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PROFECIAS MAIORES E OUTROS TEXTOS

No Brasil, The [First] Book of Urizen aparece na antologia de Marsicano & Barros Carvalho em 1984; um ano antes, em Portugal, publicava-se o texto integral de The Book of Urizen na tradução de João Almeida Flor, professor da Universidade de Lisboa e estudioso da tradução. Esta, sendo a primeira tradução portuguesa de um texto de Blake, marca o interesse do sistema português em outros livros do poeta

fora do par clássico The Marriage of Heaven and Hell e Songs of

Innocence and of Experience.

9, All Eternity shudderd at sight Of the first female now separate Pale as a cloud of snow Waving before the face of Los

(BU, G: 18)

Figura 2 – BU, G: 18 9. Tremeu a Eternidade inteira, ao

ver

A primeira fêmea diferençada, Lívida, a lembrar nuvem de neve, Pairando defronte do rosto de Los.

(Almeida Flor – Blake, 1983: 37)

9. Toda a Eternidade estremeceu ao ver A primeira mulher desgarrada Lívida como uma nuvem, Pairando sob os olhos de Los. (Marsicano – Blake, 1984: 52) 9. Toda Eternidade estremeceu ao ver A primeira fêmea, agora separada; Lívida como uma nuvem de neve Pairando ante os olhos de Los. (Marsicano – Blake, 2007b: 61) Quadro com excertos 5 – The [First] Book of Urizen

Para o verso majoritariamente tetrâmetro do livro, Almeida Flor escolhe uma linha próxima do decassílabo. Sua tradução é sensível a recursos de aliteração (que aparece, por exemplo, no terceiro verso deste fragmento de seu texto traduzido), assonância e repetições lexicais. Tais elementos não parecem ser prioridade na tradução de Marsicano,

embora esta mantenha a disposição das linhas em versículos como no texto de Blake.

Onze anos após a tradução de João Almeida Flor é publicada a segunda tradução de um texto integral de Blake em Portugal, feita por Manuel Portela. Embora a publicação de sua série de traduções pela editora Antígona tenha iniciado com as Cantigas da Inocência e da

Experiência, a seleção de textos traduzidos por Manuel Portela

demonstra uma preferência especial por textos menos conhecidos do poeta inglês. Sua tradução de The Marriage of Heaven and Hell foi publicada apenas em 2006, acompanhada de outras três obras do autor no mesmo volume, quando, por exemplo, um texto como An Island in

the Moon aparece muito antes, em edição isolada, em 1996. A tradução

de Portela, Uma Ilha na Lua, revela preocupação com transpor para o português os neologismos do original, utilizados por Blake em enorme quantidade nesta ocasião, para efeito satírico.

then Aradobo began In the first place I think I think in the first place that Chatterton was clever at Fissic Follogy, Pistinology, Aridology, Arography, Transmography Phizography, Hogamy HAtomy, & hall that but <in the first place> he eat wery little wickly that is he slept very little which he brought into a consumsion, & what was that that he took [Cha] Fissic or somethink & so died

(E453)

Aradobe começou então: ―Em primeiro lugar penso, eu cá penso em primeiro lugar que Chatterton era bom e Medicena, Fologia, Pistinologia, Aridologia, Arografia, Metamorfografia, Focinhografia, Suínogamia, Hinotomia, & atudo isso, mas, em primeiro lugar, ele comer minto pouco, suminalmente – isto é, ele dormia muito pouco, o que levou ele à tuberculose pelmonar; & o que é que ele tomou? Medicena ou algomacoisa – & ódepois morreu!‖

(Portela – Blake, 1996b: 61).

Na estratégia de tradução que escolheu para os neologismos de An

Island in the Moon – criar neologismos em português para produzir o

efeito cômico do texto em inglês –, Portela é rigorosamente coerente ao longo de toda a sua tradução.

O estilo das profecias de Blake é bastante diferente de sua sátira inacabada, embora compartilhe de alguns traços, que são comuns à escrita do poeta como um todo, como a pontuação não-convencional e os ampersands. Fazem parte do estilo de Portela ao traduzir as profecias uma padronização parcial da pontuação do original (estratégia utilizada também na tradução de An Island in the Moon), o uso do ampersand e

uma forte intenção de não omitir na tradução nenhum detalhe do conteúdo dos versos proféticos de Blake.

Ao traduzir integralmente, além de Songs of Innocence and of

Experience, The Marriage of Heaven and Hell e An Island in the Moon,

os textos de:

Poems from the Pickering Manuscript For the Sexes: The Gates of Paradise All Religions Are One

There is no Natural Religion The Book of Thel

America Europe

The Song of Los The Book of Los

Visions of the Daughters of Albion The Book of Ahania

The Book of Urizen e Milton

Manuel Portela tornou-se o tradutor que mais traduziu obras de Blake para o português até hoje e, por conseguinte, o mais importante tradutor de Blake em língua portuguesa na contemporaneidade. Não por acaso, o seu trabalho passou a ser uma referência no processo de tradução do poeta no Brasil.

Com exceção de The Book of Urizen, que está na antologia de Marsicano & Barros Carvalho, e The Book of Thel, traduzido por Arantes (ambos traduzidos pelo tradutor português posteriormente), nenhuma das outras profecias traduzidas por Manuel Portela teve tradução brasileira publicada. Participando do repertório brasileiro, as traduções de Portela interferem (no sentido de Even-Zohar) na seleção de traduções em processo, isto é, o sistema de tradução brasileiro, em sua fase recente, mostra uma tendência em traduzir obras de Blake ainda não traduzidas em Portugal. Isso provavelmente justifica a escolha de

Jerusalem, texto traduzido por Saulo Alencastre e publicado

recentemente, após um longo período de retraduções em torno de Songs

of Innocence and of Experience e The Marriage of Heaven and Hell no

Brasil. A tradução de Alencastre, que é a primeira tradução de

Jerusalem em língua portuguesa, continua o processo de tradução de

Blake – um processo que segue em direção à tradução de sua obra completa – justamente de onde Portela havia parado, e não a partir do quadro de traduções brasileiras, um contexto onde não há uma tradição

de tradução, nem de crítica, das profecias suficientemente estabelecida, o que dificultaria o surgimento de uma tradução de uma das três maiores profecias de Blake. Esse percurso de tradução – a transição da tradução das obras da juventude para profecias da maturidade do poeta, ou das obras mais conhecidas para textos com menor visibilidade – foi construído em grande parte por Manuel Portela.