, 2005c: 97)

A presença da morte, Então sou Eu, Mosca festiva; Quer Eu morra, Quer Eu viva.

(Sorbini & Carvalho – Blake, 2005: 108) Mosquitinho,

tua alegria meu dedo incauto varreu do dia.

Não sou eu tão leve assim? Ou não és homem igual a mim? Pois que danço, e bebo, e entôo, até que um dedo varra meu vôo. Se o pensamento põe vivo e forte a quem sem ele só encontra a morte; então feliz mosquito sou: se estou vivo, se morto estou. (Suttana – Blake, 2005b: 30) Borboleta, Teu voo de verão Foi sem querer varrido Pela minha mão. Não serei eu Borboleta como tu? Não serás tu Homem como eu? Pois eu danço E bebo & canto: Até que cega mão Varra a minha asa. Se o pensar é vida E força & sopro: E o não pensar É morte; Então sou eu Borboleta alegre, Quer viva, Ou morra. (Portela – Blake, 2007: gravura 40) Mosca o jogo Do teu verão, Varreu estouvada A minha mão. Não sou eu Qual mosca assim? Ou não és tu Igual a mim? Vou dançar Beber cantar: ‗Té cega mão Me desasar. Pensar se é vida Sopro & ser forte: E se é falta De pensar morte; Com prazer Mosca eu vou ser, Esteja eu vivo, Ou se morrer.

(Vaz de Carvalho – Blake, 2009: 84)

Quadro com excertos 3 – Canções, Cantigas: ―The Fly‖

Um dos fatores que tornam as Canções uma obra ―canônica‖ certamente é, em nível textual, o tipo de trabalho com a linguagem realizado nesses poemas. O alto grau de elaboração do verso em poemas como ―The Fly‖, justifica, ao menos em parte, o grande interesse dos tradutores, poetas ou não, em traduzi-los.

―The Fly‖ tem um verso conciso, com dois pés. O metro é iâmbico (x / x /), com as exceções dos primeiros versos de cada estrofe, que são mais breves (nas estrofes 1, 2, 3 e 5), e duas variações: exatamente nos terceiros versos das estrofes (/ x /). O esquema de rimas é ABCB até a quarta estrofe; a última estrofe faz rimas AABA. Antonio

de Campos opta por um verso irregular em sua tradução (de duas a sete sílabas poéticas), apostando na rima para refazer a musicalidade do poema, bem sucedida – em relação ao original – com rima completa apenas na primeira estrofe. Coutinho & Gonçalves adotam praticamente a mesma estratégia. O metro de sua tradução é mais regular em relação à tradução de Campos, porém ainda irregular em relação ao original (versos de três a seis sílabas); os tradutores procuram compensar o metro pouco regular com as rimas, cuja ocorrência é mais frequente do que no original. O verso, também irregular, de Sorbini & Carvalho revela uma tentativa de redondilha menor. Como Coutinho & Gonçalves, Sorbini & Carvalho aumentaram o número de rimas no poema. A tradução de Suttana consegue um verso bastante sintético, com quatro sílabas, mesmo número de sílabas do original, fazendo algumas alterações de sentido, como ―Mosquitinho‖ para ―Fly‖ e ―até que um dedo / varra meu vôo‖ para ―Till some blind hand / Shall brush my wing‖, mudando um pouco a imagem do poema. Carvalho também opta por um verso de quatro sílabas, menos regular do que o esquema de Suttana. A preocupação em relação ao tamanho do verso traz na quarta estrofe uma ambiguidade que não existe no original. Por sua vez, Portela tenta um esquema de seis sílabas na tradução, que tem metro irregular e não cumpre algumas rimas. Em favor do esquema rítmico, ―Fly‖ é traduzido por ―Borboleta‖, o que se afasta da imagem representada na gravura – precisamente uma mosca ameaçada por um mata-moscas.

Uma assonância percorre todo o poema original em Fly-Thy-My-

I-fly-like-like-I-blind-life-I-fly-I-I-die, além das repetições de hand e de thought(less), entre outros paralelismos, que não só contribuem para a

cadência, como também auxiliam a cadeia argumentativa do poema. Desses elementos, a tradução de Campos refaz somente a repetição de ―mão‖. A tradução de Coutinho & Gonçalves também mantém a repetição de ―mão‖, como a tradução de Portela e a de Carvalho, e apresenta recorrência do som de ―i‖; o mesmo acontece na tradução de Sorbini & Carvalho. Suttana repete ―dedo‖ e refaz parcialmente a assonância. A tradução de Portela e a de Vaz de Carvalho opta por não refazer a assonância.

Muitas são as traduções esparsas de poemas de Songs of

Innocence and of Experience em língua portuguesa, a maioria delas

vindas de poetas tradutores. São traduções cujas estratégias estão, em geral, interessadas em refazer elementos formais dos poemas em primeiro lugar.